quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

(Des) Qualificações

 




(Des) qualificações

Comunicação de Diogo Serra em representação da CGTP-IN

Portalegre, 15-12-2022

 

Cumprimentos e

Agradecimentos

 

Em jeito de abertura

 

Permitam-me que inicie a minha comunicação com uma declaração de interesses.

Sou militante e ativista sindical, iniciei a minha atividade laboral no inicio da segunda metade do século passado com 10 anos e 358 dias e mantive-me como trabalhador por conta de outrem até ao dia 1 de Outubro de 2019.

Entretanto estudei à noite e licenciei-me em 2004, então com 51 anos e terminei já este ano uma pós graduação na Lusófona.

Como trabalhador por conta de outrem, como sindicalista posiciono-me sobre a realidade e olho o mundo numa perspetiva de classe, perspetiva que entende e defende a luta de classes como motor das sociedades.

Isto para acentuar que defendo a necessidade e vantagens da valorização dos trabalhadores. Sempre!

Que o meu olhar sobre estas matérias é sempre feito na perspectiva dos trabalhadores assalariados, ou como se dizia quando cheguei ao mercado de trabalho, na perspectiva da classe trabalhadora.

Registada a declaração de interesses passemos ao que aqui nos traz!

Portugal é hoje um país muito diferente, para melhor, do país que me acolheu no mercado de trabalho no ano de 1963, acabada a instrução primária (4 anos de escolaridade), que era à data a escolaridade obrigatória. Então, a esmagadora maioria da população ativa não tinha sequer 4 anos de escolaridade (o regime ditatorial rompera o sonho dos obreiros da 1ª Republica) e o próprio Salazar entendia que o fundamental era saber ler e contar).

A situação hoje é felizmente bem diferente:

Numa população ativa de 5,151 milhões de pessoas, 64,41% tem o ensino Secundário ou mais e 33,81% tem o ensino superior.

No Alentejo a situação evoluiu na mesma direção e também aqui estamos alinhados com a média nacional. Numa população ativa de 350 mil indivíduos 29% tem o ensino superior e 66% possuem pelo menos o 12º ano.

No distrito onde nos encontramos, o mais envelhecido e que maior número de população perdeu entre 2011 e 2021 os números dão conta que a escolaridade da população ativa, embora ligeiramente abaixo da média regional, tem vindo a crescer. Aqui, 50% dos trabalhadores ativos possuem apenas os nove anos de escolaridade, ou menos. São números a que não estará alheia a situação de envelhecimento populacional.

Todos sabemos que nem sempre os níveis de escolaridade correspondem a níveis de qualificação mas parece-me importante começarmos por reconhecer que não existe nenhuma evidência que nos mostre que o desemprego ou as dificuldades de recrutamento das empresas se devem à falta de formação dos trabalhadores.

Empresas onde é exigido um elevado nível de qualificações como no sector eléctrico por exemplo, asseguram a formação inicial muitas vezes, noutras vezes é evidente que a dificuldade de contratar não se deve à falta de qualificações mas sim à falta de condições dignas de trabalho.

          Vejamos a EDP. A empresa tem conseguido renovar os seus quadros operacionais, assumindo-se como uma das empresas com maior percentagem de trabalhadores jovens, com menos de 40 anos. Tem esta capacidade porque é das poucas que ainda mantém e negoceia o CCT com os sindicatos da CGTP-IN (Fiequimetal).Todavia esta situação poderá vir a mudar face à vontade desta empresa em eliminar direitos conquistados ainda quando era uma empresa pública e ao recurso ao outsourcing com empresas onde não existe contratação colectiva.

Olhemos a Visabeira uma empresa que trabalha para a EDP cuja acção prova que o problema não é falta de qualificações.

          Também aqui existem trabalhadores qualificados e muitos outros jovens com grande capacidade de adaptação e aprendizagem. A realidade é que esta contrata através de uma empresa de trabalho temporário especializada, a Artifel, não oferecendo estabilidade, e apresenta contratos individuais de trabalho cuja área de trabalho é todo o país. Os trabalhadores jovens, muitos deles jovens pais, não aceitam esta condição de total "disponibilidade" e ou mudam de empresa ou, para as mesmas condições mudam de país e triplicam o salário.

Uma outra ideia errada que queria rebater.

Está criada a ideia de que os trabalhadores não valorizam a qualificação. Ora isso não corresponde à verdade. Nesta questão, na formação e nas qualificações, como em relação aos horários de trabalho, houve uma clara evolução da consciência dos trabalhadores enquanto se verificou uma significativa regressão por parte dos empregadores.

Alguns exemplos:

Na Administração Pública com a introdução da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas e a definição do SIADAP como forma de "progressão" salarial, na Administração Pública as formações que os trabalhadores frequentam, as suas licenciaturas e mestrados, não são valorizados.

Um trabalhador que se licencie, por exemplo um assistente técnico, só passa de uma carreira para outra, de assistente técnico para técnico superior, por vontade política do gestor de recursos humanos. E são talvez milhares os trabalhadores da Administração Pública que, tendo-se licenciado e exercendo funções de técnico superior, não vêm os seus salários valorizados. 

Agora um caso no nosso distrito, o Matadouro de Sousel. Um exemplo ilustrativo da pouca valorização que as empresas dão à qualificação dos trabalhadores.

O Matadouro recorre a uma empresa de trabalho temporário especializada, a Braspremieree, para substituir trabalhadores efectivos e altamente qualificados, por trabalhadores sem vínculo e com poucos direitos.

No geral, se os trabalhadores não estão abrangidos por um contrato colectivo de trabalho que possibilite a sua valorização, a sua actualização salarial anual, prémios de desempenho regulares e não discricionários e outros, não verão alguma vantagem na formação e na sua evolução profissional pois a esta não vai corresponder qualquer benefício para a sua vida.

Importa perceber, em particular os empregadores e o governo, que este caminho de desregulação dos horários de trabalho, de proliferação do trabalho por turnos e de intensificação dos ritmos de trabalho não possibilita nem incentiva a frequência de formação profissional ou outra por parte dos trabalhadores.

É muito difícil organizar turmas de formação pós-laboral entre trabalhadores que não têm um horário fixo, mesmo que haja vontade e necessidade por parte dos trabalhadores, como são exemplos no distrito a Hutchinson, em Portalegre, a Dardico, em Avis entre outras.

A generalidade das empresas não só não estão interessadas como exercem resistência em cumprirem com a obrigação das 40h de formação anual em contexto laboral. A União dos Sindicatos do Norte Alentejano tem proposto, através do seu protocolo com o Inovinter, estas formações mas apenas a empresa SNEF uma empresa do sector eléctrico sedeada em Elvas aceitou aproveitar essa possibilidade.

E não se trata apenas da formação a trabalhadores autóctones.

          Num tempo em que face às dificuldades de contratação se aponta como solução a contratação de trabalhadores estrangeiros, quando todos reconhecemos que o domínio da língua é fundamental quer para a integração desses trabalhadores quer para o funcionamento das empresas. Num tempo  em que a casa onde estamos - o IEFP- se tem empenhado em garantir o ensino do português aos imigrantes e refugiados que estão entre nós, o Matadouro de Sousel com quem a USNA contactou para que os ajudassem a abrir a turma de Português Língua de Acolhimento em Avis - já que esta empresa, tem ao seu serviço cada vez mais trabalhadores estrangeiros – nem sequer obteve resposta. E tratava-se, de formação fora do horário laboral.

Ou melhor, teve resposta: a empresa prolongou o horário de trabalho impedindo que a estrutura sindical e os trabalhadores encontrassem uma solução para a deslocação destes até Avis.

Como coloquei no início, não existem evidências que confirmem que o desemprego ou as dificuldades de recrutamento das empresas se devem à falta de formação dos trabalhadores. A razão, ou pelo menos a razão principal dever-se-á muito mais à perda e envelhecimento acelerado da nossa população.

Os censos de 21 mostraram de forma clara a dureza de tal situação.

O distrito onde nos encontramos é ilustrativo dessa realidade: Registou perda de população em todos os 15 concelhos que o formam e no total viu-se reduzido em 11,4% ou seja menos 13.517 habitantes.

Dito de outra forma. Em dez anos o distrito perdeu habitantes em número igual ao que teria perdido se tivéssemos visto desaparecer os concelhos de Arronches, Fronteira, Marvão, Monforte e metade de Alter do Chão.

A questão da formação e das qualificações não são desligadas das dificuldades de mobilidade da população do Alentejo. Os trabalhadores ou se deslocam de carro ou não se deslocam de todo.

Não é possível definir objectivos ambiciosos nesta área, como em outras, sem colectivamente exigirmos a concretização dos direitos dos cidadãos do Alentejo como trabalhadores e como portugueses. Direito ao trabalho com direitos: com horários regulados, formação profissional, salários dignos e, para os tornar possíveis, o fim da lei travão da contratação colectiva.

O direito à mobilidade, aos transportes públicos, à requalificação da rodovia, e o acesso à ferrovia que no distrito onde estamos se mantém no século XIX.

Devemos desistir da formação e da qualificação dos nossos trabalhadores? Definitivamente não!

 

Mas não ignoremos que, se esse esforço não for acompanhado por outros, corremos o risco de continuarmos a qualificar excelentes profissionais para irem ajudar a desenvolver (ainda mais) os países que facilmente atraem os nossos jovens.

Lembremos a machete, de há três dias, do Diário de Noticias. Espreitemos quem são os suportes do sistema de saúde inglês.

 

Muito Obrigado.

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