sexta-feira, 1 de julho de 2016

Da cultura industrial à indústria da cultura.

Da Cultura Industrial à Indústria da Cultura




     A vila de Portalegre que em 1229 pertencia ao concelho de Marvão, passou a sede de concelho em 1253.[1] A 23 de Maio de 1550, D. João III elevou-a à categoria de cidade quando esta já era, em conjunto com Covilhã e Estremoz, um dos principais centros da indústria de tecidos do país.
   Fruto das óptimas condições naturais e da “cultura industrial” existente, em 1772 o Marquês de Pombal instala aqui, no antigo Convento de S. Sebastião, a Real Fábrica de Lanifícios de Portalegre.
     No século seguinte a cidade de Portalegre, então elevada a capital de distrito,[2] assiste ao acentuado declínio das suas indústrias têxtil e lanifícios e à instalação e florescimento da indústria corticeira às mãos de uma família inglesa, os Robinson.
     O século XX encontra a cidade de Portalegre já recomposta da grave crise que afetara a sua indústria e comércio, com uma população à volta dos 10 mil habitantes e dispondo de diversos serviços de apoio às condições de vida das suas gentes.
      A primeira metade do Século XX confirma Portalegre como cidade industrial, situação que se mantém e amplia quando da Revolução de Abril e continuará até 1986, ano em que Portugal passa a ser membro da Comunidade Económica Europeia.
     A indústria corticeira, com a Robinson Bros, os lanifícios, com a Fino’s, a Fibrafil e a Finicisa, o sector têxtil com a Invicar, os lacticínios com a Serraleite, o sector químico com a Houtchinson, a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre e dezenas de outras de menor dimensão, garantem o emprego a uma comunidade operária já em diminuição mas ainda com enorme peso na vida da cidade e da região.
     Das intervenções do FMI e da adesão do país à CEE resultou o aumento da nossa dependência e tornou a nossa economia muito mais vulnerável às influências das economias altamente desenvolvidas.   
     A destruição da capacidade produtiva a troco de euros e autoestradas e o errático apostar na tercerização da nossa economia sem ter consolidado o nível secundário, aceleraram a destruição das nossas empresas, impuseram o fim da “Portalegre Industrial” e lançaram o concelho num perigoso trajeto de empobrecimento e letargia de que urge libertar-se.
     Com a insolvência e encerramento das unidades transformadoras tradicionais, milhares de famílias foram arrastadas para o desemprego e para a emigração e na cidade abriam-se autênticas crateras onde imperavam os resíduos e as “sucatas”, totalmente abertas à ganância do imobiliário ou à agonia dos caídos.
     Era esse o destino previsível do “espaço Robinson” – sete hectares de terreno, no coração da cidade, é assim que se encontra o espaço anteriormente ocupado pelas fábricas de Lanifícios e pela Invicar e será assim que continuaremos a ver a cidade se não soubermos/quisermos encontrar caminhos para além da reindustrialização que se deseja mas que não se prevê possível no curto e médio prazo.
     Como já sucedeu várias vezes na história da cidade o futuro construir-se-á se conseguirmos unir-nos na valorização das nossas potencialidades.
       Esgotada a fase da Cidade das Industrias tradicionais importará consolidar a cultura industrial da cidade e das suas gentes para projectarmos uma nova cidade capaz de substituir a sua cultura industrial por uma indústria da cultura e do conhecimento.
    “Argumentos” não nos faltam. A cidade e o concelho são possuidores de potencialidades de desenvolvimento assente na utilização da sua arqueologia industrial, no riquíssimo património arquitectónico, na paisagem, nos saberes ancestrais das suas gentes e na capacidade das unidades de ensino aqui sediadas passarem para a cidade o conhecimento ali produzido.
   Importa transformar a sua arqueologia industrial em centros de fruição e de conhecimento, musealizando lugares e saberes, reabilitando espaços e edificado, ocupando-os e dando-lhes vida.
     O espaço onde funcionou até 2004 a Fabrica de Lanifícios que é agora um conjunto de edificações em ruínas e, face ao estado degradado das coberturas contendo amianto, uma ameaça para os portalegrenses, poderia ser transformado num centro de criação e formação dos têxteis, lanifícios e do vestuário e um ninho de acolhimentos a designers e criadores.
     O Espaço Robinson é outro exemplo de potencialidades que podem e devem alavancar o desenvolvimento da cidade.
    Aqui onde a secular Robinson ainda não foi totalmente desmantelada e foi constituída uma Fundação com a missão de salvaguardar o espólio industrial, preservar a memória da fábrica e garantir à cidade e às suas associações culturais a apropriação daqueles espaços, importa retomar o projecto original da Fundação e garantir-lhe os meios de financiamento necessário, abrindo-a a novos parceiros.
     No espaço Robinson dever-se-á instalar um centro nacional de conhecimento e de investigação sobre o montado, a produção, a transformação e novas utilizações da cortiça e avançar com os projectos iniciais da fundação de musealização da fábrica, de construir residências de jovens criadores e instalar ateliers de arte contemporânea.
     O facto de ser Portalegre uma das capitais mundiais da tapeçaria e residirem aqui as melhores tecedeiras do mundo[3], a existência do Museu da Tapeçaria - Guy Fino e da Manufactura das Tapeçarias de Portalegre colocam a cidade numa situação de privilégio na atractividade de um segmento de turistas com alto poder de compra e de apetências culturais que a região pode e deve preencher.
     Também a existência de inúmeros palácios e casas brasonadas, de igrejas e mosteiros, de museus - Museu Guy Fino, museu municipal, casa museu José Régio, museu de cristos e o seu funcionamento em rede, num casco histórico que importa reabilitar e divulgar, podem transformar a cidade branca[4] num museu a céu aberto e dar-lhe a atractividade necessária para a sua afirmação como capital cultural e turística da zona raiana onde se insere.
     A existência regular de eventos culturais de grande qualidade de que se destacam a feira da doçaria conventual e o JazzFest (este já na 13ª edição e que este ano mereceu ser premiado pela Entidade Regional de Turismo), são certificado de qualidade e instrumento de atractividade de públicos específicos e montra privilegiada da cidade e da região.
     O concelho profundamente rural onde Portalegre se insere, é detentor de um número impressionante de produtos classificados também eles fundamentais para o desenvolvimento da economia local. Para tanto, é fundamental dar-lhes a visibilidade necessária e dotar os artesãos que os fabricam das ferramentas necessárias à sua comercialização.
     Os estabelecimentos de ensino superior aqui sediados, sozinhos ou em parceria com os seus congéneres da euro-região onde nos inserimos e com as instituições representativas desses produtores são certamente, quem tem melhores condições para o conseguir.

Diogo Júlio Serra

 Publicado na Revista  alentejo nº 40
Junho/Novembro de 2016



[1] António Ventura em texto escrito para o sítio da Câmara Municipal de Portalegre
[2] Em 1835, quando foram criados os distritos como divisões administrativas
[3]Afirmação de  Jean Lurçart, renovador da Tapeçaria Francesa
[4] Designação dada à cidade de Portalegre

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