sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

NATAL DA MINHA INFÂNCIA.

 

NATAL É (COMO E) QUANDO O HOMEM QUISER

 


Ora ao Deus Menino 

em palhas deitado

a comer toucinho

todo lambuzado!

 

Zumba, zumba, zumba

Dá-lhe, Dá-lhe, dá-lhe,

Toca-lhe a Zabumba

Qu’ hoje é Noite de Natal!

 

Esta uma das cantigas que grupos de homens e rapazes munidos da “zabumba” para o acompanhamento musical entoavam pelas ruas da vila, com paragem a cada porta até esta se lhes abrir e lhes ser oferecido o pastel ou a filhó e, muitas vezes o copo de tinto acompanhado por pão e “marrã frita”[1].

Desde o anoitecer até à missa do galo, as cantigas e as paragens sucediam-se de forma ininterrupta.

Ao bater da meia-noite era a hora da missa do galo. Praticamente só frequentada por homens e rapazes e motivo de muito trabalho e preocupação para o Senhor Padre.

Era assim a parte pública do Natal em Arronches. As luzes apenas as dos “velhos” candeeiros espalhados pelas diferentes ruas da vila e, nalguns anos, da grande fogueira a arder no Largo da Cadeia.

Mas o Natal era muito mais que a parte trazida à rua nas vozes dos cantadores e no roncar das Zabunbas.

Muitos dias antes, no seio da família e em particular entre os mais novos, o nervosismo do Natal, fazia-se se sentir.

Nas famílias de maior tradição católica era a construção do Presépio na Igreja o maior factor de mobilização. Era necessário procurar e recolher o musgo, escolher e aprimorar as imagens, garantir a iluminação acertada.

A construção do Presépio era também “obrigatório” em cada núcleo familiar. A sua construção e decoração mudava conforme o escalão social e principalmente económico, de cada família. Só o simbolismo, o musgo e os pequenos espelhos que se transformavam em lagos ou ribeiras, eram comuns a todos eles. As imagens, de Jesus, de José e Maria, dos Reis Magos. As figuras do buro e da vaca, o estábulo e outros adereços iam desde os de cerâmica e de tamanhos maiores ou menores, aos desenhados em cartão e recortados, dos feitos pelas mãos habilidosas de pais ou irmãos mais velhos, com arame de fardo ou em cortiça sempre sob o entusiasmo barulhento dos mais novos de cada casa.

A Noite de Natal era para todos motivo de grande atenção e também ela se distinguia de acordo com as posses do cada um. A Ceia mais ou menos farta incluía sempre a “marrã frita” antecipadamente cortada e colocada a marinar em pimentão e massa de alho até ao momento da fritura e as filhós e os pastéis que mães e avós amassavam e recheavam na grande mesa junto à chaminé e o pai ou o avô fritavam no tacho com azeite bem quente colocado no meio do lume sobre a trempe de ferro.

Ao mesmo tempo e ao mesmo lume, a grande cafeteira de barro com água a ferver esperava que lhe fosse acrescentado o pó de café, de mistura ou puro, adoçado depois com açúcar branco ou louro, conforme as posses.

Apesar da brasa que ainda incandescente fora atirada para dentro da cafeteira para fazer juntar as borras no fundo da cafeteira, a mãe ou a avó tinha o cuidado de coar o líquido através de um guardanapo de pano branco para que só o líquido fosse distribuído.

Igual em todas as casas a “zabumba” previamente preparada pelo pai ou outro adulto da família que havia previamente ido colher um rebento de cana a um qualquer canavial nas margens da ribeira e havia guardado com a pele do coelho bravo, que fora almoço ou jantar em dias anteriores e a panela de barro que deixara de ser usada na cozinha ou que a mãe “emprestara” para o efeito.

Com toda a família na chaminé à volta do lume bem aceso comiam-se as iguarias, tomava-se um licor que a avó fizera e todos cantavam ao Menino acompanhados pelos homens e rapazes que tocavam a zabumba.

A noite terminava em tempos diferentes conforme a idade.

As crianças, feitas as despedidas, e colocado o sapatinho ao canto da chaminé para que o Menino Jesus as premiasse com uma prenda iam para a cama onde a excitação sobre se iriam ou não ter alguma prenda, fazia atrasar o sono.

Os adultos continuavam a “Ceia” por mais algum tempo esperando que as crianças adormecessem e os rapazes regressassem da missa do galo para distribuírem pelos sapatinhos as prendas “do Menino Jesus”: um chocolate, uma peça de roupa um brinquedo construído em ferro, cortiça ou madeira, por um Pai mais “artista” e, para alguns mais sortudos…aquela boneca de cartão comprada às escondidas na última feira ou sorte extrema, aquela boneca que abria e fechava os olhos contrabandeada pelo doador ou adquirida ao contrabandista que todos conheciam.

No outro dia, para a criançada era o ponto alto da festa. Saltar da cama e correr para a cozinha ver o que tinham no sapatinho eram ritual por todos assumido.

O desenrolar dos “embrulhos” e o admirar e exibir das pendas e o distribuir de beijos pelos adultos eram a recompensa que todos os pais e avós tinham direito.

Em minha casa, também assim era. Lembro ainda como me senti o mais sortudo dos “gaiatos” no ano em que ao lado da sapinho com o pai natal e o coelho de chocolate estavam dois enormes embrulhos que continham uma carroça em tamanho pequeno feita pelo meu pai (mestre carpinteiro) e um cavalo de cartão, montado num estrado de madeira munido de pequenas rodas de ferro, adquirido em segredo na última feira de Maio e guardado até poder ser agora equipado com a carroça, objecto da minha enorme alegria e vaidade que me levou em desfile, a casa de todos os familiares exibindo-os por toda a vila.

Era, ainda, um Natal mais de comunhão que de comércio. Era mais que o Dia em que a Igreja Católica comemora o nascimento de Jesus, o Dia da Família. De todas as famílias!

 

Diogo Júlio Serra



[1] Marrã frita – independentemente do sexo do animal esta proteína (toucinho e presa) depois de devidamente temperada e frita passa a feminino e o seu nome é, desde há muitas décadas: marrã frita.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

PODER LOCAL DEMOCRÁTICO, O SONHO CONTINUA!

 


PODER LOCAL DEMOCRATICO, O SONHO CONTINUA!*

No momento em que escrevo, dia 12 de dezembro – domingo, cumprem-se 45 anos desde esse outro domingo em que os portugueses e as portuguesas puderam pela primeira vez eleger os seus autarcas. Oito meses passados desde a primeira eleição livre e em que todos e todas, maiores de idade, puderam votar e elegeram a Assembleia Constituinte, o povo português voltava a ter a palavra para eleger o poder que lhe estava (e está) mais perto.

No distrito de Portalegre, os quinze executivos então eleitos e que iriam substituir as Comissões Administrativas eleitas pelos seus concidadãos para substituírem os autarcas nomeados pelas estruturas do fascismo mantinham as cores (politicas) dominantes na Assembleia Constituinte.

Eram eleitos do Partido Socialista doze dos 15 Presidentes de Câmara e os restantes três foram eleitos nas listas da FEPU, uma coligação constituída pelo PCP e pelo MDP/CDE mas, e fruto da inteligência da Lei das Autarquias, em cada executivo estavam representadas a quase totalidade das forças políticas presentes no distrito e os rostos que nas comissões administrativas haviam garantido a transição entre os executivos nomeados e os agora eleitos.

Em Portalegre, a vitória eleitoral do Partido Socialista colocou na cadeira presidencial o bancário Fernando Soares, acompanhado pelo, até à data, Presidente da Comissão Administrativa, Dinis Parente Pacheco e do eleito pela população em Assembleia Popular para esse cargo mas que declinou a favor de Parente Pacheco, o então jovem professor Adriano Capote, e também eleitos do PPD e do CDS: Manuel Calado, funcionário da Robinson e António Carrilho, médico veterinário. Do elenco faziam ainda parte mais dois eleitos pelo Partido Socialista: António Martelo, bancário e Domingos Sousa, engenheiro.

Que o legislador tinha razão ao decidir que os executivos municipais eleitos pelo método de hondt deveriam colocar nos executivos todas (ou parte) das cores que matizavam o ambiente político de cada território é-nos mostrado por esse executivo e pela obra que nos deixou.

Quatro décadas e meia depois constatamos quer a importância do Poder Local Democrático quer as profundas alterações sofridas pelos eleitos e pelas forças políticas que representam e em particular a involução verificada na percepção da importância e especificidade deste poder que é local e cuja proximidade com os cidadãos e os problemas o fazem ser diferente.

Hoje, e sem necessidade de saímos de Portalegre, constatamos a “parlamentarização” dos executivos e a incapacidade de governar os concelhos sem que, quem os preside detenha a maioria absoluta dos seus membros e, fruto dessa incapacidade de perceber que os entendimentos normais em mais de 95% das decisões do executivo têm que ser conseguidos, também nos restantes 5%. Mais, é preciso perceber que a receita para que tal possa acontecer não é o “comprar” de maiorias artificiais mas sim o estender do diálogo e da compreensão até atingir o consenso.

É difícil? É! Mas será tão menos difícil quando se têm como balizas (agora é moda dizer-se redlines) a Constituição da República e os interesses das populações que nos/os elegem e que dizemos/dizem ser o motivo da nossa/sua acção.

Mas regressemos a 1976 e às primeiras eleições para as autarquias e festejemos o Poder Local Democrático que ali se começou a construir. Festejemo-lo recordando os seus obreiros.

Dos quinze Presidentes de Câmara eleitos em 1976, no nosso distrito temos, felizmente, no nosso convívio quatro desses cidadãos. Quatro Presidentes eleitos pelos seus concidadãos de entre os “homens bons” de cada concelho: João Manuel Pista, bancário, eleito Presidente de Alter do Chão; Manuel Rui Nabeiro, industrial, hoje Comendador, eleito Presidente de Campo Maior; António José Falé Canoa, comercial, eleito Presidente de Monforte e Fernando Soares, bancário, hoje Comendador, eleito Presidente de Portalegre.

A pandemia obrigou ao adiar de uma justíssima homenagem que o Grémio Transtagano lhes preparara e que deveria ter ocorrido no passado dia 4 em Arronches e Monforte e que espero possa ser retomada quando comemorarmos Abril mas não pode fazer-nos esquecer quer o seu exemplar trabalho (naquele primeiro mandato e em todos os outros em que continuaram como autarcas) quer a importância de continuarmos a usufruir do Poder Local Democrático.

Não pode igualmente manter esquecida a necessidade de retomarmos os valores e os caminhos que o legislador consagrou em lei e a prática das várias décadas mostrou serem a sua maior valia: a especificidade deste “poder”, a importância de ter executivos que espelhem o todo de cada território e a “obrigatoriedade” de ultrapassar todas as barreiras que impeçam atingir o consenso na resolução de problemas que são consensuais e no aprovar das ferramentas que os permitam resolver.

Este é, penso, o caminho que temos que retomar!

Viva o Poder Local Democrático!

Diogo Júlio Serra

* publicado no Jornal do Alto Alentejo em  15-12-21

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Ninguém quer trabalhar? Pois!

 

Ninguém quer trabalhar? Pois!

 


Em 2021, quarenta e sete anos depois da Revolução do Cravos e quarenta e seis após o golpe que a travou e permitiu o regresso dos velhos poderes, o Governo de Portugal, pela voz do seu ministro da Economia, anunciou ao país ter decidido premiar os patrões que têm trabalhadores abrangidos pelo aumento (miserável) do Salário Mínimo Nacional.

Pelo segundo ano consecutivo, o governo premeia os patrões cujas políticas salariais são o espelho de um país confinado ao espartilho do trabalho mal remunerado, de baixa e muito baixa produtividade, da precariedade e da submissão ao “subsidiozinho”.

E não se pense que a medida visa apoiar os pequenos e muitos pequenos empresários que, também eles se têm que multiplicar em “invenções “ para conseguirem sobreviver.

O Governo, o mesmíssimo governo e o partido que o suporta, que se recusam a revogar as normas mais gravosas da legislação laboral impostas pelas troikas internacional e nacional, que enquanto empregador está a exaurir os serviços de quadros médios e superiores necessários ao funcionamento eficaz do aparelho de Estado. Que corre o sério risco (será que não é isso que quer?) de ver paralisados o Sistema de Ensino e o Serviço Nacional de Saúde por incapacidade de repôr os que se reformam e atrair novos quadros, apresenta-se “orgulhoso” em subsidiar os patrões que pagam o SMN com um subsídio por trabalhador abrangido de 12 euros/mês.

As centrais patronais, como já é habitual, lá vieram a público dizer que é pouco mas é um bom sinal. Vislumbram – como eu – que independentemente do montante é um sinal de afirmação que o partido socialista e o seu governo darão continuação à vontade que os levou a derrubarem o seu próprio governo – o regresso às políticas de favorecimento do capital em desfavor do trabalho e dos trabalhadores.

E tudo isto num tempo e num país em que a parte da riqueza produzida e depois distribuída para o trabalho é de pouco mais de 36% já abaixo da média da “europa comunitária”.

Quando são vários os estudos que nos mostram que em Portugal, hoje o número de pobres aumenta e entre eles e com um número muito significativo há portugueses que empobrecem a trabalhar. Um quinto da população portuguesa, segundo o INE vive na pobreza e neste número 60% são trabalhadores efectivos. A análise aos perfis dos empregados mostra que representam 32,9% dos pobres e 10,8% do total da população com trabalho.

Tudo isto, e não é nada pouco, num tempo e num país em que a cada dia patrões e a sua comunicação social, inundam as nossas casas e pensamentos com a falta de gente para trabalhar, com hotéis, restaurantes e fabricas que não conseguem recrutar pessoal, com o pessoal do campo a dizer-nos que é ano de fartura de azeitona mas que não conseguirão gente para a recolher.

Com um governo apostado em governar (como diz mas não faz) à esquerda seriam possíveis tais situações?

Mais, será possível a um país, seja qual seja, que aposte no Turismo (ou qualquer outro sector económico) como sua principal ferramenta de desenvolvimento e permita a esse sector manter-se como o que mais mal paga aos seus trabalhadores, que fomente a precariedade e a sazonalidade. Um sector que não forme, não cuide, não conserve?

Não, não é possível. Um país desenvolvido e moderno tem que assentar num pro­jecto de de­sen­vol­vi­mento cre­dível e sus­ten­tado. Deve as­sentar, numa época em que se de­sen­volvem novas tec­no­lo­gias (num quadro de en­ve­lhe­ci­mento da po­pu­lação e de uma acen­tuada quebra de­mo­grá­fica), so­bre­tudo no de­sen­vol­vi­mento e en­ri­que­ci­mento hu­mano. Deve apostar de forma inequí­voca na edu­cação, na for­mação, na valorização do trabalho e dos trabalhadores.

Que pensemos nisto, todos, quando fizermos as nossas escolhas!

Diogo Júlio Serra.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

 


Trabalhadores sinistrados – a injustiça continua!

Em 2014 uma alteração imposta pelo governo PSD/CDS ao Dec. Lei 503/79 - Regime de acidentes em serviço e doenças profissionais, proferiu uma profunda machadada nos direitos dos trabalhadores ao proibir a acumulação das pensões atribuídas por incapacidade parcial permanente com as remunerações auferidas pelos trabalhadores.

O Movimento Sindical e desde logo o STAL desenvolveram de imediato diferentes formas de luta visando a reparação dessa medida que consideraram de roubo.

Uma exposição ao Provedor de Justiça, audiências com os grupos parlamentares da Assembleia da Republica, subscrição de uma petição por milhares de trabalhadores e muitas outras ações visando a revogação da alteração introduzida.

Um Acórdão do Tribunal Constitucional, em 2017, não declarou como era pretendido pelos trabalhadores, a inconstitucionalidade das alterações como introduziu no acórdão considerações ofensivas para os trabalhadores mantendo-se assim a injustiça.

Com a nova composição na Assembleia da Republica abriu-se a possibilidade de ser reparado o “roubo” imposto as trabalhadores sinistrados ou com doenças profissionais e tal expectativa foi aumentada com a apresentação de vários projetos legislativos e em particular pelos parlamentares do PCP, do PEV e do BE.

Mais uma vez as expectativas foram goradas e o problema não foi resolvido. A Assembleia da Republica rejeitou a justa solução e aprovou o projeto apresentado pelo grupo parlamentar do PS amparado com os votos do BE (que abdicou do que reclamava no seu próprio projeto), PAN e Chega e, ainda, das deputadas não inscritas, Cristina Rodrigues e Joacine Katar-Moreira.

Aprovaram assim uma lei, a L. 19/2021, que é na prática uma espécie de branqueamento das “criminosas” alterações feitas em 2014 e que constituiu e mantem uma profunda machadada nos direitos dos trabalhadores sinistrados.

Vítimas dessa tão gritante injustiça encontram-se em quaisquer territórios entre os trabalhadores da função pública a começar nas freguesias. Na nossa também e é com esses trabalhadores e com a sua famílias que é imperioso continuarmos a luta para conseguirmos a inversão de tão grandes injustiças.

Saibamos todos que é com a luta que lá vamos e não esqueçamos que tamanha injustiça tem autores. Gente com nome e com rosto e nalguns casos, com uma enorme capacidade em “fazerem o mal e a caramunha”.

Não o esqueçamos!

Diogo Júlio Serra


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

EM PORTALEGRE CIDADE

 




EM PORTALEGRE CIDADE!

 “Que importa perder a vida

Na luta contra a traição

Se a razão mesmo vencida

Não deixa de ser razão!”

A quadra de António Aleixo vem-me à memória quando folheio as notícias que nos dão conta da decisão (justa, diga-se) do Município de Portalegre proceder ao encerramento do Castelo e das ruas expostas a maior perigo, face ao “esboroamento” das madeiras com que foi dotado na última intervenção sofrida 2006/7 e recordo aquelas sessões da Assembleia Municipal em que só a Bancada Municipal da CDU mostrava preocupação por o Executivo Municipal entender aceitar para si tarefas e funções que ao Governo competiam.

Faziam-no, como tantas vezes, sozinhos por entenderem ser um mau serviço ao concelho e aos portalegrenses e por isso se opunha à passagem de “competências” para as autarquias sem que estivessem acauteladas as necessárias contrapartidas que reforçassem estas com os meios financeiros e a capacidade técnica necessárias ao assumir de tais “competências”.

Nessa altura os demais, por demasiado enfeudados aos directórios partidários respectivos ou tão só por impreparação, falta de competências e jeito para tratar da coisa pública, exultavam com a descentralização anunciada e viam mesmo essas medidas como um reforço efectivo do Poder Local.

De que lado estava a razão é, agora, facilmente detectado pelos portalegrenses com a situação do Castelo.

Sem precisarmos de tratar aqui quer da bondade da intervenção e das opções feitas em 2003/6 e da “criminosa” falta de manutenção de materiais que se intuía serem de fácil deterioração (mais uma vez a falta de competência e de jeito para gerir a coisa pública), constacta-se agora estarem o município e os portalegrenses obrigados a “inventarem” soluções, particularmente financeiras, para se substituírem ao Poder Central na definição e pagamento de nova intervenção no Castelo de Portalegre que, note-se, seis anos depois da tão badalada descentralização, passou a ser responsabilidade do Município de Portalegre.

Que é absolutamente necessária nova intervenção que possa eliminar os riscos graves que a deterioração dos materiais utilizados em 2003/6 e que ficaram até hoje sem qualquer manutenção é comumente assumido.

Que esta nova intervenção deve resolver quer os problemas de segurança quer os que a intervenção anterior não só não resolveu como ampliou: a “destruição” do pátio interior, a ocupação como arrumações das partes mais emblemáticas, a “construção de espaços para restauração que já na altura não cumpriam os preceitos técnicos legalmente exigidos, é para todos, compreensível tanto mais que sabemos ser o Castelo de Portalegre, mesmo com tais constrangimentos, o monumento da cidade mais procurado por quem nos visita.

A questão é, como já se defendia quando da aceitação ou não do “presente” dado pelo Poder Central quem e como vai suportar os custos da nova intervenção?

E o pior, sim ainda haverá pior, é que esta é tão só a primeira da prendinhas que alguns se apressaram a receber e que a partir de agora seremos todos a pagar.

Que não venham agora dizer-nos que a culpa é do Rei D. Dinis que o mandou construir nos finais do séc. XIII. Os que não souberam ou não quiseram acautelar tais situações – as políticas e os actores políticos tem rosto e têm nome.

Que a nós (todos) não nos falte a memória!

 Diogo Júlio Serra

Texto publicado no Jornal do Alto Alentejo de 17-11-21

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

É COM ABRIL QUE SE ESCREVE O FUTURO!

 

É COM ABRIL QUE SE ESCREVE O FUTURO!

 


No momento em que escrevo não está ainda claro quais vão ser os próximos passos no caminhar que o chumbo do Orçamento que o PS queria para o país, despoletou.

Não estão também minimamente clarificadas as vontades que levaram a esta situação nem, longe disso, o que move o Presidente da República neste mergulhar em frente e apostar na dissolução da Assembleia da República e em eleições intercalares.

O tempo é ainda o de tratar a acidez que se apoderou de muitos organismos e que não permite uma leitura desapaixonada do que se passou e do que se perspectiva.

Face à questão “ quem matou a geringonça?”, terminologia feliz usada pelo jornalista Pedro Tadeu num jornal dito de referência, serão poucos os que leram e reflectiram sobre o que este publicou e muitos, demasiados, os que “feridos no seu orgulho” ou amedrontados no seu futuro já acharam os responsáveis: os partidos à esquerda do PS, BE e PCP. Os mesmíssimos, particularmente o último, a quem se deve o nascimento e manutenção do que a direita apelidou pejorativamente de “GERINGONÇA”. 

Quando a poeira assentar. Quanto a todos for possível uma análise crítica ao que se passou nos corredores do poder e aos comportamentos do governo e de cada um dos partidos que foram aprovando ou deixando passar os vários Orçamentos de Estado desde 2015 serão muitos a constatar que, o ponto a que se chegou, no dizer de Pedro Tadeu, à morte da Geringonça, não nasceu de geração espontânea e muito menos ocorreu num episódio de morte súbita. Não, a morte foi sendo perpetrada por atentados vários que a feriram, exauriram e por fim a assassinaram.

Vejamos: são muitos os que no calor do momento gritaram a sua “angústia” por face a um OE que não respondia quer às necessidades de vários setores da sociedade, quer à vontade dos partidos “comprometidos” com uma solução à esquerda.

Como é possível gritaram que PCP, PEV e BE, votem com a direita para diziam, derrubar o governo?

Vamos a factos: os partidos à esquerda do PS votaram com a direita para o derrube do governo? Não. Não e Não!

Os partidos à esquerda do PS votaram contra o projecto de OE apresentado e no qual não viram aceites muitas das propostas formuladas e sobretudo não viam estar garantida a sua execução.

A (má) experiência anterior com compromissos não honrados, com cativações a travaram as propostas aprovadas e com sinais de inequívoca vontade de manter muitas das medidas de usurpação de direitos que as troikas impuseram e tornaram lei, não eram salvaguarda suficiente para que tal prática não persistisse.

Quem está a preparar-se (já o havia anunciado) para derrubar o governo é o Presidente da República, eleito recentemente com o apoio do primeiro-ministro e os votos de grande parte dos eleitores do Partido Socialista.

A segunda questão: os partidos à esquerda juntaram-se à direita nesta votação do OE e isso é, dizem eles, coisa nunca vista. Sem procurar identificar quais as razões que levaram a que cada deputado entendesse como mau, o Orçamento proposto. Valerá a pena um breve olhar sobre as dezenas de vezes que toda a direita, incluindo o PS, convergiu para impedir a aprovação de quaisquer medidas favoráveis aos trabalhadores, à melhoria do SNS, do Ensino e/ou das condições dos reformados.

Mas, e o governo e o seu primeiro-ministro queriam, como não se cansaram de dizer, ter orçamento aprovado? Para encontrarmos tal resposta remeto-vos de novo para o artigo que tenho vindo a citar e passando por cima dos muitos exemplos cronologicamente datados a partir de 2019, deixo-lhes apenas os exemplos mais próximos.

“Quando na discussão deste Orçamento do Estado o governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de vez, a geringonça.

Quando o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, mente na televisão ao dizer que o PCP exigiu, sem cedências, a subida do salário mínimo para 850 euros já em janeiro, quando na verdade aceitou 705 euros no início do ano e apenas 800 euros no final de 2022, fez de coveiro da então já falecida geringonça.”

Todavia, isto é já passado e o que importa para todos, cidadãos e instituições, é o futuro que soubermos construir. Esse futuro para os que o querem construído à esquerda, com políticas que coloquem na sua génese, a resposta aos problemas dos trabalhadores no activo e na reforma, a economia (e não os capitalistas e agiotas), a manutenção e não a destruição do nosso mundo, só poderá ser atingido se somarmos em vez de dividirmos, se garantirmos que a “soberba” de uns quantos não dinamite as estruturas e as vias que resistiram aos últimos acontecimentos.

Um futuro capaz de combater as políticas de ódio e manter fechados os armários onde durante décadas se acantonaram os derrotados em Abril só é possível se passarmos rapidamente do “passa culpas” à tentativa séria de perceber o que aconteceu e à vontade de não cometer os mesmos erros.

Porque nenhuma ilusão de hegemonia à esquerda, por mais legítima que o seja, deve impedir o necessário entendimento para mantermos Abril no nosso futuro.

Diogo Serra

(Editado no Jornal do Alto Alentejo)

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

NÃO, NÃO VOU POR AÍ…

 

NÃO VOU POR AÍ…



As eleições autárquicas são já, por mais alterações e surpresas que tenham imposto, apenas passado.

O que se nos coloca agora, no país e também no nosso território, é a necessidade de encontrarmos respostas para os problemas que recaem sobre o país e cada um de nós. Problemas que são o resultado de décadas de políticas de direita e que o surto pandémico veio mostrar com maior nitidez.

São os velhos e importantes défices estruturais que afectam particularmente o nosso território, o agravamento da exploração, de injustiças e de desigualdades que as troikas (internacional e local) agravaram para além do limite do suportável.

Foi na procurar de fazer regredir as medidas mais gravosas que essas políticas impuseram que se desenhou a fórmula politica que permitiu ao PS formar governo e manter-se no poder desde então.

No momento em que se volta a pôr à prova a validade dessa formula e se procura aferir da validade dessa construção, para o país e em particular para os setores da sociedade em nome dos quais foi criada, vale a pena relembrar a “construção politica” que alguns apelidaram, jocosamente, de geringonça e medir os resultados atingidos.

A aprovação (ou não) de mais um Orçamento de Estado pelas forças de esquerda do espectro eleitoral só se justifica, a meu ver, se esse orçamento consagrar as políticas necessárias a manter os objectivos iniciais: desarmadilhar as políticas neo liberais impulsionadas pela troika interna – Direita politica, Patronato, Presidente da República, repor os direitos entretanto roubados.

Relembremos:

Quando naquela noite de Outubro de 2015, perante o “atirar da toalha ao chão” do Partido Socialista, que não conseguira uma votação que lhe permitisse suplantar o PSD de Passos Coelho, o Secretário-Geral do PCP lançou o repto de que o PS só não governaria se o não quisesse porque a esquerda ficara maioritária na nova composição parlamentar, trazia implícita a vontade de travar as politicas mais agressivas da direita politíca e a recuperação dos direitos que essa direita e o seu governo nos haviam roubado: os direitos sociais e laborais, os feriados extintos, os salários e pensões congelados, o aumento da carga horária para os trabalhadores da Administração Pública, o empurrar da juventude para fora do país…

Os direitos roubados foram recuperados? Todos os objectivos foram conseguidos? Colocam-se hoje, e o orçamento consagra, novos direitos?

Sim e não.

Sim, foi travada a dinâmica de destruição do aparelho produtivo e particularmente do desmantelamento do sector público, veja-se a questão da saúde, da TAP, da estrutura ferroviária.

Sim, foi travada a política de empobrecimento acelerado dos trabalhadores e pensionistas e invertida a postura de corte sistemático nos salários e nas pensões. Atente-se à reposição dos subsídios de férias e de Natal, ao aumento anual do SMN e a implementação de aumentos extraordinários para as pensões mais baixas.

Sim foram repostos os feriados que haviam sido “roubados” e recuperadas pela função pública as 35 horas que haviam sido retiradas.

Mas subsistiram muitos (demasiados) nãos.

Não foram repostos (O PS e o governo não o permitiram) os direitos laborais em particular a reposição do Direito do Trabalho e da visão de que este é fundamental no equilíbrio entre o capital e o trabalho.

E quanto ao território que é o nosso?

Como estamos quanto às nossas aspirações e necessidades para além do (re)anúncio do Pisão?

Está garantida, e para quando, a electrificação e modernização da Linha do Leste, a modernização do material circulante e a atribuição de novos horários para mercadorias e passageiros e a sua aproximação à cidade de Portalegre?

Está garantido e para quando a ligação em via rápida entre a A6 e a A23 com passagem por Portalegre?

Está garantido e em que medida que o nosso distrito será um “alvo” da tão propalada bazuca?

Parece que o não estão e a ser assim, o que interessa e a quem interessa, fazer pagar à esquerda os custos políticos de novas políticas da direita?

Penso ser tempo de na região e no país relermos e citarmos José Régio.

Não sei para onde vou… sei que não vou por aí!”


Diogo Júlio Serra 

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

PORTALEGRE FICOU (quase) SEM SOLUÇÃO!

 

Portalegre ficou (quase) sem SOLUÇÃO!(*)

No futebol quando as coisas “correm mal” muda-se o treinador, nunca a equipa. Assim terá que ser, por acrescidas razões com plataformas eleitorais e os projectos que defendem.

No primeiro caso, no futebol, por uma questão de custos…na política por uma das mais elementares regras da Democracia e por uma impossibilidade real: não se pode (um democrata nem o poderá conceber) mudar de povo (os eleitores) logo, o que há a fazer é mudar de estratégia e,quando muito, de treinador.

E tudo isto a propósito das eleições autárquicas do passado dia 26 e dos seus resultados, por todo o país e particularmente, porque aqui estive e estou envolvido nos, concelho e distrito de Portalegre.

No distrito as candidaturas em que me revejo triunfaram e perderam, ganharam e perderam eleitorado e no fim, apesar da perda de votos e de mandatos é possível continuar a sorrir embora que de forma (muito) moderada.

No concelho de Portalegre a “coisa” foi bem mais “dolorosa” e nem o alcançar do objetivo há muito traçado - mudar de políticas e de protagonistas para Portalegre, consegue “adoçar” a acidez dos resultados: Perda de 1325 votos, do vereador municipal, de três dos quatro deputados municipais e de dois dos três lugares na Assembleia de Freguesia da Sé e S.Lourenço, ficando agora a voz da CDU a ser assegurada por um eleito na assembleia municipal e um eleito na assembleia de freguesia da cidade.

A hecatombe aconteceu quando as expectativas estavam, justamente, num patamar elevado. A composição das listas e a competência reconhecida aos que as integravam, a aceitação e entusiasmo ao longo da campanha, o termos “ganho” todos os debates realizados e a pertinência do compromisso/solução assim o faziam prever…

Não foi assim. Um vendaval laranja, tão forte quanto inesperado varreu o concelho colocando na presidência da Câmara, da Assembleia Municipal e de duas das maiores Juntas de Freguesia, o partido que oito anos atrás “quase desaparecera” e que nos últimos tempos lutava pela manutenção dos lugares que conseguira no último acto eleitoral.

Há explicação? Claro que há, mesmo que ainda não tenha sido encontrada por todos ou alguns dos protagonistas.

No que à CDU diz respeito registo a lúcida análise que o meu camarada Pedro Tadeu publicou no Jornal Público do passado dia 22. Trata-se de uma reflexão focada no todo nacional mas que, a meu ver, se aplica bem a Portalegre embora sem os ganhos que a postura nacional garantiu.

Todavia em Portalegre, cidade e concelho, é fundamental que consigamos ir mais fundo. Importa compreender até que ponto “pesa” o “medo de perder o médico” e a forma como esse medo é disseminado pelos especialistas da boataria que em Portalegre sabemos serem de grande eficácia.

Importa “medir” o peso do preconceito anti-comunista e as razões porque se mantem quando, ali ao lado já não se coloca. Importa analisar e medir os impactos da acção politica nos vários órgãos e, apesar da sua justeza, como foram compreendidos e aceites pela população.

Importa analisar quem é o nosso eleitorado na cidade e no concelho e adaptarmos a comunicação aos seus interesses e posturas.

Temos agora (o voto popular assim o impôs) um tempo e um espaço para a reflexão, a análise e o construir de respostas. Façamo-lo mantendo e reforçando a nossa acção cívica e politica em todo o concelho e em todo o espaço de intervenção ao nosso dispor.

É este o tempo. Só reconhecendo as debilidades e com disponibilidade para as suprir poderemos ser/continuaremos a ser a Solução!

Diogo Serra

(*) publicado no Jornal do Alto Alentejo de 6 de Outubro de 2021

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

45 ANOS DEPOIS...

 


As Primeiras Eleições Livres para as Autarquias Locais*

               Cumprem-se agora, no próximo dia 12 de Dezembro, quarenta e cinco anos das eleições autárquicas de 1976, as segundas eleições livres depois do esmagamento da 1ª Republica. Foram, também em Arronches, o verdadeiro teste à vontade dos cidadãos se envolverem na gestão da coisa publica e também, uma grande afirmação de convivência democrática e de procura de soluções a nível local.

               Com as estruturas salazaristas desmanteladas ou paralisadas pelo medo, sem contar com a presença das antigas organizações republicanas e com as organizações partidárias recentemente formadas e sem experiência político-partidária e as já existentes acabadas de sair da clandestinidade foram os cidadãos e em particular os jovens quem, no nosso concelho e a exemplo do que já fora feito para garantir o recenseamento, meteram mãos à obra e assumiram o esclarecimento indispensável e, quantas vezes, o trabalho burocrático necessário a garantir a apresentação das candidaturas.

As figuras reconhecidamente opositoras ao regime derrubado, na sua maior parte organizadas à volta do Centro Republicano Arronchense e que imediatamente ao 25 de Abril deram corpo à organização concelhia do MDP/CDE já haviam tomado as suas opções partidárias e dividiam-se agora, pelo MDP, pelo PPD e pelo CDS entretanto criados, pelo Partido Socialista, fundado em 1973 e pelo Partido Comunista Português que atravessara a ditadura e recuperava agora muitos dos seus quadros que haviam permanecido no MDP/CDE e nas organizações associativas.

Apresentaram-se a escrutínio 3 forças políticas: A FEPU – Frente Eleitoral Povo Unido, constituída pelo Partido Comunista Português o MDP/CDE e a Frente Socialista Popular, O PS - Partido Socialista Português e o CDS – Centro Democrático e Social. [1]

Estavam inscritos nos cadernos eleitorais 3.440 cidadãos e exerceram o seu direito de voto 2.323 eleitores, (67,55 %). As eleições foram ganhas pelo Partido Socialista que ficou em primeiro lugar para todos os órgãos.

Dos resultados eleitorais sairia o primeiro executivo municipal eleito livremente pelos seus concidadãos cuja composição correspondia aos votos expressos pelos eleitores do concelho:

Miguel Joaquim Lagarto, Pedreiro/Mestre-de-obras, (PS) – Presidente e como vereadores, António Branco Pereira Marouço, Industrial de Moagem (FEPU); Gil da Conceição Palmeiro Romão, Funcionário da Segurança Social (PS); Joaquim Teodoro Carvão Patacas, Comerciante. (CDS) e José Henrique Goucho Marouço, Comerciante (FEPU).

Para a Assembleia Municipal e Assembleias de Freguesia os resultados não foram diferentes pelo que a composição ficou assim ordenada: restantes órgãos a votação e composição foram as seguintes:

Assembleia Municipal

José Francisco Dias, sapateiro (PS), Presidente, António Luís Palmeiro Bigares, comerciante (PS) 1º Secretário, Júlio Fernandes, comerciante (PS), 2º Secretário e os deputados municipais: Artur Américo da Conceição Bastos, funcionário público (FEPU),Manuel Joaquim Charrua Santos, gerente comercial, (FEPU), António Mendes Mota, Eng.º técnico – aposentado (CDS), Arménio José Vieira Grilo, comerciante (CDS) e João Augusto Venâncio Gravito, serralheiro, (PS).

As três Juntas de freguesia do concelho passaram a ser presididas por cidadãos eleitos pelo Partido Socialista e foram constituídas alianças (as primeiras) PS/CDS destinadas a afastarem dos órgãos executivos e de direção os eleitos da FEPU dando os resultados seguintes:

Junta de Freguesia de Assunção

               Luís Dâmaso – Comerciante, PS – Presidente

               José Augusto Germano da Silva – Carpinteiro, CDS – Secretário

               José Francisco Trabuco – Funcionário Corporativo, PS – Tesoureiro.

 

Junta de Freguesia de Esperança                               

António Sena Manuelito – Agricultor, PS – Presidente

João Baptista Duarte – Comerciante, PS – Secretário

Vítor Bengala Nunes – Mecânico, PS - Tesoureiro

 

Junta de Freguesia de Mosteiros

               Manuel Joaquim Caldeira Palma – Padeiro, PS – Presidente

               João António Pereira, Comerciante, PS – Secretário

               João António Rodrigues Marques, PS – Tesoureiro.

 

Quarenta e cinco anos depois já não são muitos os que de entre eles ainda estão entre nós: O Gil Romão, que integrou o primeiro executivo municipal, Charrua Santos e João Gravito eleitos na Assembleia Municipal. O Vitor Nunes e o Manuel Palma que integraram os executivos das suas freguesias estão connosco e são testemunhas do que então vivemos e que importa manter vivo: a enorme capacidade e vontade de eleitores e eleitos em ultrapassaram as inúmeras barreiras que a inexperiência e a debilidade dos meios ao dispor impunham a todos.

Os “papéis” eram na sua maioria policopiados e só alguns, os essenciais eram feito em papel baratinho e apenas a uma cor, na tipografia mais próxima.

Os cartazes eram colados por todo o concelho usando o pincel da caiação e com cola feita a partir da água, da soda caustica e da farinha. As paredes, as de maior visibilidade e facilidade de acesso eram duramente disputadas ma escadas, escadotes e muitas vezes a própria cola eram partilhados por todas as candidaturas.

O “som”- as cornetas transportadas no tejadilho dos carros (quando os havia) distribuíam “berraria” disfarçada de música ou de slogans de campanha e os comícios e sessões de esclarecimento multiplicavam-se por todo os concelho e garantiam, então era assim, sempre casas cheias.

O espirito de ”festa” foi até às urnas de voto. Em cada uma das secções de voto existentes no concelho, escrutinadores e delegados das listas concorrentes, todos voluntários pró-bono, eram mimados com petiscos e bebidas, levados pelos eleitores e que transformavam as salas mais reservadas de cada secção em local de peregrinação para quem garantia as mesas de voto e os que aí iam votar.

Conhecidos os resultados eleitorais, quer a euforia dos vencedores quer a tristeza dos vencidos cedo deu lugar à festa e à celebração de, pela primeira vez, os dirigentes de cada uma das autarquias do concelho serem aqueles que os seus pares livremente haviam escolhidos.

Foi assim, que também aqui, se deitaram as sementes à terra. Sementes que germinaram e que permitiram que este ano, quarenta e cinco anos depois, voltássemos a decidir quem irá dirigir por mais um mandato os órgãos do município.

Diogo Serra
* publicado no Noticias de Arronches

[1] O PPD não apresentou listas mas integrou filiados seus nas listas CDS


segunda-feira, 20 de setembro de 2021

MENTIR É SEMPRE MENTIR...

 



MENTIR É SEMPRE MENTIR, MESMO QUE POR OMISSÃO!

Escrevo o presente texto enquanto assisto através das televisões às homenagens fúnebres a Jorge Sampaio. Justíssimas, diga-se. Como o foram as inúmeras intervenções noticiosas que nos foram oferecidas ao longo de todo o fim-de-semana e que só não foram mais intensas porque tiveram que ser repartidas com o assinalar dos vinte anos do ataque terrorista às torres gémeas em Nova Iorque.

Neste fim-de-semana perdemos (em particular os alentejanos e a comunidade escolar) um outro homem bom, o Professor Doutor Manuel Patrício. Este não mereceu quaisquer aberturas de Telejornais e a chamada imprensa nacional ou ainda não tomou conhecimento ou entende não justificar noticia, quem nasceu e morreu em Montargil , neste distrito afastado de tudo e que “ainda” elege dois deputados porque a legislação não permite que se percam mais, mesmo que se trate de uma personalidade que, entre as muitas intervenções foi o Magnífico Reitor da Universidade de Évora e um pedagogo brilhante.

Mas adiante, o que quero reflectir convosco é, de novo, a maneira como se fabricam ou se apagam as notícias, conforme os interesses dos donos disto tudo e também dos órgãos ditos de informação.

Vejamos, todos os grandes meios de comunicação andaram toda a passada semana a assinalar o 11 de Setembro. Foram os registos da época, as entrevistas a testemunhas e as intervenções dos “megafones do costume”.

Quem nasceu no séc. XXI ficará com a ideia de que esse dia do calendário só apareceu em 2001 e no entanto todos sabemos, eles também, e em particular o povo chileno, que em 1973 nesse dia 11 de Março um Golpe Militar fascista capitaneado por um militar indigno e preparado e apoiado pelas forças do “Tio Sam”, assassinou a democracia e os seus representantes e deu inicio a uma sanguinária ditadura fascista.

Voltemos à justíssima homenagem a Jorge Sampaio para que eu possa reafirmar o entendimento que tenho de que perdemos um combatente pela liberdade, um dos fundadores da democracia e um Homem Bom, independentemente dos cargos e responsabilidades que exerceu e que foram desde o seu empenhamento nas lutas estudantis, à defesa jurídica de combatentes pela liberdade, na direcção do PS, na Presidência da Câmara de Lisboa, na Presidência da República ou nos combates cívicos que nunca deixou de travar.

Foi, já o afirmei, uma homenagem e uma informação justamente atribuídas mesmo quando, e disso ele não tem quaisquer culpas, se omite deliberadamente os que foram desde sempre seus companheiros de combate. Nem uma palavra sobre quem eram os presos políticos que defendeu, a sua participação na batalha no próprio dia da Revolução e nos que se lhe seguiram, para que todos os presos políticos fossem libertados, a sua participação no IV Governo Provisório liderado por Vasco Gonçalves e, também, o esconder que em todos as suas vitórias eleitorais os comunistas participaram decisivamente.

Recordemos agora os silêncios que a tal comunicação e os donos dela e de tudo, impuseram com estrondo.

As omissões e esquecimentos quando perdemos muitos dos obreiros da revolução e em particular, aqueles militares que se recusaram a pactuar com os que a descaracterizaram e a deixaram capturar pelo capitalismo reinante. O silêncio revoltante que impõem a muitos heróis da resistência e fundadores da Democracia. O silenciamento votado ao antigo dirigente Comunista Carlos Costa falecido no passado dia 6, herói da resistência ao Estado Fascista, preso e torturado sem nunca abandonar o combate e que, reposta a democracia politica deu um significativo contributo ao país na implementação do poder local democrático.

Não foram merecidas e justas as horas e páginas ocupadas na comunicação falada e escrita para homenagear o ex- Presidente Jorge Sampaio e para honrar as vítimas do atentado terrorista em Nova Iorque? Claro que o foram!

As outras, as horas e páginas não utilizadas para denunciar os atores e mandantes do 11 de Setembro de 73 – no Chile de Allende ou para honrar Carlos Costa ( e os muitos outros “Carlos Costa”) é que foram não apenas  imerecidas e profundamente injustas mas fundamentalmente uma forma de nos mentirem, mesmo que por omissão!

Diogo Júlio Serra


quinta-feira, 2 de setembro de 2021

O(s) AGOSTO(s) da minha infância!

 

O(s) Agosto(s) da minha infância!*



Nos anos 60 Arronches era, como a maioria das nossas vilas e aldeias, um espaço aberto de liberdade e de descoberta para crianças e adolescentes.

Claro que não o era para todos. Era-o para quem, crianças e jovens, ainda não sabia que a guerra colonial os esperava, que o controle social e político imposto aos seus pais e avós ainda estava de “pedra e cal”.

Mas isso são outros contos!

Agosto era então o mês livre das obrigações escolares, mês em que a vigilância paternal afrouxava, o mês em que chegavam os “primos de Lisboa”, que a hortas e pomares da vila os desafiavam que os campos, ali à porta de casa, eram parque de diversão e esconderijo e os rios e ribeiras que cercam a vila espaço de aprendizagem e fruição.

Era também o mês das festas anuais e em particular da festa da Santa Casa a maior e mais representativa festa dos arronchenses.

A praia estava ao alcance de pouquíssimas famílias (contavam-se pelos dedos da mão) os que iam à praia. Só as famílias proprietárias das terras e das gentes “iam a banhos para a Figueira” levando consigo família e “serviçais” e por lá se ficando (em casa própria ou alugada), o mês inteiro.

Para a maioria a “praia”, o local para onde iam a banhos tinha nome mais familiares: açude do Porto Manes, açude d´el Rei, pego da nora, etc.. etc… locais que pela sua profundidade ou pela existência de represas não secavam no verão como sucedia com a maior parte das ribeiras e riachos.

Aos bandos (só os rapazes porque às meninas estavam proibidas essas veleidades) era vê-los, quase sempre sem o conhecimento e muito menos autorização dos pais, escaparem-se para a “banhação”.

Os mais velhos eram os professores e vigilantes. Eram eles quem ensinavam as primeiras braçadas, quem não permitia aos mais novos aventurarem-se para locais onde “não tivessem pé” e muitas vezes quem os transportava (às costas) aos locais destinados apenas aos “eleitos”: os mergulhos da parede da nora da horta do vassalo, para os locais de grande profundidade daquele troço do rio Caia que a represa criada para garantir água aos lagares ali existentes, garantia igualmente a melhor e mais frequentada piscina natural.

E tudo estava bem definido de acordo com a idade dos seus utilizadores. Os mais novos no “açude de cima”, no canal que levava a água ao lagar do Grémio da Lavoura, ali onde hoje está o Centro Interpretativo da Realidade Agrícola – CIRA. Os que já tinham alguma prática, mais à frente junto ao “escamado” e só os mais velhos e já exímios nadadores, com “licença” para mergulharem no “açude de baixo” e mergulharem e nadarem no pego da nora.

Não eram raras as vezes em que, por se “esquecerem” de voltar a casa durante todo o dia ou de informarem sobre a banhação, o regresso era feito descalços, e muitas vezes sem roupa, à frente do chinelo ou do cinto, consoante fosse a mãe ou o pai quem comandava a operação.

Mas ir a banhos era apenas uma, talvez a mais frequentada, das atividades de Agosto. As festas anuais e particularmente a Festa da Santa Casa, eram o ponto alto do verão dos arronchenses. E estas, “mexendo” com todos, jovens e adultos, homens e mulheres de todos os extratos sociais.

A sua importância na vida da comunidade ultrapassava em muito a finalidade de proporcionarem o financiamento da instituição que as promovia e do seu hospital concelhio. Era o momento do reencontro das famílias – aos que permaneciam no concelho, e eram então o triplo do que somos hoje, juntavam-se os que haviam partido para a zona de Lisboa em busca de melhores condições de vida e era também o momento dos “ricos” afirmarem o seu “estatuto e poder” fosse fazendo integrar no cortejo os carros de tração animal carregados de oferendas, (lenha, trigo, etc…) e era, principalmente para os mais jovens, o tempo em que se abriam brechas no controlo social e se permitia o convívio entre rapazes e raparigas.

Na verdade as festas da Santa Casa tinham uma particularidade que, naqueles tempos, fazia toda a diferença: o cortejo de oferendas e as marchas que o integravam. Estas integravam dois grupos distintos. À frende e escalonados por altura as crianças. Eles trajados de campino (vá-se lá saber porquê) levando ao ombro um bordão decorado tendo à ponta um lenço onde se levava uma oferta. Elas com trajes garridos levando no braço uma pequena cesta e nela uma pequena oferenda. Seguia-se o grupo dos “adultos” eles de calça e colete pretos, camisa branca e com cinta vermelha. Elas com vestes minhotas transportando à cabeça um cesto de verga contendo as fogaças que mais tarde, no arraial, seriam leiloadas. Marchavam eles e elas separados pela rua acompanhados pelos acordeonistas e cantando a marcha das festas.

As marchas, uma aposta do então provedor Frederico Santos, impunham um mês de ensaios. Um mês inteiro em que noite após noite rapazes e raparigas sob o olhar benevolente das mães ensaiavam sob a batuta do austero provedor e ao som do acordéon do João Gravito e do pai (o sr. Francisco Chambra) aprendiam a cantar a marcha  (a música da marcha vencedora desse ano do Santo António em Lisboa e para a qual um letrista do concelho – quase sempre o mestre Cleto – escrevia o texto ressalvando Arronches e a sua “Casa Santa”).

Os ensaios tinha lugar no Salão de Festas (espaço único de então) onde hoje está instalado o museu de A Brincar. E, porque as mães ainda conseguiam lembrar-se de serem jovens e o João Gravito era ele próprio um jovem, facilmente se deixavam convencer (umas e outro) para que no final do ensaio e após a retirada do Sr. Frederico Santos, se organizassem animados bailes onde até as mães “davam um pezinho de dança.

Depois, depois eram os três dias de festa. Com o cortejo de oferendas, a tourada - o único momento anual em que a Praça de Touros recebia um corrida de touros com os cavaleiros, forcados e demais participantes a ofertarem a sua atuação e os ganadeiros o oferecerem o curro e o arraial realizado no Largo da Cadeia onde hoje está o jardim com serviço de restaurante e bar instalado na garagem do Sr. Bigares, muitas mesas ocupadas por quem as podia pagar, um estrado onde os mais jovens e mais abastados pagavam para dançar ao som da orquestra vinda de fora e instalada no coreto de ferro previamente montado.

Os mais pobres também tinham espaço nas festas. As mulheres levando cadeiras de casa sentavam-se na parte que dá ao convento da Luz e desse local seguiam o desenrolar de toda a festa. Os homens encontravam espaço para uma bebida nos balcões que ladeavam o Bar e os mais jovens e menos endinheirados criavam fora do recinto um espaço onde podiam dançar sem pagamento. Porque o recinto que os impedia de entrar não impedia a música de sair.

Foram assim os Agostos da minha (nossa) infância.

 Diogo Júlio Serra

*publicado no Noticias de Arronches de Agosto2021