quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

A política é...tramada




A política é, por vezes, tão igual ao amor … com que Miguel Esteves Cardoso titulou um livro seu!

A partir de 1975 os portugueses reassumiram o seu direito de votar e as portuguesas conquistaram esse direito que mesmo na Primeira Republica lhes fora sonegado.
Desde então o direito/dever de votar instalou-se na nossa sociedade e vem sendo exercido por um número maior ou menor de cidadãos eleitores, consoante a proximidade dos órgãos a eleger e o maior ou menor confronto politico/partidário que a disputa suscita. Todavia cada acto eleitoral agita e desperta os territórios e as gentes.
A vida ensinou-nos que é a eleição dos autarcas a que mais mobiliza o eleitorado. E porque as próximas eleições autárquicas estão já à distância de poucos meses começamos a ser confrontados com toda uma panóplia de nomes (uns a corresponderem aos candidatos em presença, outros para testarem possibilidades e outros ainda para queimarem possíveis adversários), com a presença insistente das máquinas partidárias e também, com a já “normal” cosmética para embelezar nomes, projectos, e territórios.
Portalegre não fica imune a tudo isto. Os “políticos de café”, os “opinadores encartados” e os staffs partidários já há muito estão no terreno para, à boa maneira “lagóia” apregoarem as virtudes dos que vierem de fora e apontarem os “defeitos” dos da casa que, regra geral, serão sempre piores do que os importados.
Não é só na política. É assim, também, quando nos encontramos fora de portas a comprar (tantas vezes por preço mais alto) a mesmíssima coisa que poderíamos adquirir na nossa cidade ou mesmo, em cada domingo de verão, quando nos encontramos nas esplanadas dos concelhos vizinhos a apontar defeitos às que, na nossa cidade, deixámos ao abandono e, tantas vezes, impossibilitadas por falta de gente de se manterem em funcionamento.
Mas voltemos às eleições e aos nomes que alguns nos querem “vender” para mostrar aos de cá, como se fazem as coisas.
Uns, porque não podem, por força de lei, recandidar-se nos seus concelhos outros porque o seu Ego já não cabe naquelas fronteiras apresentam-se-nos agora como os “Salvadores” do Portus Alacer, de tal modo perfeitos que colocaram já fora da corrida todos e todas que nas respectivas áreas políticas aqui se mantiveram na luta politica e social para não deixarem morrer a cidade e o concelho.
Nem todas as forças políticas, espero, seguirão este caminho. Partidos Políticos, Coligações Partidárias e Grupos de Cidadãos continuarão a permitir-nos escolher de entre nós, portalegrenses por nascimento ou opção, quem possa garantir-nos uma governação autárquica com políticas que reponham a cidade e o concelho no caminho que compete a uma cidade Capital de Distrito que já ostentou o título de Cidade Industrial do Alentejo e que não merece ser destratada como o tem sido por sucessivos elencos municipais.
Se assim não for, não serão apenas os que se reveem nas áreas políticas que já manifestaram esta atração pelo “de fora”, os que não deixarão de identificar a politica com a mesma definição que Miguel Esteves Cardoso encontrou para o amor.

Diogo Júlio Serra
Publicado no Jornal Fonte Nova de 21-02-2017

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

ARRONCHES – 40 anos de Poder Autárquico.

     Cumprimos em Dezembro de 2016, quarenta anos das primeiras eleições autárquicas do pós 25 de Abril.
     A 12 de Dezembro de 1976 os municípios de todo o país elegeram por voto directo e secreto, os homens e mulheres que haviam de concretizar uma verdadeira “revolução” no que respeita à qualidade de vida das populações.
     Assim foi, também entre nós.
    Em Arronches os resultados eleitorais confirmaram a tendência já verificada nas eleições para a         Assembleia Constituinte e deram a maioria dos votos à candidatura do Partido Socialista, confirmando como segunda força a FEPU – coligação do PCP com o MDP/CDE e independentes e em terceiro e último lugar a direita, então representada pelo CDS.
   O primeiro executivo municipal democrático seria constituído pelo Presidente Miguel Lagarto e pelos vereadores Gil Romão, António Branco Pereira Marouço, José Henrique Gouxo Marouço e Joaquim Carvão Patacas.
  Estava terminado o período difícil mas exaltante de gestão das Comissões Administrativas constituídas pela vontade expressa dos cidadãos e que substituíram os executivos municipais do período fascista.
   As primeiras eleições democráticas para os órgãos municipais e o reconhecimento dos primeiros eleitos ficará gravado na nossa memória, quer pelo simbolismo do acto, quer pelo trabalho realizado e cujos resultados ainda hoje vivenciamos.
   Mais “escondidos” e por isso mesmo a necessitarem de ser recordados, o período e os actores que antecederam a instalação do Poder Local Democrático e a eleição dos seus órgãos.
  Trata-se de recordar e homenagear as Comissões Administrativas eleitas em plenários populares pelo conjunto dos seus concidadãos e ratificadas pelo Movimento das Forças Armadas e que imediatamente a seguir ao 25 de Abril procederam à substituição dos executivos demitidos e iniciaram um trabalho hercúleo para dotarem os seus concelhos com as infraestruturas absolutamente necessárias e que ao longo de décadas não haviam sido concretizadas.
 Em Arronches, logo a 28 de Abril um conjunto de cidadãos reúnem no Centro Republicano Arronchense e elegem uma comissão para se avistar com os representantes do MFA e disponibilizar-se para assumir os destinos do concelho.
Integram essa comissão de cidadãos alguns dos históricos oposicionistas ao “Estado Novo”:
António Ribeiro Ponte, médico; António Branco Marouço, Industrial; João Ponte Romão, agricultor.
No mês seguinte, convocado pelo MDP/CDE, realiza-se um grande plenário na Casa do Povo e ali é eleita a Comissão Administrativa que assumirá a gestão do Município até às primeiras eleições em 1976.
    A Comissão eleita foi assim constituída:
  Domingos do Carmo Pires Pereira, professor; António Branco Marouço, industrial; Francisco Pereira Balbino, funcionário corporativo; José Henrique Gouxo Marouço, comerciante.
  O professor Domingos Pereira, o cidadão mais votado, assumiu a Presidência da Comissão Administrativa tendo, semanas depois, abdicado a favor de António Branco Marouço que acabaria por ser ele a dirigir o município até à tomada de posse do primeiro Presidente Eleito em eleições livres, o Presidente Miguel Lagarto.
   Sem dinheiro, sem quadros, sem equipamentos, deitaram mãos à obra e começaram a resposta aos principais problemas do concelho: a captação e transporte da água desde a Torrinha até à sede do concelho -  a vala aberta com trabalho braçal procurava dar resposta a dois problemas: a falta de água e o desemprego existente; o arranjo das ruas (alcatroando) todas as que mantinham as pedras irregulares, iniciando a eletrificação de todo o concelho, etc…
   De todos os protagonistas dessas batalhas só um se mantém entre nós: Francisco Pereira Balbino. É na pessoa deste nosso concidadão que presto a minha homenagem a quantos, antes e depois de Abril, elegeram a coisa pública como preocupação e a ela dedicaram toda uma vida.

Diogo Júlio Serra
Vereador Municipal entre 1983 e 1994

Publicado no Jornal Noticias de Arronches nº 169 Janeiro de 2017

“Santas” Eleições
     Chegámos a 2017. Uns melhor que outros mas chegámos. Vamos agora ter acesso às promessas de  leite e mel que nos estão guardadas  em cada eleição.
     O governo central , tão ou mais centralista do que cada um que o antecedeu, iniciou já o necessário posicionamento na grelha de partida, de forma a poder atingir um dos objectivos partidários do PS: conseguir mais câmaras que quaisquer outros e, assim, garantir a Presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
     Porque não se pode perder tempo, aí está o agitar de bandeiras queridas de qualquer autarca, as promessas  nunca cumpridas e o avançar de propostas legislativas cujo conteúdo e objectivos divergem significativamente das intenções publicitadas.
     É enquadrada nesta estratégia que o governo central avançou com dois projectos legislativos visando, diz, reforçar as competências das autarquias locais e incrementar a legitimização das CCDRs através da eleição do respectivo órgão executivo.
     Quaisquer destes projectos deverá merecer uma atenção cuidada de todos e todas e em particular dos nossos autarcas uma vez que a serem concretizados alterariam radicalmente o Poder Local Democrático construído no Portugal pós Abril.
     Uma leitura atenta permite constatar que o conteúdo diverge radicalmente dos propósitos anunciados e o que de facto se pretende é descentralizar os problemas e centralizar a decisão.
     O projecto de decreto-lei dito para legitimização das CCDRs garante a eleição do Presidente por um colégio eleitoral, o que é correcto, mas depois de eleito transforma-o no executor das politicas que ele, governo central, define.
     Já a proposta de lei que se apresenta como instrumento de reforço da autonomia local aponta para a descentralização de competências da administração directa e indirecta do Estado para as autarquias locais colocando-lhe “às costas” mais obrigações sem as dotar dos meios financeiros e humanos necessários. A proposta de lei aponta, por exemplo, que sejam os municípios a assumir as competências até agora atribuídas à ASAE sabendo que os municípios, na sua maioria, nunca terão condições para assumirem funções de defesa económica, de saúde pública e de polícia.
     Os profissionais da modulação de opinião não deixarão de agitar os “montes de notas” que virão para os municípios mas todos nós sabemos o que resultou para as autarquias da atribuição das competências que já têm: aumento de encargos e diminuição de receitas.
     Colocadas estas questões importa olhar para estas propostas a partir de Aquém Tejo, território e gentes que não deixam de exigir o cumprimento do Poder Local que a Constituição consagra e em particular a criação do pilar que falta: as regiões administrativas.
     Visto deste ângulo,  a leitura do Projecto de decreto-lei que aponta para a eleição dos dirigentes da CCDR por um colégio eleitoral constituído pelos autarcas, merecerá o nosso aplauso  mas não nos ilude quanto ao fundamental e o fundamental é continuarmos a ter um órgão de poder  na região que  não integra o Poder Local mas sim o Poder Central. Um órgão que vai concentrar mais competências e poder ao que já hoje detém.
     É pois com o olhar e a ambição de alentejanos que importa continuar o trabalho de esclarecimento, de convencimento, de afirmação de que o Alentejo pode e deve construir um caminho legal e constitucional que nos permita “antecipar” e mostrar as vantagens, da Região Alentejo.
     O caminho que foi consolidado no Congresso que realizamos em Tróia, em Abril do passado ano, e que apontou para a necessidade de construirmos a Comunidade Regional do Alentejo.
     Não é um caminho fácil mas não é de facilidades que estamos habituados.
     Agora é acelerarmos o trabalho de recolha das assinaturas necessárias ao Projecto de Lei de Iniciativa Popular.
     Este é o caminho que propomos a todos e a cada um e uma que AMALENTEJO!


Diogo Júlio Serra
publicado no Jornal Alto Alentejo nº511 de 8/2/2017

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

O XICO DEIXOU-NOS!



MORREU O “NOSSO” PALMEIRO!*

Acabara de me acomodar frente ao televisor para assistir ao jogo do meu Benfica quando fui surpreendido pelo minuto de silêncio.
A justificação veio de seguida. Falecera um dos nossos. Um futebolista que iniciara a caminhada para a conquista da Europa (do futebol). Morreu o Palmeiro!
Nunca o vi jogar com a camisola do seu (e meu) clube de coração.
A única vez que o vi em ação, a jogar e a marcar, foi em Arronches no velhinho campo do Rossio, num amigável entre o Atlético Clube de Portugal, para onde se transferira, e o Sporting Club Campomaiorense.
Foi um dia em que Arronches se encheu de gente e de cor para ver o “filho da terra” que muito correra naquele campo pelado envergando o mesmo equipamento azul, amarelo e branco do Atlético, mas então do Atlético Clube de Arronches, clube de onde partira para brilhar no Elvas e no Desportivo Portalegrense, numa viajem que o levaria ao Benfica e à Seleção Nacional.
O “Xico” Feiteira, filho do eletricista que era também o dono e condutor do único táxi então existente na vila, fintara o destino e tornara-se num ídolo dos arronchenses, dos benfiquistas e dos portugueses: primeiro futebolista a marcar no então novo Estádio da Luz, primeiro benfiquista a marcar na taça dos campeões europeus, integrante da equipa das quinas que pela primeira vez venceu “os espanhóis” e o marcador dos três golos com que garantimos tal feito.
Na vila haviam ficado os familiares a “tocarem” os negócios familiares. O pai, que não aprovou a ideia do filho deixar o táxi para ir jogar futebol, continuou a conduzir o único táxi de Arronches num tempo em que os automóveis eram praticamente inexistentes no concelho. O irmão Luís a dar continuidade à “arte” de eletricista e o irmão Emiliano que viria também ele a “fintar” o destino e a fazer carreira como técnico autárquico, que enquanto esteve em Arronches muito contribuiria para abrir horizontes aos jovens do concelho, através do ensino e da cultura, em particular do teatro.
Mas voltemos ao “Xico” esse menino nascido em 1932, a 16 de Outubro e de seu nome completo Francisco Luís Palmeiro Rodrigues e que iria imortalizar-se como Palmeiro, médio direito, internacional A, que ao serviço do “seu” Benfica haveria de conquistar três campeonatos Nacionais e  três Taças de Portugal.
Como já referi, nunca o vi jogar de vermelho vestido fosse pelo seu Benfica ou pela Seleção, mas como todos os miúdos de Arronches, segui o seu trajeto através das crónicas impressas no Jornal a Bola e ouvindo religiosamente cada relato domingueiro, na “radiotelefonia” que o Sport Lisboa Arronches – a Maravilha- colocava, som no máximo, ao serviço dos seus associados.
O menino que começara no Atlético de Arronches com apenas 13 anos não era apenas o ídolo da criançada. Era o “ herói “ de todos os Arronchenses: até do pai que tudo fizera para que ele não se profissionalizasse no futebol.
Recordo com infinita ternura a solenidade com que a minha avó materna abria a gaveta da cómoda e debaixo da roupa impecavelmente passada, retirava com cuidados extremos o livrinho editado pelo Jornal a Bola tendo na capa a foto do Palmeiro e que contava a vida do “nosso” herói.
Esta adoração tinha retorno. O nosso Palmeiro nunca deixou de ser nosso. Nas escapadelas que fazia sempre que o futebol lho permitia, o afirmar-se, sempre, como alentejano de Arronches. Já depois de retirado das lides futebolísticas manteve o contacto regular com a sua terra e as suas gentes onde mantinha casa, amigos e adoradores.
Homem de grande frontalidade não escondeu quanto ficou magoado com a forma como a autarquia geriu o processo de o homenagear quando da atribuição do seu nome ao Estádio Municipal mas com a mesma verticalidade logo esqueceu e aceitou a justa reparação e acabaria por doar grande parte do espólio que hoje podemos admirar no estádio com o seu nome.

Diogo Júlio Serra
*publicado no Jornal Fonte Nova de 1/2/2017
a foto é da autoria de Emílio Moitas