quinta-feira, 30 de junho de 2022

O Que são Vinte anos....

 

O que são vinte anos na vida de um (território) 

alentejano



Vinte anos e uma medalha de ouro depois, um ministro da Administração Interna volta a dizer-nos que agora é que vai ser.

José Luís Carneiro veio a Portalegre presidir ao compromisso de honra dos novos militares da GNR e, em conversa com jornalistas garantiu que as obras do novo Centro de Formação da GNR vão avançar. Trata-se, disse, de um investimento de 25 milhões de euros, há muito prometido e que a cidade e região aspiram ver concretizado.

Lembrou tratar-se de um investimento previsto e prometido “ há mais de 20 anos” tendo mesmo afirmado, diz-nos a comunicação social: “lembro que desde 2001,2002, se anda a falar desse investimento, estamos, portanto, a concretizar este investimento que já leva mais de 20 anos de desejo e vontade de se concretizar”.

Não sei se disse, ou sequer se a comunicação social presente lho perguntou, que de entre os Ministros da Administração Interna dos 10 governos que entretanto estiveram no poder um deles chegou a receber a Medalha de Ouro da cidade de Portalegre, por “conta” de tal investimento e da sua importância para a cidade e região.

Não sei, também, se a comunicação social presente o questionou sobre o facto de estar, também ele, a prometer a execução urgente (dentro de ano e meio) da…criação do projeto de concessão e execução. Sendo depois lançado o concurso para a obra.

Ou seja, se tudo correr bem, haverá um ano (um dia, uma hora) em que neste território há muito abandonado à sua sorte, teremos “festa rija” para inaugurarmos a Escola de Formação prometida há mais de 20 anos, a barragem do Pisão prometida muitas vezes e por diferentes personagens ao longo de meio século, a eletrificação da Linha (férrea) do Leste e a sua conexão com a linha Sines/Caia, a concretização do IC13, a ligação rodoviária em perfil de autoestrada entre a A6 e a A23 e, quem sabe, ainda tenhamos oportunidade para inaugurarmos no mesmo dia, a ponte internacional entre Montalvão e Cedilho.

O senhor Ministro não disse, e ao que parece também ninguém lho perguntou, se tem noção de quantos foram os governos (e os ministros da Administração Interna) que se foram somando sem cumprirem o prometido, quais os nomes dos seus responsáveis e as forças politicas que os suportavam.

Eu que ainda me lembro de um outro governante ter vindo a Portalegre anunciar investimentos em Évora e em Beja confesso ter muito pouca capacidade para “fingir de parvo” e, talvez por isso, fui verificar quem foram os governos e os ministros cujo esquecimento das promessas feitas deixa admirado José Luís Carneiro. Aqui ficam:

XIV Governo Constitucional (1999/2002) PM (Primeiro-ministro) António Gueterres; MAI (ministro da Administração Interna) Nuno Severiano Teixeira.

XV Governo Constitucional (2002/2004) PM - Durão Barroso; MAI – Figueiredo Lopes.

XVI Governo Constitucional (2004/2005) PM – Santana Lopes; MAI – Daniel Sanches.

XVII Governo Constitucional (2005/2009) PM – José Sócrates; MAI – António Costa.

XVIII Governo Constitucional (2009/2011) PM – José Sócrates; MAI – Rui Pereira.

XIX Governo Constitucional (2011/2015) PM – Passos Coelho; MAI – Anabela Rodrigues.

XX Governo Constitucional (2015/2015) PM – Passos Coelho; MAI - João Calvão da Silva.

XXI Governo Constitucional (2015/2019) PM – António Costa; MAI – Eduardo Cabrita.

XXII Governo Constitucional (2019/2021) PM – António Costa; MAI – Francisca Van Dunem.

E já agora, para os mais distraídos, vale a pena lembrar que o Ministro da Administração Interna a quem o Município de Portalegre atribuiu a Medalha de Ouro da Cidade pelo “seu empenhamento” na construção em Portalegre da nova escola da GNR foi o Dr. António Costa que é, desde 2015 Primeiro-ministro de Portugal.

Será que são necessárias mais umas medalhas?

Se assim for, ainda bem que serão de ouro porque…se as medalhas tivessem que ser de cortiça, tínhamos um grave problema: já encerrou a corticeira.

Diogo Júlio Serra

sexta-feira, 17 de junho de 2022

Palavras leva-as o vento. É pela luta que lá vamos!

 


Palavras leva-as o vento. É pela luta que lá vamos!

 

A Declaração da OIT – Organização Internacional do Trabalho passará a integrar uma nova categoria de direitos: O direito a um ambiente de trabalho seguro e saudável.

Este direito agora aprovado junta-se aos quatro que faziam já parte da declaração adoptada em 1998: a liberdade de associação e o reconhecimento efectivo do direito à negociação colectiva, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a abolição efectiva do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego e profissão.

É uma boa notícia para os trabalhadores e um avanço significativo nos direitos regulamentados em instituições internacionais.

Por cá, ao que parece, a gravíssima situação com quem se debatem os trabalhadores e que faz crescer o número dos que empobrecem a trabalhar fez tilintar campainhas no gabinete do 1º ministro e despertar António Costa para a realidade que o Movimento Sindical de Classe há muito vem denunciando: a distribuição da riqueza produzida em desfavor do trabalho, coloca o nosso país como “campeão” no que respeita à apropriação, pelo capital, da riqueza produzida e dessa realidade estar a destruir a economia e a levar à ruína grande parte do nosso tecido económico, baseado em pequenas e muito pequenas empresas suportadas pelo mercado interno e assente no poder de compra das famílias em particular dos trabalhadores por conta de outrem.

É por demais compreensível a necessidade de aumentar significativamente o salário médio em Portugal que, registe-se está a ser “devorado” pelo também baixíssimo salário mínimo nacional. Já não o será a forma como o Primeiro-Ministro colocou essa necessidade na agenda política.

De facto, não é pelo apelo à consciência social de quem todos sabemos não a ter ou avançando números de aumentos nominais que podem produzir impacto mediático mas não garantem, mesmo que aplicados a correcção dos males conhecidos.

Vejamos:

Que “moral” tem o governo central para apontar crescimentos médios de 5% ao ano quando enquanto empregador impõe aos seus trabalhadores aumentos de 0,9% para um ano em que a inflação se estima ultrapassará os 8% ?

Como é que pode ser sincera a vontade de fazer crescer (mesmo que nominalmente) os salários médios quando se recusa anular a legislação/travão colocada à negociação colectiva nos tempos da troika?

É, dir-me-ão alguns, uma aposta na sensibilização do capital para que este assuma o papel social das empresas no esforço que é necessário para valorizar o trabalho e os trabalhadores. Se o é, a situação é ainda mais grave. Significa que o Primeiro Ministro não conhece quer os patrões e as suas associações, quer os seus próprios ministros.

A “gritaria” que de imediato foi organizada contra esse “atentado” ao sacrossanto lucro envolve as associações patronais, membros do governo e segmentos do partido que o suporta.

 Não há saída para a situação? Não há nada a fazer? Só nos resta aceitar?

Claro que não. Claro que há solução e nem é preciso inventar nada de novo.

A solução está como sempre na união, mobilização e vontade de quem produz a riqueza  e esses não são quem um dirigente associativo patronal veio esta semana dizer a Portalegre. Não são o sector privado (ou público). São os trabalhadores e estes a partir do Alto Alentejo deram-nos nos últimos dias sinais de grande alento: os trabalhadores da empresa Águas de Portugal e os trabalhadores da Corticeira Amorim em Ponte de Sor,  na rua e em luta, mostraram-nos que é possível!

Que não se cansem. Que o seu exemplo frutifique. Porque é com a luta que lá vamos!

 

Diogo Júlio Serra

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Entre a Palavra e a Acção. Um Oceano de distância!

 


ENTRE A PALAVRA E A ACÇÃO, UM OCEANO DE DISTÂNCIA!*

No dia em que Portalegre assinalou o 472º aniversário da sua elevação a cidade a Secretária de Estado do Interior, Isabel Ferreira, presente na inauguração de uma nova unidade hoteleira em Portalegre, afirmou que é fundamental para o país e particularmente para o nosso distrito e região travar as continuas perdas demográficas e garantir o crescimento populacional através de uma maior atratividade de população jovem e da capacidade para manter na região os jovens que aqui nascem e se formam.

Palavras aplaudidas por quantos as escutaram uma vez que ilustram as nossas preocupações e retratam as nossas reivindicações e anseios.

Pois bem, quatro dias depois o Governo fazia aprovar na Assembleia da Republica, o Orçamento do Estado para 2022 com os votos favoráveis do Partido que lhe garante o apoio maioritário no Parlamento, o Partido Socialista, mais a abstenção dos três deputados do PSD/Madeira e dos deputados únicos do PAN e do Livre.

Esperar-se-ía, tendo presente as palavras da Sra. Secretária de Estado, quatro dias antes em Portalegre, que esse documento acolheria as políticas necessárias e indispensáveis ao garantir da fixação e atração da população jovem no país e particularmente no interior. Engano nosso.

O orçamento aprovado dá continuidade e suporte às políticas que nos trouxeram até aqui: políticas centralistas e centralizadoras, que concentram a riqueza produzida nos “bolsos dos do costume”, políticas de baixos salários e pensões de miséria que impõem aos trabalhadores essa “coisa” incompreensível que é empobrecer a trabalhar.

O governo e o partido que o suporta impuseram no O.E. a continuidade e intensificação do empobrecimento dos trabalhadores e dos reformados e pensionistas ao persistirem nos aumentos (vergonhosos) de 0,9% para a função pública que tem os salários congelados há uma década e de 10 euros mensais para as pensões até 1.100 euros quando é público que a inflação atingiu já os 7,2% de aumento.

Não é preciso escrever ou dizer muito mais sobre a vontade do governo em continuar e até intensificar as mesmíssimas politicas que já colocam o país nos últimos patamares dos países membros da U.E. e a nossa região no último lugar do país no que respeita à riqueza distribuída, aos níveis de emprego, ao investimento público e à qualidade dos serviços públicos disponibilizados.

Não são precisos mais exemplos para percebermos, todos, a diferença enorme que separa o discurso da acção do governo e dos seus membros.

Aliás, se necessidade houvesse, de acrescentar mais exemplos dessa realidade bastar-nos-ia recordar que do tão celebrado PRR – Plano de Recuperação e Resiliência que o Primeiro Ministro batizou com nome guerreiro, se destinou para o nosso distrito uma migalha, na totalidade absorvida por três “obras”: a barragem do Pisão, a área empresarial de Campo Maior e uma rotunda na estrada Arronches/Portalegre e que para a região Alentejo o investimento publico previsto é de 1,1% do PRR.

O Quadro abaixo, divulgado no site Mais Transparência, dá-nos conta da situação no Alentejo em Abril de 2022 no que se refere à aplicação do PRR.

 

E não, não se trata de possuirmos ou não os meios necessários. São opções na distribuição dos meios existentes. Opção tão claras ( e tão iguais) como as que levaram os governantes a optarem pelo capital na distribuição da riqueza produzida ou, pela politica de fomento da guerra quando optaram pelo seu reforço com os mais 250 milhões de euros anunciados pelo primeiro ministro em Kiev.

São as opções deles. Saibamos nós assumirmos as nossas!

Diogo Júlio Serra

* publicado jo Jornal Alto Alentejo de 1-6-22

1º de Maio em Arronches

 


1º DE MAIO – DIA DA CLASSE TRABALHADORA

Neste ano de 2022, em Portugal, voltámos a comemorar Maio em Liberdade.

Com organização da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, os trabalhadores voltaram a sair à rua para com alegria e luta celebrarem os seus heróis, assinalarem as suas vitórias, reivindicarem trabalho digno com reposição de direitos e novas conquistas civilizacionais.

Nem sempre foi assim em Portugal. Ainda não pode ser assim em muitos países e regiões.

O Primeiro de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores, é assinalado em todo o mundo mas ainda não o é, em muitos locais, em Liberdade.

Em jeito de história.

O primeiro de Maio foi proclamado como dia Internacional dos Trabalhadores pelo Congresso Socialista reunido em Paris no ano de 1889, em homenagem à luta dos trabalhadores têxteis de Chicago e às suas reivindicações e como repudio à repressão que sobre eles se abateu três anos antes.

A partir de 1890, não mais se deixou de assinalar este dia com ações reivindicativas, com festa e luta conforme os condicionalismos vividos pelos trabalhadores de cada país.

Em Portugal a data foi assinalada desde o primeiro ano, até porque no Congresso de Paris haviam participado como delegados, os portugueses Manuel Luís de Figueiredo e Francisco Viterbo de Campos. Em Lisboa cerca de 8 mil pessoas realizaram uma romagem à campa de José Fontana local onde intervieram Evaristo Judícibus e Manuel Luís de Figueiredo. No Porto realiza-se uma concentração no Monte Aventino que juntou milhares de trabalhadores.

No nosso distrito e em particular na cidade de Portalegre o 1º de Maio começa também a ser assinalado logo em 1890 mas tão só com referências na imprensa local. As sessões públicas só se iniciam em 1893 e só em 1898 acontece a primeira manifestação de rua.

O 1º de Maio em Arronches

A história do movimento operário no nosso concelho ainda está por fazer. Muitos dos registos que chegaram até nós constam das atas do município ou dos registos de correspondentes locais de alguns dos jornais operários e republicanos da época, na sua maioria já do período republicano.

Tendo em conta que Arronches era um” baluarte do republicanismo” e conhecida a existência de operários (artesãos e rurais) entre os seus principais vultos será fácil percecionarmos que as movimentações operarias e em particular o 1º de Maio não ficaram à porta do concelho. Aliás, a atribuição do nome 1º de Maio ao Passeio Publico, nos primeiros anos da república e a forma como aqui foi recebida a Comissão Executiva do Congresso Operário em digressão de propaganda junto do mundo rural, bem como as referências registadas à ação e influência no seio do Movimento Republicano (ainda durante a monarquia) do operário José Lopes, podem confirmar tal ideia.

A queda da 1ª Republica e a imposição da ditadura militar e do salazarismo dificultaram, também aqui, quaisquer ações públicas de comemoração operária mas, mesmo assim, eram “normais” e publicas as pequenas ações e gestos que desafiando a ditadura assinalavam a data.

Os mais velhos recordamos o “ Mestre Armando”, mecânico, natural de Alcântara, casado com Dona Ana Elói e residente ao cimo da rua do Arco.

Era mecânico (e também conduzia o carro de aluguer) da estação de serviços do Sr. Marcelino Salgueiro. Sempre de fato de macaco de ganga azul, de operário como gostava de ensinar aos mais jovens. Trabalhador incansável trabalhava todos os dias de semana, feriados e dias santos. A exceção era o dia 1 de Maio. Nesse dia pura e simplesmente não trabalhava e era vê-lo manhã cedo na Praça da Republica e depois no Café Lusitano, fato completo e gravata vermelha, a comemorar o Dia Internacional do Trabalhador e, dessa forma, a afrontar a ditadura.

A Revolução de Abril abriu as prisões e as mentes. O 1º de Maio de 1974 foi o mar de gente que validou o Movimento dos Capitães e o regime democrático. Do que foi nas grandes cidades e particularmente em Lisboa existem registos suficientes para o atestarmos.

Em Arronches foi igualmente o dia maior da nossa história moderna. Foi de longe a maior manifestação alguma vez aqui realizada mas foi também o dia em que a esmagadora maioria dos arronchenses estiveram juntos e felizes.

A Manifestação do 1º de Maio, organizada a partir do Centro Republicano por ativistas do MDP e por “velhos republicanos” foi de facto uma enorme manifestação de unidade e liberdade.

Aos arronchenses convocados/avisados através da aparelhagem sonora montada na “4L” com que o Zé Martinho anunciava as sessões de cinema e pelas vozes do comerciante António Bigares e do Carteiro Luís Balbino, juntaram-se mais umas dezenas de manifestantes vindos de Portalegre com o Eduardo Basso. Todos, levando à frente a bandeira nacional empunhada por mestre Carrefe e mestre Luís Balbino percorreram as principais ruas da vila e na Praça escutaram os discursos proferidos da varanda do Centro Republicano Arronchense.

Em 1975, em condições já muito diferentes, com uma intensa luta partidária que opunha em particular socialistas e comunistas foi ainda possível, em Arronches, comemorar Maio em Unidade.

Foi possível porque amizade e respeito que unia os protagonistas locais foi mais forte que as diretrizes partidárias.

Estava anunciada, então já pelo movimento sindical, a manifestação e comício na praça da Republica, quando a estrutura local do Partido Socialista, seguindo as diretivas nacionais anunciou o “seu” Primeiro de Maio com piqueniques no campo.

Foi necessário por em ação o respeito e a amizade que unia todos os que aqui tinham uma palavra a dizer. E funcionou! De manhã, com todos, (as fotos mostram as várias bandeiras das forças politicas presentes) na manifestação e comício na Praça da Republica. De tarde, todos, no convívio campestre com piquenique e bailarico nos terrenos adjacentes.

A partir desse ano, o Primeiro de Maio não voltou a ser comemorado em Arronches, com ações de rua. As comemorações passaram a ser distritais e todos os arronchenses que o pretendiam passaram a deslocar-se para Portalegre.

 

Diogo Júlio Serra