No momento em que escrevo tenho à minha frente alguns jornais nacionais e
também o nosso Alto Alentejo que anunciam ou comentam a morte do Dr. Mário
Soares.
Os elogios fúnebres tratam de enaltecer o seu percurso político e todos o
apelidam como “ O Pai da democracia”, presumo que a portuguesa. É um facto
inquestionável que o Dr. Mário Soares integrou o núcleo dos combatentes pela
liberdade, opondo-se à ditadura salazarista e por isso foi preso e deportado.
Nesta semana em que ocorreu o falecimento do Dr. Mário Soares ficámos a
saber (não pela comunicação social dita de referência, que o escondeu), que também
falecera um dos muitos que durante a longa noite de terror deram a liberdade
pessoal, a segurança, a família e muitas vezes a vida para abrirem caminho à
liberdade com que sonhavam num país soberano, livre e democrático.
Este era operário. Trabalhador da Carris desde os 12 anos de idade, lutador
antifascista, membro do Partido Comunista Português, pagou o preço que Salazar
cobrava a quantos a ele se opunham, preço tanto mais alto se esses opositores
fossem operários e comunistas.
Preso em 1959 e condenado a dois anos de prisão é um dos organizadores da
fuga de destacados dirigentes comunistas do Forte de Caxias, a 4 de Dezembro de
1961, utilizando para o efeito o carro blindado de Salazar: José Magro[1],
Francisco Miguel, Domingos Abrantes, António Gervásio, Guilherme de Carvalho,
Ilídio Esteves, Rolando Verdial e o próprio António Tereso.
Também as redes sociais foram instrumento privilegiado
para enaltecer o papel do Dr. Mário Soares na “construção” da democracia e foi
aí que uma amiga colocou uma frase que me impôs a reflexão que aqui partilho
convosco.
“Não de preocupem
com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se com aqueles que querem
sepultar o que ajudei a criar.”
Foi proferida por um
Militar de Abril, um alentejano de Castelo de Vide a quem um inquilino de S.
Bento e Belém que condecorava pides recusou uma pensão e ilustra bem o sentir
de quantos veem agora “fugir-lhes a paternidade” do 25 de Abril depois de terem
sido impedidos de “educar a criança” nos valores e objetivos que presidiram à
sua conceção.
Admito que a verdade
do que vimos depende do ângulo em que nos posicionamos mas penso ser da mais
elementar justiça que quem tem acesso aos instrumentos capazes de modelar
consciências esteja “obrigado” a cumprir com as mais elementares regras
deontológicas duma profissão que se intitula como “o quarto poder” e se abstenham
de tentar reescrever a História.
E não confundamos. Não
se trata de diminuir os mortos. Trata-se de censurar os vivos!
A persistirem na
atribuição da paternidade a uns deverão homenagear (também) os milhares de Avós
que a “criança” teve e os enteados (os militares de Abril) que em nome da
“normalidade” foram mandados para os quartéis, para prisão ou para a
disponibilidade!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal Alto Alentejo de 18-01-17
[1] José Magro, com familiares em
Arronches e no Assumar viria a ser o primeiro dirigente do PCP a participar
numa iniciativa publica em Portalegre no pós 25 de Abril. Foi ele o principal
orador no Comício que o PCP organizou em Portalegre e que teve lugar no Cine-Parque.
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