O(s) dono(s) da bola…
Parte 1 – No meu tempo de criança
Fins de tarde, daquelas tardes quentes no Alentejo, com a criançada na rua transformada em estádio de futebol, divididas em duas “equipas” previamente escolhidas, a defrontarem-se em animadas partidas “ de muda aos seis e acaba aos doze”.
Vigilantes, sentadas à porta de casa, em cadeiras de bunho ou no poial, enquanto aguardam a chegada dos maridos (eram eles, geralmente, quem trabalhava fora de casa), mães e avós procuram na brisa ligeira que se faz sentir o antídoto para o calor abrasador que tiveram que enfrentar ao longo de todo um dia preenchido com as tarefas domésticas.
Procuram garantir que uma jogada mais viril ou um qualquer desentendimento sobre o resultado do jogo ou pela trajetória da bola – saber se esta bateu ou não na trave imaginária ali representada pela pedra, ou mesmo pelo sapato, colocadas em cada extremidade do “estádio” a servirem de baliza não descambem em pancadaria.
A bola está a postos nas mãos do” Joãozinho”, o seu dono, que permite a sua utilização por todos, mediante algumas condições: ser ele a comandar as operações, o primeiro a escolher para a sua equipa e a escolher o árbitro e a ditar as regras. Se assim não acontecer ele pega na bola e vai embora.
Joãozinho e bola abandonavam o “estádio” muitas vezes, mas poucas vezes o jogo acabava porque havia sempre alternativa para a bola “capturada” nem que o fosse com uma trapeira feita por uma qualquer avó com as meias rotas da criançada lá da casa. E assim, com bola de couro, de plástico ou de trapos a brincadeira podia continuar
Parte 2 – No nosso tempo (Hoje)
Numa “rua” com 27 moradores todos eles meninos que gostam de futebol tornou-se habitual (foi assim desde os anos 50 de século passado) encontrarem-se para o seu jogo de futebol (ou desenvolvimento económico, ou criação de um estado de bem-estar) jogando com as suas próprias bolas (ou matérias-primas, ou energia) ou com uma bola melhor e mais barata - no caso gás natural e petróleo - fornecida por um menino vizinho chamado URSS e que há já algumas décadas mudou de “sexo” e de nome. Passou a denominar-se FR mas continuou a fornecer a bola para o jogo.
O problema foi criado quando um outro menino, o Tio Sam, um novo-rico que vive muito mais longe, mas quer mandar em todas as ruas de todas as cidades, de todos os países, convenceu os meninos da rua que a bola dele era melhor e mais bonita e que eles deviam aceitar que ele destruísse a bola com que eles costumavam jogar e passassem a jogar com a sua.
A única condição, prometia, era que o menino FR não pudesse entrar no jogo.
Assim se fez. A primeira bola foi destruída, o menino FR proibido de jogar e com todos os meninos a atirarem-lhe pedras sempre que estava por perto.
Só que… quando a bola do FR foi destruída e os meninos da rua já não tinham nem sequer trapeiras, o menino Tio Sam, com a bola debaixo do braço ditou novas regras: a) o jogo não pode parar; b) a bola a utilizar só pode ser a minha; para jogarem eu continuo a mandar e vocês, todos, passam a pagar pelo uso da bola o que eu vos ditar. Mais, têm de jogar todos bem equipados com o equipamento que eu fabrico e que vos vendo ao preço que eu quiser.
Parte 3 - E o jogo
continua… até que as claques deitem fogo ao estádio!
Diogo Júlio Serra