O MEU CONVENTO
Após um tempo em que a sua degradação me doía, o Convento da Luz, totalmente reabilitado abriu-se aos Arronchenses e a quantos o quiserem visitar.
Dia 15 de Dezembro de 2023 uma
data a juntar àquela outra do século XVI em que o Convento nasceu pela mão dos
Agostinhos Calçados voltei ao Convento.
Sim, voltei ao Convento e como
todos maravilhei-me com os resultados da sua reabilitação. Percorri os Claustros
(para mim serão sempre – a cerca) e as belas salas do primeiro andar depois de
subir os 28 degraus divididos por dois lanços e retomei a minha meninice. Os
meus olhos foram substituídos pelas memórias.
Ao cimo da escadaria vi o que já
lá não está! À minha direita a porta de entrada da residência dos proprietários
– “o menino Dioguinho”, menino como eu e meu padrinho de batizo e os pais Diogo
António Pereira e Dª Aninhas Salgueiro. Em frente, sobre as copas das
laranjeiras, que não estão lá, um conjunto de 6 janelas que da direita para a
esquerda iluminavam o vestíbulo, a cozinha (duas), a sala dos passados e o
quarto de dormir das empregadas dos proprietários. Seguia-se a que me era mais
querida a que iluminava o quarto onde dormi desde os cinco aos vinte sete anos.
Vinte e dois anos porque os primeiros cinco foram “vividos” os dois primeiros
no quarto dos meus pais e os três restantes, após o falecimento da minha mãe,
em casa dos meus avós maternos.
Passeio-me pela “varanda” a mesma
em fui fotografado ao colo da minha madrinha no dia em que me batizaram, confiro
cada uma das portas por onde passo. A primeira sem número - a casa da matança -
a que se seguem as habitações arrendadas a famílias diversas.
No nº 2, a residência composta de
cozinha e um quarto no r/c e com acesso por uma escada de madeira, um quarto no
primeiro piso onde viviam a vizinha Joaquina com o marido e dois filhos –
Jaulino e Davide, consigo ouvir as gargalhadas do vizinho Zé à lareira a
Jantar. Passo ao nº 3 (número de policia) e frente à porta revejo décadas da
minha vida. Vejo o meu avô Domingos nos últimos tempos em Arronches e vejo
sobretudo a minha primeira residência de casado. A casa onde nasceu a minha
filha e consigo ouvir-nos aos três.
Imediatamente ao lado, a primeira residência
(grande) que ocupava toda a fundura do Convento, a casa dos vizinhos Aurélio e
Constança e do Manuel Dias (sobrinho) Eles mestres pedreiros e ela doméstica.
Continuo a percorrer a varanda e paro no nº 5 a casa do vizinho Barradas e dos
seus filhos, o João, a Clarisse e o Estevão e recordo quando lhes batia à porta
e aberto o postigo a primeira imagem que tínhamos era a luz da grande janela da
cozinha virada para o Páteo.
Segue-se o nº 6. Agora é preciso
respirar fundo. Olho em redor: ao canto, encostado ao muro decorado por dezenas
de craveiros com flores (alguns com ervas de cheiros), o que foi piscina
privada: minha, da minha irmã e dos outros meninos da vizinhança, o tanque para
lavar a roupa que todas as vizinhas utilizavam e a piscina privada da garotada
em tardes de verão. Pelo ar filas de arame onde se pendurava a roupa para
secar.
Ganha a coragem necessária,
abrimos a porta e entramos na divisão da casa que foi primeiro a minha sala de
jantar mas que depois o meu pai com uma divisória de madeira transformou em
duas divisões: na primeira a torneira da água que abastecia a casa, o grande
espelho quadrado onde o meu pai gostava de ajeitar o chapéu e a máquina de
costura “singer” onde a minha madrinha costurava. Na outra, com a independência
que a parede de madeira garantia, o meu quarto.
Seguia-se a cozinha enorme, com a
chaminé onde o fogão de lenha permitiu a água quente e a confeção dos
alimentos. Ao fundo, à esquerda o poial dos cântaros decorado com inúmeros utensílios
de barro e janela que não só iluminava toda a casa mas também me ligava aos
vizinhos do Páteo exterior, os Carêtos e os filhos Augusto, Manuel, Antónia
Rita, Maria Antónia e a Célia. Do lado direito a entrada para dois outros
espaços: o quarto dos meus pais e da minha irmã e a casa de jantar, ambos com
amplas janelas viradas para a muralha.
Sim, esta é a minha casa. Está
bem bonita. Ostenta agora, esta e as restantes, pinturas, altares e pormenores
antes tapados pela cal branca que desconhecíamos.
Regresso à varanda (não á
realidade) e consigo ver/ver-me com a Clarisse e o “Dioguinho” em brincadeiras
com jogos inventados ou com os brinquedos do único dos três que os possuía e
partilhava. Vejo o Manuel Dias e o João Barradas já homens a saírem depois do
trabalho para a coletividade ou o cinema, vejo-me na casa da vizinha Constança
a escolher os livros de banda desenhada (os livros de “cobóis”) que o Manuel
Dias me emprestava.
Vejo e ouço os diferentes
vizinhos sentados em cadeiras de bunho a cavaquear uns com os outros na noites
quentes de verão enquanto nós, os mais pequenos transformávamos a varanda em
território de disputas entre “ indíos e cóbois” ou em interessantes partidas de
futebol em que não poucas vezes a bola “voava” para a cerca e era preciso
esperar pelo dia seguinte para que o Sr. Matias, responsável pelos carreiras ou
a Maria Jacinta – a cozinheira dos proprietários, abrissem o portão e nos
permitissem a recolha.
E vejo ainda (tão nítido) uma
mesa estendida por toda a varanda com muitos amigos à volta a celebrarem o meu
casamento, nessa altura com mais uma família a morar ali e por isso na minha
boda, a família Casaca, ele médico veterinário e ela professora.
Volto à realidade. Quatro décadas
depois, é lindo voltar a pisar aquele chão e, mais lindo ainda, viver o
Convento da Luz, reabilitado, lindo, e pronto para iniciar um novo ciclo, com
novas funções, novas cores, novos espaços e novos “moradores”.
Como a generalidade dos
arronchenses orgulho-me do que Arronches é. Esta obra redobra o meu orgulho. É
a minha casa!
Diogo Júlio Serra
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