quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Olhar com olhos de ver!

 

Olhar com olhos de ver!

 


Os “Olhares sobre o Norte Alentejano” levaram-me (e a dezenas de outros interessados) a Castelo de Vide. No Cine-teatro local, IDECI e os seus convidados, brindaram-nos com uma interessante conferência que, pela temática em análise e pela qualidade dos conferencistas deixou-nos mais conscientes dos nossos recursos enquanto região e população, das nossas fragilidades e desafios mas, igualmente, reforçou a esperança de que, ainda é possível.

Ali foi reafirmada a necessidade do território resolver ou minimizar a grave situação demográfica que nos afecta, a necessidade absoluta de atrairmos gente e sobretudo garantir condições de trabalho e de rendimentos que estimulem a fixação dos nossos jovens. Falou-se, e bem, da necessidade de garantir-lhes trabalho, rendimentos, segurança, tempos de convívio e de lazer, condições que permitam e estimulem a compatibilidade do trabalho e da vida familiar.

Na conferência houve até espaço, para um “departamento do governo central” nos tentar vender a bondade das políticas que todos encaramos como corresponsáveis pela situação que vivemos. A medida que nos veio vender já distribuiu milhares de euros e conseguiu trazer para o distrito de Portalegre desde 2020, através do seu programa regressar, 59 (cinquenta e nove) ex-emigrantes… 

Entretanto os grandes meios da comunicação social descobriram agora uma realidade sentida e denunciada desde há muito, pelos trabalhadores e as suas estruturas representativas: a precariedade no trabalho e os baixos salários são os principais factores que empurram os jovens trabalhadores para as grandes metrópoles e aceleram o despovoamento de cada vez maiores faixas do território nacional.

Como também em Castelo de Vide nos foi lembrado, o salário médio em Portugal é baixíssimo mas ainda assim, o salário médio no Alto Alentejo é significativa-mente inferior.

Aqui, como no todo nacional, aos baixos salários junta-se a enorme precariedade que se abate sobre quem trabalha mas, especialmente sobre os jovens trabalhadores.

 Portugal é um dos países da União Europeia com mais trabalhadores com vínculos precários. O terceiro no Pódio diz-nos agora o Eurostat e, sabemo-lo nós, no último ano, 80% dos contratos de trabalho celebrados foram contratos a termo e/ou com outros graves factores de precariedade.

No primeiro trimestre deste ano,17,2% dos contratos de trabalho por conta de outrém eram precários. E, isto a comunicação social não nos traz, Portugal é também dos que mais beneficia o capital e prejudica salários com impostos.

Pois bem, detectadas as razões que mais influenciam a nossa situação demográfica seria fácil, penso eu, eliminá-las ou minimizá-las e iniciarmos a inversão do caminho que temos vindo a percorrer.

Fácil? Sim e não!

Fácil se existisse vontade politica alicerçada numa estratégia de desenvolvimento harmonioso e sustentável para o país, que valorizasse as regiões mais debilitadas pela visão centralista e de pilhagem dos recursos e da esperança das populações mais afastadas dos centros de decisão.

Não porque se mantém no poder a mesma vontade de viver e nos impor, não a democracia/liberdade cantada por Sérgio Godinho e sonhada por milhões de portugueses mas a democracia/liberdade de que Mário Soares foi “pai”.

Já agora, importa recordar que foi o Primeiro Governo Constitucional que criou a possibilidade legal de precarizar o trabalho. É desse governo, liderado por Mário Soares, a “imposição” do decreto/lei 781/76 que recuperava uma medida do fascismo e permitia a contratação a prazo.

Disseram-nos que era uma medida temporária mas hoje, sabemo-lo dolorosamente, foi a abertura de uma porta que nunca mais se fechou…

 

Diogo Júlio Serra

domingo, 10 de setembro de 2023

 REALIDADE VERSUS FICÇÃO


     Terminadas as férias, para aqueles que as puderam ter, voltemos ao trabalho. Um
regresso que a classe política e a comunicação social gostam de apelidar de “
REENTRÉ”.
     É um regresso à realidade que uns observam à distância e outros teimam em
ignorar.
     Para os trabalhadores por conta de outrem, para os desempregados, os
reformados e pensionistas e também para o pequeno comércio tradicional não se trata de
qualquer regresso ou “reentré”, uma vez que, nunca saíram (nunca lhes permitiram sair)
dos problemas com que estão desde há muito confrontados. Problemas agora
brutalmente agravados pela perspectiva de desaceleração do crescimento (2,4% em
2023 e ainda mais em 2024), situação que não pode ser desligada da guerra na Ucrânia e
das sanções à Rússia, mas também das políticas das contas certas, do “aluno bem
comportado” que o governo teima em assumir à custa do crescimento económico, da
compressão do investimento público, da degradação da qualidade dos serviços públicos
e da desvalorização dos seus trabalhadores.
     Os resultados já não podem ser escondidos. De acordo com os dados divulgados
pelo INE da evolução do emprego e desemprego no 2º trimestre destaca-se o aumento
do desemprego, o forte aumento da precariedade e a continuação da perda de poder de
compra dos salários.
     O desemprego regista uma descida trimestral de carácter sazonal, mas cresce
perto de 9% em relação ao trimestre homólogo, com mais 25,7 mil desempregados, num
total de 324,5 mil.
     A taxa de desemprego tem a mesma evolução, sendo agora de 6,1%, tendo
subido também entre os jovens menores de 25 anos para 17,2%, uma das mais elevadas
da União Europeia.
     Acrescem os trabalhadores sub-empregados a tempo parcial, os inactivos
disponíveis e indisponíveis, num total de 300 mil. Em conjunto, a subutilização da força
de trabalho abrange 625,3 mil trabalhadores representando 11,5% da população activa e
também tendo aumentado face ao 2º trimestre de 2022.
     Perto de dois terços do número real de desempregados não tem qualquer
prestação de desemprego ou, quando tem, o valor médio fica-se pelos 575 euros, e com
metade dos desempregados a receber até 500, abaixo do limiar de pobreza.
     O crescimento do emprego registado este trimestre foi conseguido à custa de um
forte aumento da precariedade, que representa 80% desse aumento.
     No espaço de um ano o número de trabalhadores com vínculos precários
aumentou em 88 milhares (+13%), verificando-se também um aumento face ao
trimestre anterior. De acordo com estes dados, há 756 mil trabalhadores com vínculos
de trabalho precários, correspondendo a 17,8% do total, mas entre os trabalhadores com
menores de 25 anos chega aos 57%.
     Outro aspecto preocupante é a destruição de emprego entre os trabalhadores
licenciados que, no espaço de um ano reduzem-se em 128 milhares.
     Os salários continuam a perder poder de compra. O rendimento salarial médio
mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem foi de 1.044 euros no 2º trimestre,
tendo crescido 0,5% em termos nominais, mas descido 3,7% em termos reais.
     Os números mostram que para os que estão agora de “Reentré” é preciso arrepiar
caminho. Para os outros, para os que não reentram porque nunca saíram o caminho,
como bem sabem, é a luta. Luta em que não é necessário reentrar porque, tal qual os
problemas, nunca se saiu dela.
     É preciso responder aos problemas que persistem e que causam a degradação das
condições de vida de quem trabalha. É preciso romper com o modelo de precariedade e
baixos salários vigente no nosso país e valorizar o trabalho e os trabalhadores.
     Sim, é necessário e é possível. Assim o queiramos!

Diogo Serra