E nós a
vê-los passar?*
O Corona vírus e a pandemia que
originou tornaram o “nosso” mundo mais incerto e perigoso e puseram a nu, o que
de errado temos vindo a fazer ou a permitir e os seus maléficos resultados.
Atingidos nas “nossas certezas” e
com medo do desconhecido, deixámo-nos confinar, abdicámos de direitos, demos
(alguns) rédea solta aos que procuram concentrar em si, sobretudo e sobre
todos, toda a riqueza produzida.
Anestesiados pelo medo e pela
força de uma comunicação orquestrada e paga pelos senhores do dinheiro. (Sim,
eu sei que não é toda assim orquestrada e paga. Alguns são só idiotas úteis,
armados em modernaços e, muito poucos, continuam a remar contra a maré). Fomos
achando natural, tudo quanto é anti-natural. Abdicámos da liberdade em troca de
uma ideia de segurança, abdicámos de rendimentos por medo do desemprego, aceitámos
por medo e desconhecimento continuar a pagar a nossa perda de liberdade, a
redução dos salários, de emprego e de felicidade.
Entretanto os senhores do
dinheiro e os capatazes que têm espalhado pelos centros de decisão e pelos “fazedores”
de opinião aceleraram o seu “trabalho”, para tornarem ainda mais eficientes as
suas actividades predadoras.
Olhemos para a situação vivida no
nosso território.
Milhares de famílias viram
reduzidos significativamente os seus já parcos rendimentos, seja por perda do
emprego, pelo encerramento dos seus pequenos negócios (encerramento obrigatório
ou por perda de clientes) ou pela imposição do Lay-off que lhes foi imposto –
uma forma de reduzir o rendimento dos trabalhadores e passar diretamente para
os donos do capital, quer a parte tirada aos trabalhadores, quer os subsídios,
também dinheiro dos trabalhadores, que lhes são doados através da Segurança
Social.
Apesar das “dádivas” ao patronato
serem feitas, dizem, para garantir a continuidade dos postos de trabalho, o
desemprego no distrito, é agora (dados de Junho) superior em mais de 23% ao
desemprego registado em Junho do ano passado.
As grandes empresas sugaram a
esmagadora maioria dos dinheiros disponibilizados e aproveitaram para despedir
mais umas centenas largas de trabalhadores, substituíram a palavra “despedir”
pela expressão “não renovar”, diferente na semântica mas de igual resultado.
Aproveitaram para reduzir rendimentos, obrigarem “ilegalmente” os seus
trabalhadores a gozarem férias antecipadas e aumentarem a jornada de trabalho.
Foi assim nas grandes cadeias de
supermercados, nas multinacionais do sector automóvel, nas empresas que monopolizam
o serviço de cantinas e bares em inúmeros serviços públicos, foi e é assim, nas
empresas de transportes colectivos, como a Rodoviária do Alentejo, a quem todos
nós e os seus trabalhadores, pagamos o serviço que esta não faz e assim, mantendo
os lucros e deixando os norte-alentejanos ainda mais isolados.
Do ponto de vista social o
retrato é igualmente aterrador.
As nossas crianças afastadas das
escolas e dos amigos tornaram-se prisioneiras nas suas próprias casas. Muitos
trabalhadores “obrigados” ao tele-trabalho aprenderam dolorosamente como esse
sistema de trabalho (que alguns pensaram ser um benefício) é afinal uma nova e
mais intensa arma de exploração dos trabalhadores que viram aumentados os
tempos de trabalho e passaram eles a suportar um número significativo dos
custos das empresas: Net, energia, higiene e limpeza, etc…
Os pais, obrigados a gozar as
férias em Março e Abril enfrentam agora Julho e Agosto, sem férias e sem local
onde deixarem os filhos e estes, com as escolas encerradas perderam em muitos
casos, o direito à única refeição completa que lhes era proporcionada.
Os idosos, em particular os
institucionalizados são, talvez, as principais vítimas desta situação.
Impedidos de serem visitados pelos seus familiares e confinados em instituições
impreparadas para fazerem face a esta situação sanitária.
A pandemia veio dar maior
visibilidade às consequências de mantermos uma forma “esclerosada” de
organização política, de um estado centralizador e que sistematicamente
abandona as regiões mais afastadas dos centros de decisão.
A situação de isolamento a que
estamos sujeitos sem transportes públicos rodoviários entre os concelhos do
distrito e entre este e o restante território e sem o transporte ferroviário
que queremos e merecemos é exemplo desse abandono.
O governo, (é cada vez mais
perceptível) faz parte do problema e não da solução, ao apoiar as decisões das
empresas concessionárias e subsidiadas, a não prestarem os serviços a que estão
comprometidas, como na passada sexta - feira, foi denunciado pelo Movimento
Sindical, ou a insistirem em afastar Portalegre e o distrito dos benefícios do
transporte ferroviário de passageiros e mercadorias.
E se dúvidas houvesse aí estão o
encerramento e desativação de linhas e ramais, a não modernização da Linha do
Leste e da sua aproximação à cidade de Portalegre. Aí está o traçado da linha
de alta velocidade entre Sines e Caia que, ao não parar em Elvas, apenas se
serve do nosso território como corredor de passagem e na melhor das hipóteses, como
miradouro privilegiado para vermos passar os comboios.
Só há um caminho. O que obrigou
governo e CP a voltarem a ter serviço de passageiros na linha do leste: a luta
das populações!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal do Alto Alentejo de 28-7-2020