sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

O Luto, a Luta e a Esperança!

O Luto, a Luta e a Esperança! (*)



     O 25 de Novembro deste ano não me trouxe apenas luto.
     Este ano e a par das comemorações do 25º aniversário do Instituto Politécnico de Portalegre, recebemos em Portalegre o IV Fórum do Interior e, com estes dois acontecimentos a presença da Coordenadora da Unidade de Missão e de Valorização do Interior.
     Ter a possibilidade de, em Portalegre, pensar e debater estratégias de desenvolvimento para o interior é só por si uma novidade merecedora de aplauso, tanto maior se tal “novidade” trouxer consigo a vontade de olhar de forma diferente o interior e os problemas que se nos colocam e se refletem no todo nacional.
     Como todos sabemos, e os portalegrenses melhor que ninguém, Portugal é hoje um país profundamente desequilibrado territorialmente, e nunca como hoje, as desigualdades entre a estreita franja do litoral e todo o resto do território nacional foram tão acentuadas.
     As dificuldades decorrentes da interioridade deixaram de ser exclusivos dos distritos do interior, para chegarem a praticamente todos os municípios que não pertencem à orla costeira, mesmo que pertençam a distritos do litoral.
     Após mais de 25 anos e 74 mil milhões de euros de Quadros Comunitários de Apoio, a coesão territorial não é mais do que uma miragem. Não só se mantém as enormes desigualdades como serão ampliadas, face à tendência de crescimento da concentração em alguns poucos concelhos do litoral, da população, do emprego, do tecido produtivo e da criação de riqueza.
     Por outro lado os últimos quatro anos, de profunda depressão económica e social, vieram agravar os problemas crónicos com que a maior parte das regiões do país já se deparavam e que no norte alentejano eram e são particularmente gravosas: mais baixos salários e menor poder de compra, reduzidos níveis de emprego e pouco qualificado, elevado desemprego, dificuldades no acesso aos serviços públicos, a cuidados de saúde e à rede de escola pública, difíceis acessibilidades, envelhecimento da população, êxodo das camadas mais jovens quer para as grandes cidades do litoral, quer para o estrangeiro, crescente desertificação.
     Os municípios de regiões como a nossa têm não só uma menor capacidade de arrecadar receita própria, mas sofrem também de forma mais dolorosa os impactes das políticas traçadas para acelerar o empobrecimento das pessoas e dos territórios, o que também influencia a qualidade de vida dos munícipes, a decisão sobre onde residir e a capacidade de atracão de outros, pessoas e investimentos.
     A resposta a estes problemas requer uma estratégia integrada e alargada – procurando responder às dificuldades nos planos económico e social –, ao mesmo tempo que atende às especificidades concretas de cada região. Têm de ser envolvidos todos os órgãos do poder central e local, e consideradas a análise e as propostas dos actores locais.
     Uma estratégia de real combate às desigualdades territoriais não pode, porém, estar desligada de uma mudança profunda de políticas, no sentido de atrair e consolidar investimento produtivo, de promover mais emprego e emprego de qualidade, de aumentar salários e pensões, de reforço das funções sociais do Estado e de realização de investimentos públicos necessários ao país, não só em infra-estruturas de transportes e mobilidade, mas também de reabilitação e valorização urbanas, e de melhoria da resposta dos serviços públicos (nomeadamente nos sectores da saúde e da educação).
     É ainda fundamental, a meu ver, que se retome a discussão em torno da Regionalização e, no caso concreto do Alentejo se possam encontrar formas intermédias entre as condições políticas existentes e as necessidades efectivas e a vontade expressa pelos alentejanos.

Diogo Júlio Serra


(*) publicado no Jornal Fonte Nova de 6/12/16

sábado, 3 de dezembro de 2016

Vê(s) moinhos, são moinhos!

Vê(s) moinhos, são moinhos
Vê(s) gigantes, são gigantes!

A morte de Fidel Castro, ocorrida 60 anos depois do dia em que com outros 81 valentes saiu do porto mexicano de Tuxpan, com o objetivo de derrubarem o ditador Fulgêncio Baptista, desencadeou, como era expectável, uma onda de comentários sobre El Comandante, mais favoráveis ou mais críticos, conforme o posicionamento politico-ideológico ou o conhecimento de quem os formulava.

Para uns, onde eu me incluo, partiu o símbolo último do romantismo revolucionário e sobretudo o dirigente que assumiu a hercúlea tarefa de garantir a um pequeno país conquistar e manter a sua independência e ter conseguido enfrentar e vencer o poderoso vizinho do norte.

Para outros, prisioneiros do seu posicionamento politico-ideológico ou incapazes de se demarcarem dos que os media do sistema lhes servem, alguém que manteve um poder não legitimado por eleições ditas livres, que impunha ao seu povo uma pobreza confrangedora, que prendia os seus opositores, etc…etc…

Depois nas franjas os que o endeusavam e recusavam aceitar que não teria só virtudes e do lado oposto a “brigada fascista” que repetindo os argumentos fabricados no Estados Unidos e repetidos até à exaustão na “little cuba” inventam, fantasiam e mentem tendo como objetivo supremo branquear o fascismo e exaltar o seu supremo marco em Portugal, um tal António de Santa Comba Dão. Estes, de facto, não contam.

É entre os que veem diferente porque estão em posições diferentes mas querem com seriedade ver “ a verdade” que vale a pena “conversarmos”.

Nos últimos dias, pessoalmente ou através das redes sociais, tenho trocado argumentos com alguns dos meus amigos: amigos de verdade não das redes sociais. Procurei retirá-los das trincheiras para onde o preconceito ideológico ou tão só a propaganda do sistema capitalista que nos tolhe, os tem empurrado.

Falam-me que em Cuba não existem muitos dos bem de consumo que “temos” no Ocidente e é verdade, mas esquecem os cinquenta anos de bloqueio imposto pelos Estados Unidos de forma ilegal e condenada pela maioria dos países.

Contam-me que Fidel, e agora Raul, são Chefes de Estado sem serem eleitos pelo voto direto dos seus concidadãos, esquecendo ou fingindo não saberem que o Chefe de Estado Cubano, como o Chefe de Estado dos Estados Unidos e muitos outros, é eleito não por sufrágio direto mas por um colégio eleitoral. Esquecem inclusivamente que aqui ao lado os últimos três Chefes de Estado chegaram ao poder não por voto (direto ou indireto) mas pela vontade de “alguém”: o primeiro pela Gracia de Deus, o segundo pela Gracia de Franco e o terceiro e atual, pela Gracia do pai.

Persistem em elencar carências enquanto escamoteiam (porque não desconhecem) que Cuba consegue hoje, e apesar do bloqueio, ser reconhecida pelos seus enormes êxitos:
a)      Único país da América Latina sem desnutrição infantil; (UNICEF)
b)      Único país Latino-americano sem problemas com drogas; (ONU)
c)      Taxa de Escolarização:
Primária – 100%
Secundária – 99,7%
(UNESCO)
d)     É o país latino que menos viola os direitos humanos; (Amnistia Internacional)
e)      É o único país do mundo com desenvolvimento sustentável; (WWF)
f)       Tem um sistema de saúde melhor que o dos países mais ricos/”desenvolvidos do Mundo”.

Por fim, esgotados os argumentos restam os factos e, contra factos não há argumentos. Afinal há sempre mais um. Pois, conseguiram tudo isso, mas a que preço. Não são livres…

E dizem-no assim, como se eles/nós o fossemos.

Livres como nós? Bem, de facto, alguns de nós (poucos) têm tudo. Os outros (a maioria) têm tudo menos a possibilidade de o adquirir.


Diogo Serra

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Não gostam? Temos Pena!


NÂO GOSTAM? TEMOS PENA!
Numa acção bem orquestrada os diversos “opinadores” da direita politica e dos negócios afadigam-se em fazer-nos acreditar que os trabalhadores e os seus sindicatos estão rendidos ao que apelidam de “geringonça” e, por isso, acabaram as greves e outras acções de luta!
Fazem-no, não para valorar as políticas de travagem do esbulho e roubo aos trabalhadores e ao país mas para nos “venderem a ideia de que os sindicatos são feudos dos partidos de esquerda, particularmente o PCP, e são estes quem define a agenda política dos sindicatos e dos trabalhadores.
A seu reboque, por deliberada intenção ou por falta de cuidado, são vários os meios de comunicação e jornalistas que publicam estas estórias como se de verdades se tratassem.
A nossa região não fica de fora dessa cabala e, nos órgãos de informação ou nas redes sociais são vários os jornalistas que embarcam nessa “cantiga”.
Todavia, trata-se de uma posição não apenas mentirosa mas de um cinismo sem vergonha.
É mentirosa, como bem sabem os “opinadores” e os seus mandantes, porque o movimento sindical de classe nunca foi nem é “pau-mandado” de ninguém. É mentirosa porque como, os mesmos, bem sabem, nos últimos tempos foi necessário dar continuidade à luta para garantir e conquistar direitos.
Por todo o país, e também no nosso distrito, os trabalhadores reconhecem e saúdam que o governo saído da vontade expressa nas urnas e corporizada na Assembleia da Republica, tem vindo a travar e inverter as políticas de empobrecimento e roubo definidas e aplicadas pelas diferentes troicas.  
Todavia nunca deixaram de afirmar que é necessário ir mais longe na reposição de salários e de direitos e no desmantelar das negociatas e das intenções com que o governo PPD/CDS colocou nas mãos do capital empresas e sectores importantes para a recuperação económica do país e preparava o desmantelamento de serviços públicos fundamentais para darmos corpo à democracia que conquistámos.
Não se ficaram pela retórica. No país e no distrito os trabalhadores têm estado empenhados em vastas e importantes lutas. Os trabalhadores não deixaram de lutar, também no nosso distrito, mesmo quando os órgãos de informação não veem, não ouvem, não publicam!
Só nos dois últimos meses estiveram em luta, cumprindo greves ou vindo à rua, os trabalhadores dos refeitórios e bares nos hospitais Distritais de Portalegre e Elvas (greve), os enfermeiros (greve), os professores (ações em tribunal ), os dirigentes a ativistas da USNA em defesa do transporte ferroviário, (manifestações na estação da CP em Portalegre) e estão convocadas greves dos trabalhadores da Valnorte , dia 31, dos trabalhadores da EUREST nos Hospitais de Portalegre e Elvas, dia 1 de Novembro e, dia  18 de Novembro, Manifestação Nacional da Função Publica.

Mas estas posições são igualmente dum enorme cinismo porque partem dos sectores que até há pouco acusavam os sindicatos de procurarem destruir o país com as suas lutas, apelidavam de não patriotas cada um e cada uma que usava reclamar os seus direitos, acusavam a  FENPROF de mandar no Ministério da Educação e juravam serem impossíveis quaisquer politicas que divergissem das que impunham o esbulho aos trabalhadores e ao país.
Infelizmente para eles (escrevinhadores e particularmente os seus mandantes) a verdade é bem diferente dos sonhos que teimam em manter: são os trabalhadores e o seu movimento sindical quem define a sua agenda politica: as exigências e reivindicações, os aplausos e as críticas e, as formas como estas revestirão.
Não gostam? Temos pena!


Diogo Júlio Serra

sábado, 12 de novembro de 2016

Pão e Circo?







Na Roma Imperial calavam-se as bocas com pão e circo.
Em Portugal, no século XXI, basta o circo!

“O pão que sobra à riqueza
Distribuído pela razão                                          
Matava a pobre à pobreza
e ainda sobrava pão!”
(António Aleixo)

O país, a nossa cidade também, viveu mais um dia que os “ricos” decidiram dedicar à erradicação da pobreza.Um pouco por todo o lado foi visível a azáfama com que pessoas e instituições pretendiam assinalar a data.

Na nossa cidade foi possível ver com gente dentro, algumas das ruas que já foram movimentadas mas que agora são espelho da agonia que também a cidade vive.

Ruas e praças enfeitadas com corações e bandeiras, discursos e passeios coletivos centraram a atenção dos transeuntes e dos muitos, crianças, jovens, idosos institucionalizados ou altamente fragilizados que voluntariamente ou por indicação de quem “manda” estiveram, naquele dia, na rua.

Todos e todas, personalidades e instituições aproveitaram a data para repudiarem a situação de pobreza que se abate sobre um número crescente de famílias em Portalegre, no País e no mundo e para reafirmarem o seu empenho em combater tais situações.

Todos estavam sinceramente empenhados em tão nobre objectivo?

De entre os que discursaram (Presidente da Câmara, Presidente da Rede Anti pobreza, Diretor Distrital da Segurança Social) todos trabalhadores por conta de outrem, quais percebem “de verdade” o que é a pobreza de que falam?

Têm a noção do que é (sobre) viver com uma pensão de 245 euros, com o RSI (80 euros/mês), com o salário mínimo Nacional (485 euros mês) tantas vezes repartido por todo o agregado familiar?

Têm a noção do que é o estigma do estar desempregado e estar diariamente submetido à invisibilidade e/ou à humilhação?
Têm a noção da violência que sofrem os milhares de trabalhadores que também aqui sobrevivem com o salário mínimo ou veem em cada ano o seu salário contratual ser absorvido pelo salário mínimo?

Estão disponíveis para apoiar as justas reivindicações de quem trabalha no sentido de ser garantida a contratação coletiva e cumprida a decisão (antiga) de passar para 600 euros o Salário Mínimo Nacional?

Conseguem dormir sabendo que nas instituições que dirigem os trabalhadores auferem um salário que em média não ultrapassa os 500 euros (caso das IPSS) e muitos deles são desempregados “obrigados a trabalhar” pelo subsídio de desemprego mais umas moedas e o almoço? ou, no caso dos funcionários  públicos, terão este ano, de novo, um salário inferior ao que receberam em 2010?


Será que todos queremos mesmo erradicar a pobreza? Ou para alguns ela deve ser mantida e aumentada por ser ela (a pobreza) a garantir a continuação do seu Bem – estar?

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Dez anos. Uma fração ou uma eternidade?*






Dez anos. Uma fração ou uma eternidade?*

     Dez anos é muito tempo? Sim e não!
   Sim, se estivermos a falar da idade de espécies cuja esperança de vida é muito curta. Não, se estivermos a falar do ser humano e da sua história.
   E, se estivermos a falar de organizações e em particular de órgãos de comunicação? Igualmente, Sim e Não.
   Se estivermos a falar de Comunicação Social de âmbito nacional, ou de âmbito regional e local mas situadas nos grandes centros populacionais ou, como é o caso, se nos referimos a um jornal local que nasceu, cresceu e vive no concelho de Portalegre, dez anos medem “tempos” diferentes. No primeiro caso diremos que só agora está a atingir a velocidade de cruzeiro enquanto no segundo, sabemos que já merece ver “medalhado” o esforço desenvolvido para chegar à década.
   Viver em Portalegre, pessoas e organizações, é sempre um ato de resistência. São a baixa densidade populacional, o pouco hábito de ler e sobretudo comprar, o peso quase residual da atividade empresarial a postura recuada dos vários poderes, públicos e privados, que aqui se exercem.
   Pois bem, quando com tudo isto, apesar de tudo isto, um jornal teima em manter-se de pé e atuante, assumindo-se “também” como projeto empresarial mas não abdicando do seu estatuto editorial.            Quando assume que deve ser voz dos que menos se conseguem fazer ouvir e em primeiro lugar da cidade e da região e opta por dar voz a todas as verdades existentes no território (com os custos que a “independência” sempre implica) então, uma década é sempre muito mais que o somatório dos 10 anos que medeiam entre o primeiro número e os dias de hoje.
   Poderemos então classificar o Jornal do Alto Alentejo, porque é dele que temos vindo a falar, como coisa velha apesar dos seus apenas 10 anos? E se estivesse sediado num grande centro no Litoral, seria a criança que a década pressupõe? Claro que não. O Jornal do Alto Alentejo é, como quaisquer outros com a mesma idade, uma criança com muita vida pela frente. A diferença é que este, porque teima em sobreviver em território difícil, já foi chamado a tarefas que num outro lugar e com condições diferentes só conheceria em “idade adulta”.
   Nas organizações como nas pessoas há, continua a haver, “homens (e mulheres) que nunca foram meninos”.
   É pois, esta década grande, que comemoramos. O Jornal do Alto Alentejo tem vindo, contra ventos e marés, a impor-se como instrumento de defesa do direito que todos temos de viver e trabalhar no distrito de Portalegre. Fruto da vontade, capacidade e… teimosia de quantos, semana a semana, o colocam nas bancas afirma-se como espaço de reflexão, debate e denuncia do que somos e queremos.
   Que assim continue por muitas décadas.

Diogo Serra
* Publicado no Jornal do Alto Alentejo por ocasião do seu 10º aniversário.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

TODA A GENTE SABE QUE OS... SÃO BRUTOS!





Toda a gente sabe que os… são brutos! *



“Os taxistas são mal-educados, os professores eram preguiçosos, os médicos ricos e os estivadores brutos. A cada campanha negra nos media contra um sector profissional que se quer precarizar há uma claque que segue o rasto, brandindo de punho em riste contra os sectores «corporativos», que só «se protegem a eles». Isto referindo sectores profissionais que mal ou bem tiveram a coragem de lutar…”
Raquel Varela in O Porte do Animal.


Não podia estar mais de acordo.

É isto que se passa sempre que alguns se dispõem a lutar pelos direitos deles e, quase sempre, pelos de todos nós!

Os opinadores de serviço (ao serviço da mera boçalidade ou dos grupos que são, de facto, os Donos Disto Tudo) multiplicam-se nos ataques e na catalogação suficientemente apelativa para levar atrás de si os muitos e muitas que ainda não descobriram a função atribuída a essa “máquina brilhante” com que fomos dotados – o cérebro.

A nossa região não fica de fora.

Foi/é assim com a luta dos enfermeiros, dos professores, dos funcionários públicos, dos trabalhadores das empresas públicas de transportes e nos últimos dias, dos taxistas.

Também por aqui, em particular nas redes sociais, era “vê-los/as” a tentarem fabricar falsas razões, a preocuparem-se com a vida particular e/ou “a fortuna” dos dirigentes associativos, a generalizarem quaisquer atitudes que à partida pudessem ser condenáveis.

Passada uma semana sobre a ação desenvolvida pelos taxistas é interessante reler o que foi dito e escrito por quantos e quantas generalizaram comportamentos sem pensar sequer nos efeitos que traria para a (sua ) classe a generalização das suas afirmações.

Vejamos! Uma afirmação “fascistoide” de um jornalista permite-nos insinuar que os jornalistas são fascistas? Claro que não!

A precipitação de um disparo (mesmo que com bala de borracha) e a “distribuição” de gás pimenta pelos taxistas, permite-nos julgar todas as forças repressivas ali instaladas como mal preparadas ou amantes da violência? Claro que não!

Alguma experiência menos boa vivida ou recolhida, sobre uma qualquer viagem num qualquer táxi ou a boçalidade das alegações de um taxista bastam para apelidarmos toda a classe de gatunos ou boçais? Claro que não!

Mas, foi essa a posição de muitos e muitas com “tempo de antena” e espaço nos meios de comunicação, depois intensamente replicados nas chamadas redes sociais, numa postura que no mínimo acabava por ocultar o que verdadeiramente estava em causa: a intervenção das multinacionais no abocanhar dos negócios e dos lucros à custa da desregulamentação do fator trabalho.

Quantos e quantas dos que escreveram e replicaram as graçolas sob a inevitabilidade da destruição do emprego regulado e a sua substituição pelas “novas” formas de espoliação de quem trabalha pararam para pensar se há modernidade no regresso à exploração vivida por trabalhadores e povos e a que se convencionou apelidar de escravatura?

E no entanto é isso que está cada vez mais presente nestes rasgos ditos de pós-modernidade.


Diogo Serra

* publicado no jornal Fonte Nova de 25 de Outubro de 2016

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Que sejamos nós a desenhar o futuro do Alentejo! *


Somos dos que entendem que a constituição do AMALENTEJO e a realização do Congresso no passado 2 de Abril e Troia foram tão só o (re) iniciar de uma caminhada só completa quando for cumprido o preceito constitucional que define o Poder Local assente em três distintos (e complementares) pilares: as freguesias, os municípios, as regiões administrativas.

A falta de vontade política e alguma inabilidade levaram a que o cumprimento dessa obrigação constitucional continue por cumprir e, depois das armadilhas legais que foram sendo construídas, se torne difícil, no momento, aspirar à sua concretização.

Mas o Alentejo, recordemo-lo, sempre reafirmou a sua vontade e necessidade de dispor de uma estrutura regional democrática e participada que permita à região e aos alentejanos participarem nos diferentes processos de decisão sobre o seu futuro e, por isso, porque essa é uma aspiração e uma necessidade por todos assumida, o Congresso de Troia avançou com a necessidade da criação da Comunidade Regional do Alentejo – uma nova estrutura de poder regional, para colmatar a falta da região administrativa do Alentejo enquanto a regionalização definida na Constituição da Republica não avançar.

Para concretizar esta ideia os congressistas avançaram com o lançamento de uma petição pública, para recolher as assinaturas necessárias à apresentação na Assembleia da Republica, de um projeto lei de iniciativa popular que crie a Comunidade Regional do Alentejo (CRA). A criação da CRA será um passo importante no aprofundamento da democracia participativa, um avanço no princípio da subsidiariedade e um instrumento para a promoção do desenvolvimento harmonioso de mais de um terço do território nacional continental.

A Comunidade Regional do Alentejo, na forma como foi desenhada, combina descentralização com desconcentração, assumindo competências da atual CCDRA, de algumas estruturas descentralizadas e outras que possam ser contratualizadas com o Governo central e, para evitar a duplicação de funções e de custos, toda a estrutura da CCDRA deve ser transferida para a nova CRA.

Conforme decisão dos congressistas e inscrição na petição já em distribuição, a CRA deverá ser um poder local de base regional, legitimado pelo voto dos mais próximos representantes do povo, ter personalidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e, órgãos com poder efetivo para representar e dirigir o Alentejo.

Ultrapassado o período das férias, é necessário arregaçar as mangas e levar a discussão e recolha das assinaturas a todos os lugares onde estejam alentejanos e alentejanas:  no território transtagano e na diáspora.

O Distrito de Portalegre participou ativamente na criação do AMALENTEJO, na realização do Congresso de Troia e nas suas decisões. Envolveram-se nesse trabalho um número significativo de homens e mulheres, diferentes organizações e associações representativos das várias correntes de opinião presentes no território. Agora, é tempo de concretizar as decisões.

É agora o tempo de recolher as 35 mil assinaturas necessárias para fazer chegar este projeto à Assembleia da Republica. Ninguém pode ser dispensado (ou demitir-se) desta tarefa. Não queiramos que sejam outros a fazer o que é da nossa responsabilidade!



Portalegre, 2016-10


Diogo J. Serra
Animador Educativo e Sociocultural
Membro da Comissão Promotora do AMALENTEJO

* Publicado no Jornal Fonte Nova em 11-10-16


segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Não brinquem Conosco





Diogo Serra*

     O desemprego registado nos Centros de Emprego do distrito tem vindo a desacelerar embora não se consiga perceber se tal desaceleração se fica a dever a uma maior taxa de empregabilidade, ao continuar de habilidades contabilísticas ou à continua diminuição da população ativa.
Certezas apenas no facto de tais diminuições não serem reflexo do aumento do emprego.
Os últimos números conhecidos (Julho de 1916) mostram-nos que o desemprego no distrito atingia 8383 trabalhadores, (3.817 homens e 4.566 mulheres) e que, naquele mês as ofertas de emprego disponibilizadas, não sabemos se respondidas, foram de 166.1
     Se comparados com os registos do mês anterior (8.606 desempregados) ou com o mês homólogo do ano anterior (9.860 desempregados) a situação regista algumas melhorias mas, ainda assim, fortemente penalizadora para o norte alentejano e as suas gentes.
     É que por detrás destes números estão homens e mulheres, mais ou menos jovens e que na sua maioria não tem acesso a quaisquer apoios sociais e por isso, tem de optar entre a exclusão social, a emigração ou a “escravatura moderna” que se expressa ou por trabalho sem direitos, e muitas vezes sem salário.
     A análise concelho a concelho mostra-nos que a taxa de desemprego no distrito atingiu os 16,6% com três concelhos: Monforte, Elvas e Gavião a ultrapassarem os 20%

Fonte: Gabinete de Estudos da USNA/cgtp-in
1 Gabinete de Estudos da USNA/cgtp

     O desemprego é de facto o grande problema do norte alentejano. É o responsável primeiro pela perda de população e pelo seu envelhecimento e, se não for contrariado levará inevitavelmente ao desaparecimento da região.
     Só a cegueira política impede que este problema tenha solução.
     A destruição do nosso tecido produtivo, em particular o desmantelamento da indústria, o abandono de grande parte dos terrenos cultiváveis e a deslocalização dos serviços públicos, não pode ser compensada apenas com atividades que embora lucrativas não garantem às populações a estabilidade e a vida digna que todos anseiam e merecem.
     É fundamental que os órgãos de poder, central e local, assumam estratégias que garantam ao distrito o desenvolvimento da agricultura com o aumento da área regada e com medidas que garantam a boa utilização da área agrícola e garantam à cidade capital de distrito o retomar da sua cultura industrial.
     E não nos digam que não há dinheiro para investir aqui.
     Pensemos apenas quanto custa ao distrito e ao país mantermos os mais de 8 mil desempregados.
     Se estivessem a produzir e a receber o salário médio nacional ( 829€) entravam na economia distrital cerca de 28 milhões de euros/ano e a segurança social arrecadaria mais 6 milhões em vez dos cerca de um milhão pagos a subsidiar o desemprego.

Não é possível? Não brinquem connosco!


*Animador Educativo e Sociocultural
Deputado Municipal

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

Barragem do Pisão

É a hora!*


      Num momento em que se prepara o Orçamento de Estado para o próximo ano. Quando as diversas forças políticas se afadigam na apresentação das suas propostas e projetos e, entre os partidos políticos que têm vindo a suportar politicamente o governo atual, cuja ação, diga-se em abono da verdade, tem vindo a pautar-se pela vontade de corrigir algumas das principais “malfeitorias” do governo anterior, se esboçam as primeiras abordagens conjuntas para garantir a sua elaboração e aprovação, a Construção da Barragem do Pisão voltou à ribalta.
   Ainda bem que assim é. Sendo certo que este retomar dessa velha e importante aspiração/reivindicação do Norte Alentejano é, por si só, de grande importância é-o tanto mais porque no passado mês de Julho a Assembleia da Republica votou por unanimidade uma iniciativa parlamentar do PCP que recomenda ao Governo a inclusão do Empreendimento de Aproveitamento Hidráulico de Fins Múltiplos do Crato (Barragem do Pisão) nas prioridades de investimento em regadio.
     Depois de décadas em que se procurou concretizar o sonho de toda uma região, depois de inúmeros estudos que confirmam a importância deste empreendimento para a Região e para o País, depois de inúmeras promessas não cumpridas e mesmo de algumas “traições” é possível que este seja o tempo certo, que tenha chegado a hora.
    Todavia importa não repetir erros do passado. É fundamental assumirmos, todos, que a construção da Barragem do Pisão, mais que uma bandeira de luta político-partidária (a proximidade das eleições autárquicas não ajudará) é, tem que ser, a reivindicação de uma região que tem vindo a pagar um preço demasiado elevado por ter baixo poder reivindicativo e por não ter sabido, (nunca o conseguiu) estabelecer as alianças politicas e sociais capazes de colocarem o interesse da região acima dos interesses imediatos dos protagonistas regionais e locais.
     É esse o risco que voltamos a correr.
   As funções que desempenhei (talvez por demasiado tempo) na coordenação da ação sindical permitiram-me/obrigaram-me a acompanhar de perto o “folhetim Pisão” ao longo de mais de três décadas.
   Conheci e participei em algumas das principais iniciativas visando convencer os de fora da importância desta infraestrutura para todo o distrito e em particular para os concelhos diretamente beneficiários. Vivi com muitos outros atores locais momentos de elevação como o foi, por exemplo, o Debate de 2012, organizado por este jornal e pelo jornal A Mensagem mas, também os momentos de acesa disputa política partidária com o empreendimento de aproveitamento hidráulico de fins múltiplos do Crato a servir de arma de arremesso entre os vários intervenientes.
   Entendo o atual momento político como o momento certo para concretizarmos o sonho: um governo do Partido Socialista com suporte parlamentar dos partidos da Esquerda (PS, PEV, PCP e BE), um ministério das Infraestruturas liderado por um ex-deputado eleito por este círculo eleitoral, unanimidade parlamentar sobre a necessidade do investimento. Não poderemos é continuar a dar “tiros nos pés”.
     A vontade de colher louros para as batalhas autárquicas que aí vêm não pode tolher-nos a razão.
   Algumas afirmações que recentemente vieram a público mesmo que verdadeiras (e manifestamente não o são) só servem para dividir o que precisamos esteja unido e atuante.

     Que o bom senso impere. Bem precisamos!

* Publicado no Jornal Alto Alentejo de 21-09-2016


quarta-feira, 13 de julho de 2016



ictvr -VEMOS, OUVIMOS E LEMOS. NÃO PODEMOS IGNORAR!*

Em artigo publicado neste jornal (nº 481 de 22 de Junho) o ex- Diretor Técnico do ICTVR – Centro Internacional de Tecnologias de Realidade Virtual, vinha a público trazer-nos a “sua” verdade sobre o que levou ao desmoronar dum projeto que se acreditou ser capaz de alavancar a ascensão da cidade e da região a patamares de excelência nas industrias tecnológicas e criativas.
No seu longo artigo que justifica com a necessidade de contar a verdade sobre o princípio e fim do ICTVR aquele ex-dirigente procura justificar a sua participação e assume-se como vítima de um processo que levou à delapidação de alguns (muitos milhões), transformou em pesadelo o sonho de jovens quadros a quem fizeram acreditar que o seu futuro estava garantido na sua cidade e colocou em total desaproveitamento equipamentos e saberes de grande valia social e económica.
Algumas das afirmações proferidas que o autor diz serem apenas factos comprováveis e as muitas perguntas que nos deixa revelam-se de uma tal gravidade que deveriam ter originado um mar de desmentidos, de esclarecimentos e de promessas de processos na justiça.
Ao contrário e estranhamente (ou talvez não) o que assistimos é a um silencio ensurdecedor.
Responsáveis autárquicos (antigos e atuais), dirigentes académicos e empresários ligados ao projeto, forças políticas no poder ou na oposição, ou não leram ou fingem não saber o que ali foi afirmado ou insinuado.
E não foi pouco. O antigo Diretor Técnico do ICTVR afirma-se vítima de um processo que destruiu de forma deliberada um projeto que diz, tinha tudo para dar certo.
Denuncia o Executivo Municipal então presidido por Mata Cáceres de não ter oficializado as decisões tomadas para com o ICTVR e em particular o facto do direito do uso das instalações no espaço Robinson e do investimento assumido pela Câmara nunca terem sido analisados e aprovados quer na Câmara quer na Assembleia Municipal.
Acusa as autoridades académicas de compadrio com os que decidiram alterar o projeto inicial e depois, estrangular financeiramente o ICTVR e acusa ainda forças que não identifica, como protagonistas de uma campanha visando destruir a sua reputação profissional e pessoal.
Acompanhei o processo ICTVR numa fase em que este há muito deixara de ser uma oportunidade e se havia transformado numa enorme dor de cabeça. Então, enquanto administrador não executivo da Fundação Robinson, participei em algumas reuniões duma Comissão Administrativa que procurava ainda salvar do desastre algumas das suas componentes.
Recordo quer a informação que tínhamos de que o então Diretor Técnico havia abandonado as suas funções e se comportava como elemento hostil à sobrevivência do ICTVR, quer as tentativas e pressões de alguns dos sócios do ICTVR para que fosse a Fundação a assumir o ICTVR. Situação que o Conselho de Administração que integrava, sempre recusou.
Por tudo isto, ao ler o artigo da autoria do professor Gastão Marques esperei que o mesmo levantasse, no mínimo, um ruído parecido com o que desde sempre foi “oferecido” à Fundação Robinson.
Engano meu! Mesmo depois dos “esclarecimentos” publicados, a cidade mantem a mesma incompreensível postura de “assobiar para o lado”.
Onde estão as forças políticas da oposição (mas também da maioria) que afirmando-se preocupadas com os gastos públicos elegeram a Fundação Robinson como saco de pancada onde é possível descarregar todas as frustrações?
Onde estão os porta-vozes dessa cultura tão lagóia do diz que diz ou dos atos de heroísmo à mesa do café ou a coberto do anonimato nas redes sociais?
E, por onde andam os gestores do ICTVR, os nomeados pela Câmara e os outros? E os autarcas, particularmente o então Presidente Mata Cáceres acusado de ter escondido do município, ou pelo menos não ter levado ao assumir, das decisões por ele tomadas?
Aguardemos!

Diogo Júlio Serra

Ex-Administrador (não executivo) da Fundação Robinson
*publicado no Jornal Alto Alentejo de 13 de Julho de 2016



41 anos depois continuam os sonhos e as lutas
 Diogo Júlio Serra *

No passado dia quatro cumpriram-se quarenta e um anos desde aquela noite de 1975 em que nas instalações da Delegação de Portalegre do Sindicato dos Bancários, na Praceta, reuniu sob a presidência de António Milheiro, bancário, António Serra, operário agrícola e António Ceia dos Reis, Corticeiro, a Assembleia Constituinte da União dos Sindicatos do Distrito de Portalegre, para discutir e aprovar os Estatutos e instituírem a organização sindical dos trabalhadores do distrito que se assumiria desde a primeira hora como a Intersindical do distrito de Portalegre.

Estavam presentes 4 sindicatos com representação distrital: Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do distrito de Portalegre, Sindicato dos Sindicato dos Bancários de Lisboa, Sindicato dos Operários Corticeiros do distrito de Portalegre e Sindicato dos Químicos do Sul, que representavam mais de 50% dos trabalhadores sindicalizados no distrito.

De fora, embora por pouco tempo, ficavam o Sindicato dos Lanifícios, o Sindicato do Metalúrgicos de Portalegre e o Sindicato da Construção Civil, mais os Sindicatos dos Rodoviários e dos Caixeiros e Empregados de escritório já então, “enamorados” do reformismo sindical que haveria de desaguar nos processos fraccionistas da Carta Aberta e dos que se seguiram.

Desta forma tomava corpo o desejo de constituir um organismo de direcção e coordenação da acção sindical que, também no distrito de Portalegre, se desenvolvia de forma intensa desde os últimos anos do Marcelismo mas com particular intensidade desde o 25 de Abril de 1974.

Tratava-se de dar enquadramento legal à estrutura organizada dos trabalhadores que no terreno dirigira a tomada dos sindicatos fascistas e garantira a gestão dos sindicatos pelos trabalhadores associados. Fora assim na tomada do Sindicato dos Operários Corticeiros, do Sindicato dos Caixeiros e Empregados de Escritório e fora igualmente esta estrutura a apoiar a acção de refundação dos sindicatos cuja actividade fora proibida pelo fascismo: Função Pública, Professores, Administração Local.

Fora ainda esta estrutura “informal” que apoiara a refundação do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura e, através dele organizara os trabalhadores na luta por salários e por emprego e na constituição de inúmeras Unidades Colectivas de Produção Agrícola que promoveram uma Revolução dentro da Revolução

Fundada formalmente no apogeu da Revolução viveu de forma intensa o “processo da Reforma Agrária” e coordenou todas as acções sindicais de conquistas de direitos individuais e colectivos e, com a vitória da contra revolução politico-militar, dirigiu a luta em defesa das conquistas que Abril abriu.

Hoje, quarenta e um anos depois, com milhares de lutas travadas, com vitórias e derrotas no seu historial, mas sempre em estreita ligação com os trabalhadores e trabalhadoras deste distrito, a União dos Sindicatos entretanto renomeada como União dos Sindicatos do Norte Alentejano continua a afirmar-se como a maior e mais representativa organização social do distrito de Portalegre e a demonstrar a mesma firmeza e entusiasmo na defesa dos trabalhadores que representa e do direito de todos em trabalharmos e vivermos num território acolhedor e desenvolvido.

Eu que acompanhei o seu percurso, desde o nascimento até hoje e com particulares responsabilidades entre 1978 e 2015, sou disso testemunha.

Hoje, no dia em que comemora mais um aniversário a União dos Sindicatos do Norte Alentejano é companhia inquestionável de quantos aspiram a um futuro melhor, parceiro indispensável de órgãos do poder democrático e actor imprescindível na aplicação das políticas necessárias à região e ao país.

Que persista na sua acção.
Sempre, Sempre com os trabalhadores e trabalhadoras do Norte Alentejano!

* publicado no Jornal Fonte Nova de 12/7/16



sexta-feira, 1 de julho de 2016

Da cultura industrial à indústria da cultura.

Da Cultura Industrial à Indústria da Cultura




     A vila de Portalegre que em 1229 pertencia ao concelho de Marvão, passou a sede de concelho em 1253.[1] A 23 de Maio de 1550, D. João III elevou-a à categoria de cidade quando esta já era, em conjunto com Covilhã e Estremoz, um dos principais centros da indústria de tecidos do país.
   Fruto das óptimas condições naturais e da “cultura industrial” existente, em 1772 o Marquês de Pombal instala aqui, no antigo Convento de S. Sebastião, a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre.
     No século seguinte a cidade de Portalegre, então elevada a capital de distrito,[2] assiste ao acentuado declínio das suas indústrias têxtil e lanifícios e à instalação e florescimento da indústria corticeira às mãos de uma família inglesa, os Robinson.
     O século XX encontra a cidade de Portalegre já recomposta da grave crise que afetara a sua indústria e comércio, com uma população à volta dos 10 mil habitantes e dispondo de diversos serviços de apoio às condições de vida das suas gentes.
      A primeira metade do Século XX confirma Portalegre como cidade industrial, situação que se mantém e amplia quando da Revolução de Abril e continuará até 1986, ano em que Portugal passa a ser membro da Comunidade Económica Europeia.
     A indústria corticeira, com a Robinson Bros, os lanifícios, com a Fino’s, a Fibrafil e a Finicisa, o sector têxtil com a Invicar, os lacticínios com a Serraleite, o sector químico com a Houtchinson, a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre e dezenas de outras de menor dimensão, garantem o emprego a uma comunidade operária já em diminuição mas ainda com enorme peso na vida da cidade e da região.
     Das intervenções do FMI e da adesão do país à CEE resultou o aumento da nossa dependência e tornou a nossa economia muito mais vulnerável às influências das economias altamente desenvolvidas.   
     A destruição da capacidade produtiva a troco de euros e autoestradas e o errático apostar na tercerização da nossa economia sem ter consolidado o nível secundário, aceleraram a destruição das nossas empresas, impuseram o fim da “Portalegre Industrial” e lançaram o concelho num perigoso trajeto de empobrecimento e letargia de que urge libertar-se.
     Com a insolvência e encerramento das unidades transformadoras tradicionais, milhares de famílias foram arrastadas para o desemprego e para a emigração e na cidade abriam-se autênticas crateras onde imperavam os resíduos e as “sucatas”, totalmente abertas à ganância do imobiliário ou à agonia dos caídos.
     Era esse o destino previsível do “espaço Robinson” – sete hectares de terreno, no coração da cidade, é assim que se encontra o espaço anteriormente ocupado pelas fábricas de Lanifícios e pela Invicar e será assim que continuaremos a ver a cidade se não soubermos/quisermos encontrar caminhos para além da reindustrialização que se deseja mas que não se prevê possível no curto e médio prazo.
     Como já sucedeu várias vezes na história da cidade o futuro construir-se-á se conseguirmos unir-nos na valorização das nossas potencialidades.
       Esgotada a fase da Cidade das Industrias tradicionais importará consolidar a cultura industrial da cidade e das suas gentes para projectarmos uma nova cidade capaz de substituir a sua cultura industrial por uma indústria da cultura e do conhecimento.
    “Argumentos” não nos faltam. A cidade e o concelho são possuidores de potencialidades de desenvolvimento assente na utilização da sua arqueologia industrial, no riquíssimo património arquitectónico, na paisagem, nos saberes ancestrais das suas gentes e na capacidade das unidades de ensino aqui sediadas passarem para a cidade o conhecimento ali produzido.
   Importa transformar a sua arqueologia industrial em centros de fruição e de conhecimento, musealizando lugares e saberes, reabilitando espaços e edificado, ocupando-os e dando-lhes vida.
     O espaço onde funcionou até 2004 a Fabrica de Lanifícios que é agora um conjunto de edificações em ruínas e, face ao estado degradado das coberturas contendo amianto, uma ameaça para os portalegrenses, poderia ser transformado num centro de criação e formação dos têxteis, lanifícios e do vestuário e um ninho de acolhimentos a designers e criadores.
     O Espaço Robinson é outro exemplo de potencialidades que podem e devem alavancar o desenvolvimento da cidade.
    Aqui onde a secular Robinson ainda não foi totalmente desmantelada e foi constituída uma Fundação com a missão de salvaguardar o espólio industrial, preservar a memória da fábrica e garantir à cidade e às suas associações culturais a apropriação daqueles espaços, importa retomar o projecto original da Fundação e garantir-lhe os meios de financiamento necessário, abrindo-a a novos parceiros.
     No espaço Robinson dever-se-á instalar um centro nacional de conhecimento e de investigação sobre o montado, a produção, a transformação e novas utilizações da cortiça e avançar com os projectos iniciais da fundação de musealização da fábrica, de construir residências de jovens criadores e instalar ateliers de arte contemporânea.
     O facto de ser Portalegre uma das capitais mundiais da tapeçaria e residirem aqui as melhores tecedeiras do mundo[3], a existência do Museu da Tapeçaria - Guy Fino e da Manufactura das Tapeçarias de Portalegre colocam a cidade numa situação de privilégio na atractividade de um segmento de turistas com alto poder de compra e de apetências culturais que a região pode e deve preencher.
     Também a existência de inúmeros palácios e casas brasonadas, de igrejas e mosteiros, de museus - Museu Guy Fino, museu municipal, casa museu José Régio, museu de cristos e o seu funcionamento em rede, num casco histórico que importa reabilitar e divulgar, podem transformar a cidade branca[4] num museu a céu aberto e dar-lhe a atractividade necessária para a sua afirmação como capital cultural e turística da zona raiana onde se insere.
     A existência regular de eventos culturais de grande qualidade de que se destacam a feira da doçaria conventual e o JazzFest (este já na 13ª edição e que este ano mereceu ser premiado pela Entidade Regional de Turismo), são certificado de qualidade e instrumento de atractividade de públicos específicos e montra privilegiada da cidade e da região.
     O concelho profundamente rural onde Portalegre se insere, é detentor de um número impressionante de produtos classificados também eles fundamentais para o desenvolvimento da economia local. Para tanto, é fundamental dar-lhes a visibilidade necessária e dotar os artesãos que os fabricam das ferramentas necessárias à sua comercialização.
     Os estabelecimentos de ensino superior aqui sediados, sozinhos ou em parceria com os seus congéneres da euro-região onde nos inserimos e com as instituições representativas desses produtores são certamente, quem tem melhores condições para o conseguir.

Diogo Júlio Serra

 Publicado na Revista  alentejo nº 40
Junho/Novembro de 2016



[1] António Ventura em texto escrito para o sítio da Câmara Municipal de Portalegre
[2] Em 1835, quando foram criados os distritos como divisões administrativas
[3]Afirmação de  Jean Lurçart, renovador da Tapeçaria Francesa
[4] Designação dada à cidade de Portalegre