Património industrial e operário de
Portalegre, um tesouro por descobrir.
A Cooperativa Operária
Portalegrense!*
Portalegre foi, a partir do século XVIII, uma cidade de forte implantação
industrial.
A Decisão do Marquês de Pombal em instalar aqui a “Real Fabrica de Panos”
marca o início de um percurso que chegou até aos nossos dias.
Aos “panos” da Fábrica Real instalados no antigo Colégio dos Jesuítas, no Convento
de S. Sebastião[1],
seguiram-se diversas outras atividades, nos lanifícios e nos têxteis, na
cortiça, no sector alimentar e, mais recentemente, a indústria de componentes
para automóvel, os polímetros e os lacticínios.
Essa intensa atividade industrial e operária legou-nos um significativo
património que pode e deve ser potenciado de forma a preservar as memórias e a
garantir e melhorar a atratividade turística do concelho.
A cidade que durante décadas ostentou o título de capital industrial do
Alentejo foi-o, de facto, no século XIX e meados do seguinte.
A aposta de uma família inglesa, os Robinson, na compra da “fábrica da
Rolha” instalada no Convento de S. Francisco e a sua transformação numa moderna
unidade industrial que detinha desde a matéria-prima até aos canais de
exportação da matéria produzida, as rolhas de cortiça e empregava centenas de
trabalhadores, cimentava esse título.
O peso da atividade industrial que transformou a cidade e o concelho, foi
também “construindo” a consciência operária e a necessidade de organização. Primeiro
a partir de organizações mutualistas e cooperativas, depois nas associações de
classe.
Aos Montepios, entre os quais o integrado numa filarmónica, a Euterpe, e
que chegou aos nossos dias, seguiram-se novas formas de organização: a
Sociedade União Operária[2], a
primeira organização não mutualista e com uma significativa participação
operários corticeiros e a Cooperativa Operária Portalegrense fundada em 1878
por quarenta e um cidadãos de Portalegre dos quais quarenta eram operários
corticeiros e o quadragésimo primeiro, guarda-livros da empresa onde todos trabalhavam
– a Corticeira Robinson.
É esta entidade, ainda hoje em atividade, que queremos dar-vos a conhecer.
A Cooperativa Operária Portalegrense, fundada em 1898[3]
para dar resposta às cíclicas faltas e carestia de pão, manteve-se
ininterruptamente em atividade ao longo dos seus 118 anos.
A sua primeira atividade foi o transformar em pão a primeira saca de
farinha comprada com o produto da quotização feita entre os seus fundadores. O
lucro gerado foi aplicado em mais farinha e no fabrico e venda de mais pão.
Sete anos depois da sua fundação, inaugurava a sua sede, um imponente
edifício onde se mantém até hoje e que ocupa todo um quarteirão da rua com o
seu nome.
Ao longo da sua longa existência a Cooperativa Operária Portalegrense
passou por momentos bons e menos bons, por períodos de maior ou menor
dificuldade mas soube sempre afirmar-se como baluarte do associativismo
operário e popular. Atravessou vários períodos da nossa história e contribuiu
para a construção, em cada momento, dos caminhos do futuro. Fê-lo, sabendo
estar sempre do lado certo da história.
Fundada nos últimos anos da monarquia foi centro difusor dos ideais
republicanos e local de discussão e organização operária. Nas suas instalações
fez-se história.
No salão da cooperativa ocorreram as reuniões constituintes das primeiras associações
de classe e digladiaram-se os ideais do republicanismo, do socialismo e do
anarco-sindicalismo. Afinaram-se estratégias e organizaram-se solidariedades
enquanto as vendas da loja da cooperativa, durante décadas o maior
“estabelecimento comercial” da cidade, garantiam o financiamento necessário às
suas muitas atividades que incluíam, a partir de 1912, uma escola para os
filhos dos operários da cidade.
O Salazarismo que impôs o encerramento das organizações operárias e
sindicais[4]
empurrou-a para a condição de “casa-abrigo” de quantos pugnavam pela defesa das
condições mínimas de trabalho e de vida e a Cooperativa (era assim que todos a
tratavam) assumiu-se como a única organização operária no concelho que mais
direta ou mais dissimulada, mantinha viva a cultura operária da cidade.
A loja da cooperativa que comercializava todos os bens de primeira
necessidade, alimentos e bens de uso familiar e manteve até ao fim a sua
atividade primeira- o fabrico de pão, garantia os recursos financeiros para as
diferentes ações e era também o braço solidariamente estendido às famílias que
não tinham como pagar, a pronto, os bens de que necessitavam.
O aparecimento dos super e
hipermercados e os novos hábitos de consumo ditaram o fim da Cooperativa de
Consumo deixando a parte social sem os meios necessários ao seu funcionamento.
Apesar disso, a Cooperativa Operária Portalegrense manteve-se até hoje viva e
atuante, assumindo-se como espaço de convívio e de memórias e olhando-se como
peça essencial ao desenvolvimento que queremos para a cidade e para a região.
Hoje, quando já desapareceram muitas das instituições que nasceram no mesmo
século e são notórias as dificuldades em preservarmos com dignidade o
património edificado onde funcionaram: a fábrica Robinson, a Sociedade União
Operária, ou o Teatro de Portalegre, é motivo de redobrado de orgulho para todos
os portalegrenses constatar que apesar das dificuldades, a Cooperativa Operária
Portalegrense mantem acesa a chama da solidariedade e do desenvolvimento para
Portalegre.
Definindo novos objetivos e funções a Cooperativa Operária Portalegrense
continua a ser o depositário das nossas memórias e um exemplo da solidariedade
operária, apostando nas atividades inter-geracionais de cultura e lazer,
intervindo no apoio aos idosos não institucionalizados, sem abdicar da sua
condição de repositório da tradição operária da cidade.
Diogo Serra
* publicado no nº 41da Revista Alentejo
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