quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Quem nos defende?

Manif "secos e Molhados" foto de Ochôa-Expresso


Quem nos defende? Dos outros e de nós.*


Nos últimos dias a pacatez alentejana foi abalada por um conjunto de incidentes em que a violência empregue põe em causa a calmaria que gostamos de exibir.
Um grupo de cidadãos forçou a entrada no quartel dos bombeiros de Borba, perseguiu os bombeiros que ali pernoitam e destruiu equipamento.
No dia seguinte, em Elvas, um outro cidadão agrediu verbalmente e vandalizou uma viatura dos Bombeiros daquela cidade.
Em Campo Maior, dois alunos da escola local ambos com dezasseis anos, desentenderam-se e um deles agrediu com violência a sua colega que transportada para o hospital distrital teve que ser evacuada para um Hospital Central de Lisboa onde ainda se encontra numa situação que inspira cuidados.
Três incidentes, todos eles com alguma gravidade e que acabaram por “interessar” a comunicação social local e nacional e passaram a ter presença “obrigatória” nas redes sociais.
Em todos os casos as forças de segurança chamadas a intervir, fizeram-no com o zelo e a rapidez necessárias tendo os seus autores sido identificados e os respectivos processos remetidos às autoridades judiciais.
Tudo estaria então encerrado ou pelo menos correctamente encaminhado não fosse o caso de nos dois primeiros incidentes os alegados autores serem membros de minorias étnicas e o terceiro envolver filhos de emigrantes, a vitima, e ter acontecido numa escola.
Os locais e os envolvidos, mais que os actos de “banditismo e violência” despoletaram uma campanha de ódio, com manifestações de xenofobia, racismo e intolerância extrema.
Ao “julgamento” popular onde a “sentença” era a esperada condenação, sucederam-se as indicações de pena, cada uma delas mais violenta do que o “crime cometido”: prisão perpétua, esbulho dos rendimentos, expulsão do nosso (e deles) país, espancamento ou assassinato puro e duro… e, pasme-se, não apenas para os alegados culpados mas para toda a sua comunidade.
O discurso do ódio saiu dos baús onde alguns o têm guardado e invadiu as redes sociais e as nossas casas. Impôs-se nas conversas de café e de comadres e colocou na agenda política a “necessidade” de alimentar/reforçar os grupos políticos organizados que na clandestinidade ou já com assento parlamentar sonham com novas “Noites de Cristal” como a que ocorreu em Berlim a 9 de Novembro de 1938.
É óbvio que não pretendo branquear o que aconteceu em cada um dos três casos aqui tratados ou nos muitos outros casos que sem o conhecimento mediático vêm acontecendo diariamente em diversas localidades do nosso distrito. Pretendo tão só recordar que os três casos aqui trazidos e todos os outros que alimentam o discurso do ódio e da intolerância são problemas de “bandidagem” e portanto casos de polícia. Têm a ver com actividades criminosas de indivíduos e não dependem nem da cor da pele, nem da origem étnica nem do local onde nasceu quem as comete.
Tem a ver, fundamentalmente, com a incapacidade do Estado Português cumprir as suas obrigações e fazer cumprir as suas próprias leis e deve-se às políticas de desinvestimento em meios humanos e materiais em todo o sector público (saúde, ensino, justiça…) e, também, nas nossas forças de segurança.
E o problema maior é que continua a fingir que nada se passa enquanto alguns de nós continuamos a pactuar com estas políticas e mobilizamo-nos depois não para as combater mas para alimentar quem as possa perpectuar.
Resta-nos responder à questão com que titulámos este texto.
Quem nos defende?
A resposta é fácil: o Estado de Direito, a Democracia que construímos e de que devemos cuidar!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal Alto Alentejo de 20-11-2019