É COM ABRIL QUE SE ESCREVE O FUTURO!
No momento em que escrevo não está ainda claro quais vão ser os próximos
passos no caminhar que o chumbo do Orçamento que o PS queria para o país,
despoletou.
Não estão também minimamente clarificadas as vontades que levaram a esta
situação nem, longe disso, o que move o Presidente da República neste mergulhar
em frente e apostar na dissolução da Assembleia da República e em eleições
intercalares.
O tempo é ainda o de tratar a acidez que se apoderou de muitos organismos e
que não permite uma leitura desapaixonada do que se passou e do que se perspectiva.
Face à questão “ quem matou a geringonça?”, terminologia feliz usada pelo
jornalista Pedro Tadeu num jornal dito de referência, serão poucos os que leram
e reflectiram sobre o que este publicou e muitos, demasiados, os que “feridos
no seu orgulho” ou amedrontados no seu futuro já acharam os responsáveis: os
partidos à esquerda do PS, BE e PCP. Os mesmíssimos, particularmente o último,
a quem se deve o nascimento e manutenção do que a direita apelidou
pejorativamente de “GERINGONÇA”.
Quando a poeira assentar. Quanto a todos for possível uma análise crítica
ao que se passou nos corredores do poder e aos comportamentos do governo e de
cada um dos partidos que foram aprovando ou deixando passar os vários
Orçamentos de Estado desde 2015 serão muitos a constatar que, o ponto a que se
chegou, no dizer de Pedro Tadeu, à morte da Geringonça, não nasceu de geração
espontânea e muito menos ocorreu num episódio de morte súbita. Não, a morte foi
sendo perpetrada por atentados vários que a feriram, exauriram e por fim a
assassinaram.
Vejamos: são muitos os que no calor do momento gritaram a sua “angústia”
por face a um OE que não respondia quer às necessidades de vários setores da
sociedade, quer à vontade dos partidos “comprometidos” com uma solução à
esquerda.
Como é possível gritaram que PCP, PEV e BE, votem com a direita para
diziam, derrubar o governo?
Vamos a factos: os partidos à esquerda do PS votaram com a direita para o
derrube do governo? Não. Não e Não!
Os partidos à esquerda do PS votaram contra o projecto de OE apresentado e
no qual não viram aceites muitas das propostas formuladas e sobretudo não viam
estar garantida a sua execução.
A (má) experiência anterior com compromissos não honrados, com cativações a
travaram as propostas aprovadas e com sinais de inequívoca vontade de manter
muitas das medidas de usurpação de direitos que as troikas impuseram e tornaram
lei, não eram salvaguarda suficiente para que tal prática não persistisse.
Quem está a preparar-se (já o havia anunciado) para derrubar o governo é o
Presidente da República, eleito recentemente com o apoio do primeiro-ministro e
os votos de grande parte dos eleitores do Partido Socialista.
A segunda questão: os partidos à esquerda juntaram-se à direita nesta
votação do OE e isso é, dizem eles, coisa nunca vista. Sem procurar identificar
quais as razões que levaram a que cada deputado entendesse como mau, o
Orçamento proposto. Valerá a pena um breve olhar sobre as dezenas de vezes que
toda a direita, incluindo o PS, convergiu para impedir a aprovação de quaisquer
medidas favoráveis aos trabalhadores, à melhoria do SNS, do Ensino e/ou das
condições dos reformados.
Mas, e o governo e o seu primeiro-ministro queriam, como não se cansaram de
dizer, ter orçamento aprovado? Para encontrarmos tal resposta remeto-vos de
novo para o artigo que tenho vindo a citar e passando por cima dos muitos
exemplos cronologicamente datados a partir de 2019, deixo-lhes apenas os
exemplos mais próximos.
“Quando na discussão deste Orçamento do Estado o
governo apresenta um documento que nem PCP nem Bloco de Esquerda têm condições
de aceitar, por não garantir a aplicação imediata de inúmeras propostas em
discussão, como as creches gratuitas para todas as crianças, o aumento
extraordinário e abrangente de pensões, o baixar o IVA da electricidade, entre
muitas outras, liquidou a negociação. Este foi o tiro de bazuca que matou, de
vez, a geringonça.
Quando o secretário de Estado Adjunto do
primeiro-ministro, Tiago Antunes, mente na televisão ao dizer que o PCP exigiu,
sem cedências, a subida do salário mínimo para 850 euros já em janeiro, quando
na verdade aceitou 705 euros no início do ano e apenas 800 euros no final de
2022, fez de coveiro da então já falecida geringonça.”
Todavia, isto é já passado e o que importa para todos, cidadãos e instituições,
é o futuro que soubermos construir. Esse futuro para os que o querem construído
à esquerda, com políticas que coloquem na sua génese, a resposta aos problemas
dos trabalhadores no activo e na reforma, a economia (e não os capitalistas e
agiotas), a manutenção e não a destruição do nosso mundo, só poderá ser
atingido se somarmos em vez de dividirmos, se garantirmos que a “soberba” de
uns quantos não dinamite as estruturas e as vias que resistiram aos últimos
acontecimentos.
Um futuro capaz de combater as políticas de ódio e manter fechados os
armários onde durante décadas se acantonaram os derrotados em Abril só é
possível se passarmos rapidamente do “passa culpas” à tentativa séria de
perceber o que aconteceu e à vontade de não cometer os mesmos erros.
Porque nenhuma ilusão de hegemonia à esquerda, por mais legítima que o
seja, deve impedir o necessário entendimento para mantermos Abril no nosso
futuro.
Diogo Serra
(Editado no Jornal do Alto Alentejo)