sábado, 3 de fevereiro de 2024

O MEU CONVENTO

 

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Após um tempo em que a sua degradação me doía, o Convento da Luz, totalmente reabilitado abriu-se aos Arronchenses e a quantos o quiserem visitar.

Dia 15 de Dezembro de 2023 uma data a juntar àquela outra do século XVI em que o Convento nasceu pela mão dos Agostinhos Calçados voltei ao Convento.

Sim, voltei ao Convento e como todos maravilhei-me com os resultados da sua reabilitação. Percorri os Claustros (para mim serão sempre – a cerca) e as belas salas do primeiro andar depois de subir os 28 degraus divididos por dois lanços e retomei a minha meninice. Os meus olhos foram substituídos pelas memórias.

Ao cimo da escadaria vi o que já lá não está! À minha direita a porta de entrada da residência dos proprietários – “o menino Dioguinho”, menino como eu e meu padrinho de batizo e os pais Diogo António Pereira e Dª Aninhas Salgueiro. Em frente, sobre as copas das laranjeiras, que não estão lá, um conjunto de 6 janelas que da direita para a esquerda iluminavam o vestíbulo, a cozinha (duas), a sala dos passados e o quarto de dormir das empregadas dos proprietários. Seguia-se a que me era mais querida a que iluminava o quarto onde dormi desde os cinco aos vinte sete anos. Vinte e dois anos porque os primeiros cinco foram “vividos” os dois primeiros no quarto dos meus pais e os três restantes, após o falecimento da minha mãe, em casa dos meus avós maternos.

Passeio-me pela “varanda” a mesma em fui fotografado ao colo da minha madrinha no dia em que me batizaram, confiro cada uma das portas por onde passo. A primeira sem número - a casa da matança - a que se seguem as habitações arrendadas a famílias diversas.

No nº 2, a residência composta de cozinha e um quarto no r/c e com acesso por uma escada de madeira, um quarto no primeiro piso onde viviam a vizinha Joaquina com o marido e dois filhos – Jaulino e Davide, consigo ouvir as gargalhadas do vizinho Zé à lareira a Jantar. Passo ao nº 3 (número de policia) e frente à porta revejo décadas da minha vida. Vejo o meu avô Domingos nos últimos tempos em Arronches e vejo sobretudo a minha primeira residência de casado. A casa onde nasceu a minha filha e consigo ouvir-nos aos três.

 Imediatamente ao lado, a primeira residência (grande) que ocupava toda a fundura do Convento, a casa dos vizinhos Aurélio e Constança e do Manuel Dias (sobrinho) Eles mestres pedreiros e ela doméstica. Continuo a percorrer a varanda e paro no nº 5 a casa do vizinho Barradas e dos seus filhos, o João, a Clarisse e o Estevão e recordo quando lhes batia à porta e aberto o postigo a primeira imagem que tínhamos era a luz da grande janela da cozinha virada para o Páteo.

Segue-se o nº 6. Agora é preciso respirar fundo. Olho em redor: ao canto, encostado ao muro decorado por dezenas de craveiros com flores (alguns com ervas de cheiros), o que foi piscina privada: minha, da minha irmã e dos outros meninos da vizinhança, o tanque para lavar a roupa que todas as vizinhas utilizavam e a piscina privada da garotada em tardes de verão. Pelo ar filas de arame onde se pendurava a roupa para secar.

Ganha a coragem necessária, abrimos a porta e entramos na divisão da casa que foi primeiro a minha sala de jantar mas que depois o meu pai com uma divisória de madeira transformou em duas divisões: na primeira a torneira da água que abastecia a casa, o grande espelho quadrado onde o meu pai gostava de ajeitar o chapéu e a máquina de costura “singer” onde a minha madrinha costurava. Na outra, com a independência que a parede de madeira garantia, o meu quarto.

Seguia-se a cozinha enorme, com a chaminé onde o fogão de lenha permitiu a água quente e a confeção dos alimentos. Ao fundo, à esquerda o poial dos cântaros decorado com inúmeros utensílios de barro e janela que não só iluminava toda a casa mas também me ligava aos vizinhos do Páteo exterior, os Carêtos e os filhos Augusto, Manuel, Antónia Rita, Maria Antónia e a Célia. Do lado direito a entrada para dois outros espaços: o quarto dos meus pais e da minha irmã e a casa de jantar, ambos com amplas janelas viradas para a muralha.

Sim, esta é a minha casa. Está bem bonita. Ostenta agora, esta e as restantes, pinturas, altares e pormenores antes tapados pela cal branca que desconhecíamos.

Regresso à varanda (não á realidade) e consigo ver/ver-me com a Clarisse e o “Dioguinho” em brincadeiras com jogos inventados ou com os brinquedos do único dos três que os possuía e partilhava. Vejo o Manuel Dias e o João Barradas já homens a saírem depois do trabalho para a coletividade ou o cinema, vejo-me na casa da vizinha Constança a escolher os livros de banda desenhada (os livros de “cobóis”) que o Manuel Dias me emprestava.

Vejo e ouço os diferentes vizinhos sentados em cadeiras de bunho a cavaquear uns com os outros na noites quentes de verão enquanto nós, os mais pequenos transformávamos a varanda em território de disputas entre “ indíos e cóbois” ou em interessantes partidas de futebol em que não poucas vezes a bola “voava” para a cerca e era preciso esperar pelo dia seguinte para que o Sr. Matias, responsável pelos carreiras ou a Maria Jacinta – a cozinheira dos proprietários, abrissem o portão e nos permitissem a recolha.

E vejo ainda (tão nítido) uma mesa estendida por toda a varanda com muitos amigos à volta a celebrarem o meu casamento, nessa altura com mais uma família a morar ali e por isso na minha boda, a família Casaca, ele médico veterinário e ela professora.

Volto à realidade. Quatro décadas depois, é lindo voltar a pisar aquele chão e, mais lindo ainda, viver o Convento da Luz, reabilitado, lindo, e pronto para iniciar um novo ciclo, com novas funções, novas cores, novos espaços e novos “moradores”.

Como a generalidade dos arronchenses orgulho-me do que Arronches é. Esta obra redobra o meu orgulho. É a minha casa!

Diogo Júlio Serra

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