quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

PATRIMÓNIO INDUSTRIAL E OPERÀRIO, UM TESOURO POR DESCOBRIR

Património industrial e operário de Portalegre, um tesouro por descobrir.
A Cooperativa Operária Portalegrense!*


Portalegre foi, a partir do século XVIII, uma cidade de forte implantação industrial.
A Decisão do Marquês de Pombal em instalar aqui a “Real Fabrica de Panos” marca o início de um percurso que chegou até aos nossos dias.
Aos “panos” da Fábrica Real instalados no antigo Colégio dos Jesuítas, no Convento de S. Sebastião[1], seguiram-se diversas outras atividades, nos lanifícios e nos têxteis, na cortiça, no sector alimentar e, mais recentemente, a indústria de componentes para automóvel, os polímetros e os lacticínios.
Essa intensa atividade industrial e operária legou-nos um significativo património que pode e deve ser potenciado de forma a preservar as memórias e a garantir e melhorar a atratividade turística do concelho.
A cidade que durante décadas ostentou o título de capital industrial do Alentejo foi-o, de facto, no século XIX e meados do seguinte.
A aposta de uma família inglesa, os Robinson, na compra da “fábrica da Rolha” instalada no Convento de S. Francisco e a sua transformação numa moderna unidade industrial que detinha desde a matéria-prima até aos canais de exportação da matéria produzida, as rolhas de cortiça e empregava centenas de trabalhadores, cimentava esse título.
O peso da atividade industrial que transformou a cidade e o concelho, foi também “construindo” a consciência operária e a necessidade de organização. Primeiro a partir de organizações mutualistas e cooperativas, depois nas associações de classe.
Aos Montepios, entre os quais o integrado numa filarmónica, a Euterpe, e que chegou aos nossos dias, seguiram-se novas formas de organização: a Sociedade União Operária[2], a primeira organização não mutualista e com uma significativa participação operários corticeiros e a Cooperativa Operária Portalegrense fundada em 1878 por quarenta e um cidadãos de Portalegre dos quais quarenta eram operários corticeiros e o quadragésimo primeiro, guarda-livros da empresa onde todos trabalhavam – a Corticeira Robinson.
É esta entidade, ainda hoje em atividade, que queremos dar-vos a conhecer.
A Cooperativa Operária Portalegrense, fundada em 1898[3] para dar resposta às cíclicas faltas e carestia de pão, manteve-se ininterruptamente em atividade ao longo dos seus 118 anos.
A sua primeira atividade foi o transformar em pão a primeira saca de farinha comprada com o produto da quotização feita entre os seus fundadores. O lucro gerado foi aplicado em mais farinha e no fabrico e venda de mais pão.
Sete anos depois da sua fundação, inaugurava a sua sede, um imponente edifício onde se mantém até hoje e que ocupa todo um quarteirão da rua com o seu nome.
Ao longo da sua longa existência a Cooperativa Operária Portalegrense passou por momentos bons e menos bons, por períodos de maior ou menor dificuldade mas soube sempre afirmar-se como baluarte do associativismo operário e popular. Atravessou vários períodos da nossa história e contribuiu para a construção, em cada momento, dos caminhos do futuro. Fê-lo, sabendo estar sempre do lado certo da história.
Fundada nos últimos anos da monarquia foi centro difusor dos ideais republicanos e local de discussão e organização operária. Nas suas instalações fez-se história.
No salão da cooperativa ocorreram as reuniões constituintes das primeiras associações de classe e digladiaram-se os ideais do republicanismo, do socialismo e do anarco-sindicalismo. Afinaram-se estratégias e organizaram-se solidariedades enquanto as vendas da loja da cooperativa, durante décadas o maior “estabelecimento comercial” da cidade, garantiam o financiamento necessário às suas muitas atividades que incluíam, a partir de 1912, uma escola para os filhos dos operários da cidade.
O Salazarismo que impôs o encerramento das organizações operárias e sindicais[4] empurrou-a para a condição de “casa-abrigo” de quantos pugnavam pela defesa das condições mínimas de trabalho e de vida e a Cooperativa (era assim que todos a tratavam) assumiu-se como a única organização operária no concelho que mais direta ou mais dissimulada, mantinha viva a cultura operária da cidade.
A loja da cooperativa que comercializava todos os bens de primeira necessidade, alimentos e bens de uso familiar e manteve até ao fim a sua atividade primeira- o fabrico de pão, garantia os recursos financeiros para as diferentes ações e era também o braço solidariamente estendido às famílias que não tinham como pagar, a pronto, os bens de que necessitavam.
 O aparecimento dos super e hipermercados e os novos hábitos de consumo ditaram o fim da Cooperativa de Consumo deixando a parte social sem os meios necessários ao seu funcionamento. Apesar disso, a Cooperativa Operária Portalegrense manteve-se até hoje viva e atuante, assumindo-se como espaço de convívio e de memórias e olhando-se como peça essencial ao desenvolvimento que queremos para a cidade e para a região.
Hoje, quando já desapareceram muitas das instituições que nasceram no mesmo século e são notórias as dificuldades em preservarmos com dignidade o património edificado onde funcionaram: a fábrica Robinson, a Sociedade União Operária, ou o Teatro de Portalegre, é motivo de redobrado de orgulho para todos os portalegrenses constatar que apesar das dificuldades, a Cooperativa Operária Portalegrense mantem acesa a chama da solidariedade e do desenvolvimento para Portalegre.
Definindo novos objetivos e funções a Cooperativa Operária Portalegrense continua a ser o depositário das nossas memórias e um exemplo da solidariedade operária, apostando nas atividades inter-geracionais de cultura e lazer, intervindo no apoio aos idosos não institucionalizados, sem abdicar da sua condição de repositório da tradição operária da cidade.

Diogo Serra

* publicado no nº 41da Revista Alentejo 









[1] Atual sede do Município de Portalegre
[2] O seu edifício sede, situado desde 1905 no Largo “da fonte da Boneca”, propriedade do município, ameaça ruir.
[3] Fundada em 29 de Abril de 1898
[4] Não só encerrou como penhorou todos os seus bens, incluindo os edifícios/sede

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