quarta-feira, 3 de novembro de 2021

É COM ABRIL QUE SE ESCREVE O FUTURO!

 

É COM ABRIL QUE SE ESCREVE O FUTURO!

 


No momento em que escrevo não está ainda claro quais vão ser os próximos passos no caminhar que o chumbo do Orçamento que o PS queria para o país, despoletou.

Não estão também minimamente clarificadas as vontades que levaram a esta situação nem, longe disso, o que move o Presidente da República neste mergulhar em frente e apostar na dissolução da Assembleia da República e em eleições intercalares.

O tempo é ainda o de tratar a acidez que se apoderou de muitos organismos e que não permite uma leitura desapaixonada do que se passou e do que se perspectiva.

Face à questão “ quem matou a geringonça?”, terminologia feliz usada pelo jornalista Pedro Tadeu num jornal dito de referência, serão poucos os que leram e reflectiram sobre o que este publicou e muitos, demasiados, os que “feridos no seu orgulho” ou amedrontados no seu futuro já acharam os responsáveis: os partidos à esquerda do PS, BE e PCP. Os mesmíssimos, particularmente o último, a quem se deve o nascimento e manutenção do que a direita apelidou pejorativamente de “GERINGONÇA”. 

Quando a poeira assentar. Quanto a todos for possível uma análise crítica ao que se passou nos corredores do poder e aos comportamentos do governo e de cada um dos partidos que foram aprovando ou deixando passar os vários Orçamentos de Estado desde 2015 serão muitos a constatar que, o ponto a que se chegou, no dizer de Pedro Tadeu, à morte da Geringonça, não nasceu de geração espontânea e muito menos ocorreu num episódio de morte súbita. Não, a morte foi sendo perpetrada por atentados vários que a feriram, exauriram e por fim a assassinaram.

Vejamos: são muitos os que no calor do momento gritaram a sua “angústia” por face a um OE que não respondia quer às necessidades de vários setores da sociedade, quer à vontade dos partidos “comprometidos” com uma solução à esquerda.

Como é possível gritaram que PCP, PEV e BE, votem com a direita para diziam, derrubar o governo?

Vamos a factos: os partidos à esquerda do PS votaram com a direita para o derrube do governo? Não. Não e Não!

Os partidos à esquerda do PS votaram contra o projecto de OE apresentado e no qual não viram aceites muitas das propostas formuladas e sobretudo não viam estar garantida a sua execução.

A (má) experiência anterior com compromissos não honrados, com cativações a travaram as propostas aprovadas e com sinais de inequívoca vontade de manter muitas das medidas de usurpação de direitos que as troikas impuseram e tornaram lei, não eram salvaguarda suficiente para que tal prática não persistisse.

Quem está a preparar-se (já o havia anunciado) para derrubar o governo é o Presidente da República, eleito recentemente com o apoio do primeiro-ministro e os votos de grande parte dos eleitores do Partido Socialista.

A segunda questão: os partidos à esquerda juntaram-se à direita nesta votação do OE e isso é, dizem eles, coisa nunca vista. Sem procurar identificar quais as razões que levaram a que cada deputado entendesse como mau, o Orçamento proposto. Valerá a pena um breve olhar sobre as dezenas de vezes que toda a direita, incluindo o PS, convergiu para impedir a aprovação de quaisquer medidas favoráveis aos trabalhadores, à melhoria do SNS, do Ensino e/ou das condições dos reformados.

Mas, e o governo e o seu primeiro-ministro queriam, como não se cansaram de dizer, ter orçamento aprovado? Para encontrarmos tal resposta remeto-vos de novo para o artigo que tenho vindo a citar e passando por cima dos muitos exemplos cronologicamente datados a partir de 2019, deixo-lhes apenas os exemplos mais próximos.

“Quando na discussão deste Orçamento do Estado o governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de vez, a geringonça.

Quando o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, mente na televisão ao dizer que o PCP exigiu, sem cedências, a subida do salário mínimo para 850 euros já em janeiro, quando na verdade aceitou 705 euros no início do ano e apenas 800 euros no final de 2022, fez de coveiro da então já falecida geringonça.”

Todavia, isto é já passado e o que importa para todos, cidadãos e instituições, é o futuro que soubermos construir. Esse futuro para os que o querem construído à esquerda, com políticas que coloquem na sua génese, a resposta aos problemas dos trabalhadores no activo e na reforma, a economia (e não os capitalistas e agiotas), a manutenção e não a destruição do nosso mundo, só poderá ser atingido se somarmos em vez de dividirmos, se garantirmos que a “soberba” de uns quantos não dinamite as estruturas e as vias que resistiram aos últimos acontecimentos.

Um futuro capaz de combater as políticas de ódio e manter fechados os armários onde durante décadas se acantonaram os derrotados em Abril só é possível se passarmos rapidamente do “passa culpas” à tentativa séria de perceber o que aconteceu e à vontade de não cometer os mesmos erros.

Porque nenhuma ilusão de hegemonia à esquerda, por mais legítima que o seja, deve impedir o necessário entendimento para mantermos Abril no nosso futuro.

Diogo Serra

(Editado no Jornal do Alto Alentejo)

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