quarta-feira, 13 de julho de 2016



ictvr -VEMOS, OUVIMOS E LEMOS. NÃO PODEMOS IGNORAR!*

Em artigo publicado neste jornal (nº 481 de 22 de Junho) o ex- Diretor Técnico do ICTVR – Centro Internacional de Tecnologias de Realidade Virtual, vinha a público trazer-nos a “sua” verdade sobre o que levou ao desmoronar dum projeto que se acreditou ser capaz de alavancar a ascensão da cidade e da região a patamares de excelência nas industrias tecnológicas e criativas.
No seu longo artigo que justifica com a necessidade de contar a verdade sobre o princípio e fim do ICTVR aquele ex-dirigente procura justificar a sua participação e assume-se como vítima de um processo que levou à delapidação de alguns (muitos milhões), transformou em pesadelo o sonho de jovens quadros a quem fizeram acreditar que o seu futuro estava garantido na sua cidade e colocou em total desaproveitamento equipamentos e saberes de grande valia social e económica.
Algumas das afirmações proferidas que o autor diz serem apenas factos comprováveis e as muitas perguntas que nos deixa revelam-se de uma tal gravidade que deveriam ter originado um mar de desmentidos, de esclarecimentos e de promessas de processos na justiça.
Ao contrário e estranhamente (ou talvez não) o que assistimos é a um silencio ensurdecedor.
Responsáveis autárquicos (antigos e atuais), dirigentes académicos e empresários ligados ao projeto, forças políticas no poder ou na oposição, ou não leram ou fingem não saber o que ali foi afirmado ou insinuado.
E não foi pouco. O antigo Diretor Técnico do ICTVR afirma-se vítima de um processo que destruiu de forma deliberada um projeto que diz, tinha tudo para dar certo.
Denuncia o Executivo Municipal então presidido por Mata Cáceres de não ter oficializado as decisões tomadas para com o ICTVR e em particular o facto do direito do uso das instalações no espaço Robinson e do investimento assumido pela Câmara nunca terem sido analisados e aprovados quer na Câmara quer na Assembleia Municipal.
Acusa as autoridades académicas de compadrio com os que decidiram alterar o projeto inicial e depois, estrangular financeiramente o ICTVR e acusa ainda forças que não identifica, como protagonistas de uma campanha visando destruir a sua reputação profissional e pessoal.
Acompanhei o processo ICTVR numa fase em que este há muito deixara de ser uma oportunidade e se havia transformado numa enorme dor de cabeça. Então, enquanto administrador não executivo da Fundação Robinson, participei em algumas reuniões duma Comissão Administrativa que procurava ainda salvar do desastre algumas das suas componentes.
Recordo quer a informação que tínhamos de que o então Diretor Técnico havia abandonado as suas funções e se comportava como elemento hostil à sobrevivência do ICTVR, quer as tentativas e pressões de alguns dos sócios do ICTVR para que fosse a Fundação a assumir o ICTVR. Situação que o Conselho de Administração que integrava, sempre recusou.
Por tudo isto, ao ler o artigo da autoria do professor Gastão Marques esperei que o mesmo levantasse, no mínimo, um ruído parecido com o que desde sempre foi “oferecido” à Fundação Robinson.
Engano meu! Mesmo depois dos “esclarecimentos” publicados, a cidade mantem a mesma incompreensível postura de “assobiar para o lado”.
Onde estão as forças políticas da oposição (mas também da maioria) que afirmando-se preocupadas com os gastos públicos elegeram a Fundação Robinson como saco de pancada onde é possível descarregar todas as frustrações?
Onde estão os porta-vozes dessa cultura tão lagóia do diz que diz ou dos atos de heroísmo à mesa do café ou a coberto do anonimato nas redes sociais?
E, por onde andam os gestores do ICTVR, os nomeados pela Câmara e os outros? E os autarcas, particularmente o então Presidente Mata Cáceres acusado de ter escondido do município, ou pelo menos não ter levado ao assumir, das decisões por ele tomadas?
Aguardemos!

Diogo Júlio Serra

Ex-Administrador (não executivo) da Fundação Robinson
*publicado no Jornal Alto Alentejo de 13 de Julho de 2016



41 anos depois continuam os sonhos e as lutas
 Diogo Júlio Serra *

No passado dia quatro cumpriram-se quarenta e um anos desde aquela noite de 1975 em que nas instalações da Delegação de Portalegre do Sindicato dos Bancários, na Praceta, reuniu sob a presidência de António Milheiro, bancário, António Serra, operário agrícola e António Ceia dos Reis, Corticeiro, a Assembleia Constituinte da União dos Sindicatos do Distrito de Portalegre, para discutir e aprovar os Estatutos e instituírem a organização sindical dos trabalhadores do distrito que se assumiria desde a primeira hora como a Intersindical do distrito de Portalegre.

Estavam presentes 4 sindicatos com representação distrital: Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do distrito de Portalegre, Sindicato dos Sindicato dos Bancários de Lisboa, Sindicato dos Operários Corticeiros do distrito de Portalegre e Sindicato dos Químicos do Sul, que representavam mais de 50% dos trabalhadores sindicalizados no distrito.

De fora, embora por pouco tempo, ficavam o Sindicato dos Lanifícios, o Sindicato do Metalúrgicos de Portalegre e o Sindicato da Construção Civil, mais os Sindicatos dos Rodoviários e dos Caixeiros e Empregados de escritório já então, “enamorados” do reformismo sindical que haveria de desaguar nos processos fraccionistas da Carta Aberta e dos que se seguiram.

Desta forma tomava corpo o desejo de constituir um organismo de direcção e coordenação da acção sindical que, também no distrito de Portalegre, se desenvolvia de forma intensa desde os últimos anos do Marcelismo mas com particular intensidade desde o 25 de Abril de 1974.

Tratava-se de dar enquadramento legal à estrutura organizada dos trabalhadores que no terreno dirigira a tomada dos sindicatos fascistas e garantira a gestão dos sindicatos pelos trabalhadores associados. Fora assim na tomada do Sindicato dos Operários Corticeiros, do Sindicato dos Caixeiros e Empregados de Escritório e fora igualmente esta estrutura a apoiar a acção de refundação dos sindicatos cuja actividade fora proibida pelo fascismo: Função Pública, Professores, Administração Local.

Fora ainda esta estrutura “informal” que apoiara a refundação do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e, através dele organizara os trabalhadores na luta por salários e por emprego e na constituição de inúmeras Unidades Colectivas de Produção Agrícola que promoveram uma Revolução dentro da Revolução

Fundada formalmente no apogeu da Revolução viveu de forma intensa o “processo da Reforma Agrária” e coordenou todas as acções sindicais de conquistas de direitos individuais e colectivos e, com a vitória da contra revolução politico-militar, dirigiu a luta em defesa das conquistas que Abril abriu.

Hoje, quarenta e um anos depois, com milhares de lutas travadas, com vitórias e derrotas no seu historial, mas sempre em estreita ligação com os trabalhadores e trabalhadoras deste distrito, a União dos Sindicatos entretanto renomeada como União dos Sindicatos do Norte Alentejano continua a afirmar-se como a maior e mais representativa organização social do distrito de Portalegre e a demonstrar a mesma firmeza e entusiasmo na defesa dos trabalhadores que representa e do direito de todos em trabalharmos e vivermos num território acolhedor e desenvolvido.

Eu que acompanhei o seu percurso, desde o nascimento até hoje e com particulares responsabilidades entre 1978 e 2015, sou disso testemunha.

Hoje, no dia em que comemora mais um aniversário a União dos Sindicatos do Norte Alentejano é companhia inquestionável de quantos aspiram a um futuro melhor, parceiro indispensável de órgãos do poder democrático e actor imprescindível na aplicação das políticas necessárias à região e ao país.

Que persista na sua acção.
Sempre, Sempre com os trabalhadores e trabalhadoras do Norte Alentejano!

* publicado no Jornal Fonte Nova de 12/7/16



sexta-feira, 1 de julho de 2016

Da cultura industrial à indústria da cultura.

Da Cultura Industrial à Indústria da Cultura




     A vila de Portalegre que em 1229 pertencia ao concelho de Marvão, passou a sede de concelho em 1253.[1] A 23 de Maio de 1550, D. João III elevou-a à categoria de cidade quando esta já era, em conjunto com Covilhã e Estremoz, um dos principais centros da indústria de tecidos do país.
   Fruto das óptimas condições naturais e da “cultura industrial” existente, em 1772 o Marquês de Pombal instala aqui, no antigo Convento de S. Sebastião, a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre.
     No século seguinte a cidade de Portalegre, então elevada a capital de distrito,[2] assiste ao acentuado declínio das suas indústrias têxtil e lanifícios e à instalação e florescimento da indústria corticeira às mãos de uma família inglesa, os Robinson.
     O século XX encontra a cidade de Portalegre já recomposta da grave crise que afetara a sua indústria e comércio, com uma população à volta dos 10 mil habitantes e dispondo de diversos serviços de apoio às condições de vida das suas gentes.
      A primeira metade do Século XX confirma Portalegre como cidade industrial, situação que se mantém e amplia quando da Revolução de Abril e continuará até 1986, ano em que Portugal passa a ser membro da Comunidade Económica Europeia.
     A indústria corticeira, com a Robinson Bros, os lanifícios, com a Fino’s, a Fibrafil e a Finicisa, o sector têxtil com a Invicar, os lacticínios com a Serraleite, o sector químico com a Houtchinson, a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre e dezenas de outras de menor dimensão, garantem o emprego a uma comunidade operária já em diminuição mas ainda com enorme peso na vida da cidade e da região.
     Das intervenções do FMI e da adesão do país à CEE resultou o aumento da nossa dependência e tornou a nossa economia muito mais vulnerável às influências das economias altamente desenvolvidas.   
     A destruição da capacidade produtiva a troco de euros e autoestradas e o errático apostar na tercerização da nossa economia sem ter consolidado o nível secundário, aceleraram a destruição das nossas empresas, impuseram o fim da “Portalegre Industrial” e lançaram o concelho num perigoso trajeto de empobrecimento e letargia de que urge libertar-se.
     Com a insolvência e encerramento das unidades transformadoras tradicionais, milhares de famílias foram arrastadas para o desemprego e para a emigração e na cidade abriam-se autênticas crateras onde imperavam os resíduos e as “sucatas”, totalmente abertas à ganância do imobiliário ou à agonia dos caídos.
     Era esse o destino previsível do “espaço Robinson” – sete hectares de terreno, no coração da cidade, é assim que se encontra o espaço anteriormente ocupado pelas fábricas de Lanifícios e pela Invicar e será assim que continuaremos a ver a cidade se não soubermos/quisermos encontrar caminhos para além da reindustrialização que se deseja mas que não se prevê possível no curto e médio prazo.
     Como já sucedeu várias vezes na história da cidade o futuro construir-se-á se conseguirmos unir-nos na valorização das nossas potencialidades.
       Esgotada a fase da Cidade das Industrias tradicionais importará consolidar a cultura industrial da cidade e das suas gentes para projectarmos uma nova cidade capaz de substituir a sua cultura industrial por uma indústria da cultura e do conhecimento.
    “Argumentos” não nos faltam. A cidade e o concelho são possuidores de potencialidades de desenvolvimento assente na utilização da sua arqueologia industrial, no riquíssimo património arquitectónico, na paisagem, nos saberes ancestrais das suas gentes e na capacidade das unidades de ensino aqui sediadas passarem para a cidade o conhecimento ali produzido.
   Importa transformar a sua arqueologia industrial em centros de fruição e de conhecimento, musealizando lugares e saberes, reabilitando espaços e edificado, ocupando-os e dando-lhes vida.
     O espaço onde funcionou até 2004 a Fabrica de Lanifícios que é agora um conjunto de edificações em ruínas e, face ao estado degradado das coberturas contendo amianto, uma ameaça para os portalegrenses, poderia ser transformado num centro de criação e formação dos têxteis, lanifícios e do vestuário e um ninho de acolhimentos a designers e criadores.
     O Espaço Robinson é outro exemplo de potencialidades que podem e devem alavancar o desenvolvimento da cidade.
    Aqui onde a secular Robinson ainda não foi totalmente desmantelada e foi constituída uma Fundação com a missão de salvaguardar o espólio industrial, preservar a memória da fábrica e garantir à cidade e às suas associações culturais a apropriação daqueles espaços, importa retomar o projecto original da Fundação e garantir-lhe os meios de financiamento necessário, abrindo-a a novos parceiros.
     No espaço Robinson dever-se-á instalar um centro nacional de conhecimento e de investigação sobre o montado, a produção, a transformação e novas utilizações da cortiça e avançar com os projectos iniciais da fundação de musealização da fábrica, de construir residências de jovens criadores e instalar ateliers de arte contemporânea.
     O facto de ser Portalegre uma das capitais mundiais da tapeçaria e residirem aqui as melhores tecedeiras do mundo[3], a existência do Museu da Tapeçaria - Guy Fino e da Manufactura das Tapeçarias de Portalegre colocam a cidade numa situação de privilégio na atractividade de um segmento de turistas com alto poder de compra e de apetências culturais que a região pode e deve preencher.
     Também a existência de inúmeros palácios e casas brasonadas, de igrejas e mosteiros, de museus - Museu Guy Fino, museu municipal, casa museu José Régio, museu de cristos e o seu funcionamento em rede, num casco histórico que importa reabilitar e divulgar, podem transformar a cidade branca[4] num museu a céu aberto e dar-lhe a atractividade necessária para a sua afirmação como capital cultural e turística da zona raiana onde se insere.
     A existência regular de eventos culturais de grande qualidade de que se destacam a feira da doçaria conventual e o JazzFest (este já na 13ª edição e que este ano mereceu ser premiado pela Entidade Regional de Turismo), são certificado de qualidade e instrumento de atractividade de públicos específicos e montra privilegiada da cidade e da região.
     O concelho profundamente rural onde Portalegre se insere, é detentor de um número impressionante de produtos classificados também eles fundamentais para o desenvolvimento da economia local. Para tanto, é fundamental dar-lhes a visibilidade necessária e dotar os artesãos que os fabricam das ferramentas necessárias à sua comercialização.
     Os estabelecimentos de ensino superior aqui sediados, sozinhos ou em parceria com os seus congéneres da euro-região onde nos inserimos e com as instituições representativas desses produtores são certamente, quem tem melhores condições para o conseguir.

Diogo Júlio Serra

 Publicado na Revista  alentejo nº 40
Junho/Novembro de 2016



[1] António Ventura em texto escrito para o sítio da Câmara Municipal de Portalegre
[2] Em 1835, quando foram criados os distritos como divisões administrativas
[3]Afirmação de  Jean Lurçart, renovador da Tapeçaria Francesa
[4] Designação dada à cidade de Portalegre