Da Cultura Industrial à
Indústria da Cultura
A vila de
Portalegre que em 1229 pertencia ao concelho de Marvão, passou a sede de
concelho em 1253.[1] A 23 de
Maio de 1550, D. João III elevou-a à categoria de cidade quando esta já era, em
conjunto com Covilhã e Estremoz, um dos principais centros da indústria de
tecidos do país.
Fruto das óptimas
condições naturais e da “cultura industrial” existente, em 1772 o Marquês de
Pombal instala aqui, no antigo Convento de S. Sebastião, a Real Fábrica de Lanifícios de
Portalegre.
No século seguinte a cidade de
Portalegre, então elevada a capital de distrito,[2]
assiste ao acentuado declínio das suas indústrias têxtil e lanifícios e à
instalação e florescimento da indústria corticeira às mãos de uma família
inglesa, os Robinson.
O século XX encontra a cidade
de Portalegre já recomposta da grave crise que afetara a sua indústria e comércio,
com uma população à volta dos 10 mil habitantes e dispondo de diversos serviços
de apoio às condições de vida das suas gentes.
A primeira metade do Século XX confirma
Portalegre como cidade industrial, situação que se mantém e amplia quando da
Revolução de Abril e continuará até 1986, ano em que Portugal passa a ser
membro da Comunidade Económica Europeia.
A indústria corticeira, com a
Robinson Bros, os lanifícios, com a Fino’s, a Fibrafil e a Finicisa, o sector
têxtil com a Invicar, os lacticínios com a Serraleite, o sector químico com a Houtchinson,
a Manufactura de Tapeçarias de Portalegre e dezenas de outras de menor dimensão,
garantem o emprego a uma comunidade operária já em diminuição mas ainda com enorme
peso na vida da cidade e da região.
Das intervenções do FMI e da adesão
do país à CEE resultou o aumento da nossa dependência e tornou a nossa economia
muito mais vulnerável às influências das economias altamente desenvolvidas.
A destruição da capacidade
produtiva a troco de euros e autoestradas e o errático apostar na tercerização
da nossa economia sem ter consolidado o nível secundário, aceleraram a
destruição das nossas empresas, impuseram o fim da “Portalegre Industrial” e
lançaram o concelho num perigoso trajeto de empobrecimento e letargia de que
urge libertar-se.
Com a insolvência e
encerramento das unidades transformadoras tradicionais, milhares de famílias
foram arrastadas para o desemprego e para a emigração e na cidade abriam-se autênticas
crateras onde imperavam os resíduos e as “sucatas”, totalmente abertas à
ganância do imobiliário ou à agonia dos caídos.
Era esse o destino previsível
do “espaço Robinson” – sete hectares de terreno, no coração da cidade, é assim
que se encontra o espaço anteriormente ocupado pelas fábricas de Lanifícios e
pela Invicar e será assim que continuaremos a ver a cidade se não
soubermos/quisermos encontrar caminhos para além da reindustrialização que se
deseja mas que não se prevê possível no curto e médio prazo.
Como já sucedeu várias vezes
na história da cidade o futuro construir-se-á se conseguirmos unir-nos na
valorização das nossas potencialidades.
Esgotada a fase da Cidade das
Industrias tradicionais importará consolidar a cultura industrial da cidade e
das suas gentes para projectarmos uma nova cidade capaz de substituir a sua
cultura industrial por uma indústria da cultura e do conhecimento.
“Argumentos” não nos faltam. A
cidade e o concelho são possuidores de potencialidades de desenvolvimento
assente na utilização da sua arqueologia industrial, no riquíssimo património
arquitectónico, na paisagem, nos saberes ancestrais das suas gentes e na capacidade
das unidades de ensino aqui sediadas passarem para a cidade o conhecimento ali
produzido.
Importa transformar a sua
arqueologia industrial em centros de fruição e de conhecimento, musealizando lugares
e saberes, reabilitando espaços e edificado, ocupando-os e dando-lhes vida.
O espaço onde funcionou até 2004
a Fabrica de Lanifícios que é agora um conjunto de edificações em ruínas e,
face ao estado degradado das coberturas contendo amianto, uma ameaça para os
portalegrenses, poderia ser transformado num centro de criação e formação dos
têxteis, lanifícios e do vestuário e um ninho de acolhimentos a designers e
criadores.
O Espaço Robinson é outro
exemplo de potencialidades que podem e devem alavancar o desenvolvimento da
cidade.
Aqui onde a secular Robinson
ainda não foi totalmente desmantelada e foi constituída uma Fundação com a
missão de salvaguardar o espólio industrial, preservar a memória da fábrica e
garantir à cidade e às suas associações culturais a apropriação daqueles
espaços, importa retomar o projecto original da Fundação e garantir-lhe os meios
de financiamento necessário, abrindo-a a novos parceiros.
No espaço Robinson dever-se-á
instalar um centro nacional de conhecimento e de investigação sobre o montado, a
produção, a transformação e novas utilizações da cortiça e avançar com os
projectos iniciais da fundação de musealização da fábrica, de construir
residências de jovens criadores e instalar ateliers de arte contemporânea.
O facto de ser Portalegre uma
das capitais mundiais da tapeçaria e residirem aqui as melhores tecedeiras do
mundo[3],
a existência do Museu da Tapeçaria - Guy Fino e da Manufactura das Tapeçarias de
Portalegre colocam a cidade numa situação de privilégio na atractividade de um
segmento de turistas com alto poder de compra e de apetências culturais que a
região pode e deve preencher.
Também a existência de
inúmeros palácios e casas brasonadas, de igrejas e mosteiros, de museus - Museu
Guy Fino, museu municipal, casa museu José Régio, museu de cristos e o seu
funcionamento em rede, num casco histórico que importa reabilitar e divulgar,
podem transformar a cidade branca[4]
num museu a céu aberto e dar-lhe a atractividade necessária para a sua afirmação
como capital cultural e turística da zona raiana onde se insere.
A existência regular de
eventos culturais de grande qualidade de que se destacam a feira da doçaria
conventual e o JazzFest (este já na 13ª edição e que este ano mereceu ser
premiado pela Entidade Regional de Turismo), são certificado de qualidade e
instrumento de atractividade de públicos específicos e montra privilegiada da
cidade e da região.
O concelho profundamente rural
onde Portalegre se insere, é detentor de um número impressionante de produtos classificados
também eles fundamentais para o desenvolvimento da economia local. Para tanto,
é fundamental dar-lhes a visibilidade necessária e dotar os artesãos que os
fabricam das ferramentas necessárias à sua comercialização.
Os estabelecimentos de ensino
superior aqui sediados, sozinhos ou em parceria com os seus congéneres da
euro-região onde nos inserimos e com as instituições representativas desses
produtores são certamente, quem tem melhores condições para o conseguir.
Diogo Júlio Serra
Publicado na Revista alentejo nº 40
Junho/Novembro
de 2016
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