quarta-feira, 29 de julho de 2020

E nós a vê-los passar?





E nós a vê-los passar?*

O Corona vírus e a pandemia que originou tornaram o “nosso” mundo mais incerto e perigoso e puseram a nu, o que de errado temos vindo a fazer ou a permitir e os seus maléficos resultados.
Atingidos nas “nossas certezas” e com medo do desconhecido, deixámo-nos confinar, abdicámos de direitos, demos (alguns) rédea solta aos que procuram concentrar em si, sobretudo e sobre todos, toda a riqueza produzida.
Anestesiados pelo medo e pela força de uma comunicação orquestrada e paga pelos senhores do dinheiro. (Sim, eu sei que não é toda assim orquestrada e paga. Alguns são só idiotas úteis, armados em modernaços e, muito poucos, continuam a remar contra a maré). Fomos achando natural, tudo quanto é anti-natural. Abdicámos da liberdade em troca de uma ideia de segurança, abdicámos de rendimentos por medo do desemprego, aceitámos por medo e desconhecimento continuar a pagar a nossa perda de liberdade, a redução dos salários, de emprego e de felicidade.
Entretanto os senhores do dinheiro e os capatazes que têm espalhado pelos centros de decisão e pelos “fazedores” de opinião aceleraram o seu “trabalho”, para tornarem ainda mais eficientes as suas actividades predadoras.
Olhemos para a situação vivida no nosso território.
Milhares de famílias viram reduzidos significativamente os seus já parcos rendimentos, seja por perda do emprego, pelo encerramento dos seus pequenos negócios (encerramento obrigatório ou por perda de clientes) ou pela imposição do Lay-off que lhes foi imposto – uma forma de reduzir o rendimento dos trabalhadores e passar diretamente para os donos do capital, quer a parte tirada aos trabalhadores, quer os subsídios, também dinheiro dos trabalhadores, que lhes são doados através da Segurança Social.
Apesar das “dádivas” ao patronato serem feitas, dizem, para garantir a continuidade dos postos de trabalho, o desemprego no distrito, é agora (dados de Junho) superior em mais de 23% ao desemprego registado em Junho do ano passado.
As grandes empresas sugaram a esmagadora maioria dos dinheiros disponibilizados e aproveitaram para despedir mais umas centenas largas de trabalhadores, substituíram a palavra “despedir” pela expressão “não renovar”, diferente na semântica mas de igual resultado. Aproveitaram para reduzir rendimentos, obrigarem “ilegalmente” os seus trabalhadores a gozarem férias antecipadas e aumentarem a jornada de trabalho.
Foi assim nas grandes cadeias de supermercados, nas multinacionais do sector automóvel, nas empresas que monopolizam o serviço de cantinas e bares em inúmeros serviços públicos, foi e é assim, nas empresas de transportes colectivos, como a Rodoviária do Alentejo, a quem todos nós e os seus trabalhadores, pagamos o serviço que esta não faz e assim, mantendo os lucros e deixando os norte-alentejanos ainda mais isolados.
Do ponto de vista social o retrato é igualmente aterrador.
As nossas crianças afastadas das escolas e dos amigos tornaram-se prisioneiras nas suas próprias casas. Muitos trabalhadores “obrigados” ao tele-trabalho aprenderam dolorosamente como esse sistema de trabalho (que alguns pensaram ser um benefício) é afinal uma nova e mais intensa arma de exploração dos trabalhadores que viram aumentados os tempos de trabalho e passaram eles a suportar um número significativo dos custos das empresas: Net, energia, higiene e limpeza, etc…
Os pais, obrigados a gozar as férias em Março e Abril enfrentam agora Julho e Agosto, sem férias e sem local onde deixarem os filhos e estes, com as escolas encerradas perderam em muitos casos, o direito à única refeição completa que lhes era proporcionada.
Os idosos, em particular os institucionalizados são, talvez, as principais vítimas desta situação. Impedidos de serem visitados pelos seus familiares e confinados em instituições impreparadas para fazerem face a esta situação sanitária.
A pandemia veio dar maior visibilidade às consequências de mantermos uma forma “esclerosada” de organização política, de um estado centralizador e que sistematicamente abandona as regiões mais afastadas dos centros de decisão.
A situação de isolamento a que estamos sujeitos sem transportes públicos rodoviários entre os concelhos do distrito e entre este e o restante território e sem o transporte ferroviário que queremos e merecemos é exemplo desse abandono.
O governo, (é cada vez mais perceptível) faz parte do problema e não da solução, ao apoiar as decisões das empresas concessionárias e subsidiadas, a não prestarem os serviços a que estão comprometidas, como na passada sexta - feira, foi denunciado pelo Movimento Sindical, ou a insistirem em afastar Portalegre e o distrito dos benefícios do transporte ferroviário de passageiros e mercadorias.
E se dúvidas houvesse aí estão o encerramento e desativação de linhas e ramais, a não modernização da Linha do Leste e da sua aproximação à cidade de Portalegre. Aí está o traçado da linha de alta velocidade entre Sines e Caia que, ao não parar em Elvas, apenas se serve do nosso território como corredor de passagem e na melhor das hipóteses, como miradouro privilegiado para vermos passar os comboios.
Só há um caminho. O que obrigou governo e CP a voltarem a ter serviço de passageiros na linha do leste: a luta das populações!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal do Alto Alentejo de 28-7-2020

quarta-feira, 15 de julho de 2020


Mais vale um ganhão
todo roto e remendado
que um “salta pocinhas”
de chapéu ao lado!



Em tempos de branqueamento do fascismo e das garras que o caracterizaram na ditadura e também na chamada consolidação da “democracia” muitos dos que por necessidade se “converteram” à democracia começam a perder o medo de “sair do armário “e assistimos, também no nosso distrito, a atitudes e acções que corporizam a vontade de branquear “os negros anos” e reescrever a história recente.
O “plano em marcha” passa pela “recuperação da bondade do salazarismo” utilizando a mentira para procurarem opor o que chamam de moral salazarista à corrupção existente, procurando tomar por dentro o aparelho de estado, utilizando comandos fascistas, agora chamados de nacionalistas, para controlarem as forças militares e para militares e um partido politico nascido com trafulhices a partir das organizações nazi-fascistas e alimentado com os dinheiros da corrupção que dizem querer combater.
Passa ainda pelo aproveitamento das posições que detém na comunicação social dita nacional e dos idiotas úteis que um por pouco por todo o lado por interesse material ou por vaidade replicam os ideais, as mentiras e as campanhas enganadoras com que visam o regresso ao passado.
São os aproveitamentos de descontentamentos (justíssimo) de sectores da nossa sociedade e em particular nas forças de segurança (GNR, PSP, Guardas Profissionais e outros) onde os zeros actuam e recrutam.
São as campanhas mediáticas que se aproveitam do preconceito, da desinformação e de focos reais de insegurança, para disseminarem a propaganda do ódio através do discurso xenófobo e racista.
São as diárias demonstrações, escondidas por detrás duma contemporaneidade bacoca,  menorização da nossa cultura e abastardamento da nossa língua.
São ainda as campanhas de aliciamento da direita politica, particularmente a direita democrática, para posições que ditas de combate ao que apelidam de “cultura marxista” procuram regredir direitos conquistados com o 25 de Abril, ancorados na Constituição da Republica e na Carta dos Direitos Humanos.
É inserido nesta estratégia de branqueamento que temos vindo a assistir ao recrudescer da propaganda disfarçada de literatura da reedição dum livro escrito por um salta-pocinhas da política e empregado devoto do grande capital. Saudosistas militantes da ditadura terrorista dos agrários, idiotas úteis por estes utilizados ou cidadãos que ainda não conseguiram ultrapassar os traumas “vividos” afadigam-se agora a replicar a verdade dos que por ganância e por ódio maltrataram, destruíram e mataram esta terra e este povo.
Todos conhecemos a velha táctica de defender atacando mas que não se iludam. Por mais noticias que comprem, por mais alto que gritem nunca conseguirão apagar os crimes e as mortes que originaram e entre as mais dolorosas a que cometerem no Escoural e que motivou, também em Portalegre, a 28 de Setembro de 1979 a maior manifestação indignação e dor que esta cidade já viveu.



Não há mal que sempre dure…Nem fome que não dê em fartura!




Não há mal que sempre dure…Nem fome que não dê em fartura!*

Estas “sentenças populares” com que convivi desde os meus tempos de menino, em Arronches e em contacto directo com os homens do campo, vieram-me agora à lembrança ao tomar conhecimento da decisão tomada pelo nosso município de iniciar um processo de classificação de algumas dezenas de edifícios do concelho como Monumentos de interesse Municipal.

Decisão acertada, que só peca por tardia.

Na verdade alguns dos edifícios agora incluídos na lista divulgada já estavam propostos para classificação no PDM de 2011 e outros já se encontram em acelerado processo de degradação e, por isso, a necessitarem de intervenção urgente. São os casos do antigo Mosteiro de S. Mamede e da Capela de S. Pedro, ambos em ruínas. Decisão igualmente tardia para o Bairro da Vilanova, o Clube de Ténis e o antigo Sanatório, também eles a precisarem de cuidados urgentes.

Apesar de a lista ser extensa e incluir alguns de duvidosa “qualidade” outros continuam a ficar de fora apesar de reconhecidamente deverem estar incluídos. Recordo-vos só a título de exemplo o edifício sede da Cooperativa Operária e a antiga sede da Sociedade União Operária, propriedade do município e que este deixou degradar e que vai agora ser ocupado por um “semillero de empresas” mais um, numa cidade que apesar dos viveiros (muitos) teima em não ter actividade empresarial significante.

O primeiro, o edifício sede da Cooperativa Operária, inaugurado em 1905, sete anos depois da fundação da Cooperativa, foi ao longo de décadas suporte de todo o movimento associativo e operário. O segundo, o edifício inaugurado também em 1905, para sede da Sociedade União Operária – a primeira Associação não mutualista fundada em Portalegre.

Todavia esta decisão do Executivo Municipal que mereceu a unanimidade dos seus membros e o aplauso generalizado da população, em particular dos que se interessam pelas questões do património e da nossa cultura, é apenas uma etapa, a primeira dum processo que por si só não garante que o nosso património seja salvo da degradação.

É um caminho que a ser percorrido com a lentidão habitual pode não chegar em tempo útil ou transformar-se em desculpa para não serem efectuadas as intervenções de conservação e recuperação que a sua importância e os portalegrenses merecem.

Para muitos dos que estão em situação mais estável importa que a classificação não fique só pelas paredes e inclua o recheio e a função. São os casos do Café Alentejano e do Crisfal onde ao edificado deve juntar-se quer o seu recheio quer a sua função.

O Alentejano é muito mais que o edifício onde está instalado. Os painéis com as ceifeiras, o mobiliário usado e o vermelho forte na sala de entrada. O revestimento negro dos painéis de madeira no salão dos bilhares e a sua função social e cultural fazem dele, como muito bem o definiu o Professor Martinó, “não apenas um café mas um museu. O Alentejano é um museu vivo, que recupera memórias de gentes e de acontecimentos”.

O mesmo se pode afirmar do Crisfal. Este edifício ilustrativo da arquitectura do salazarismo, foi inaugurado em 1956. Único cine-teatro na cidade está intimamente ligado a várias gerações de portalegrenses.

Tendo em conta o anunciado pela Câmara Municipal de que o objectivo da actual decisão é a protecção e valorização dos imóveis agora seleccionados ficamos a “torcer” para que desta vez, nos gabinetes municipais existam a vontade e os meios para travar o desmoronamento da cidade e a destruição da sua e nossa memória.

Diogo Júlio Serra
* publicado no jornal do Alto Alentejo de 15-7-2020

sexta-feira, 3 de julho de 2020

Parabéns União



…Pr’ a União dos Sindicatos, uma salva de Palmas!*

A 4 de Julho próximo cumprem-se quarenta e cinco anos do nascimento (oficial) da União dos Sindicatos do Norte Alentejano.
Nasceu da vontade dos trabalhadores, na Praceta dos Lusíadas onde então funcionava a delegação distrital do Sindicato dos Bancários de Lisboa e que é hoje a sede distrital do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas. Num Plenário Distrital de Sindicatos presidido por António Milheiros – Bancário, António Serrano – Operário Agrícola e António Ceia dos Reis – Operário Corticeiro era dado cumprimento ao estabelecido na “lei sindical” e aprovados os estatutos da União dos Sindicato do Distrito, conforme a convocatória enviada a 19 de Junho.
Eram então apenas 4 sindicatos mas que representavam, como a legislação dispunha, mais de 50 % dos trabalhadores sindicalizados no distrito: os sindicatos dos corticeiros e dos operários agrícolas do distrito de Portalegre, o sindicato dos químicos de Setúbal e o Sindicato dos Bancários de Lisboa.
Nos quarenta e cinco anos já cumpridos, foram muitos os dirigentes e activistas que lhe deram vida e voz. Foram inúmeras as alegrias e tristezas vivenciadas. Muitos sonhos, aspirações e alguns fracassos alicerçaram o seu caminho que, felizmente, continua a ser testemunhado por dois dos seus fundadores: o António Milheiro que presidiu e o António José que secretariou o Plenário fundador.
Organização de trabalhadores tem sido e continuará a ser aquilo que os trabalhadores do distrito e em particular os que a “alimentam” quiserem que ela seja.
Estrutura integrada no Movimento Sindical de Classe foi e é a voz e o querer dos trabalhadores deste Alentejo do Norte e um dos actores locais mais actuantes na defesa da sua população e dos seus anseios e direitos. Assume como tarefa primordial a defesa e representação de todos os trabalhadores assalariados do distrito sem abdicar da intervenção politico-social em todas as frentes onde se discuta e decida o futuro do território e dos seus habitantes e onde, no seu entender, se possam construir pontes capazes de unir vontades e acções que permitam alcançar o desenvolvimento e o bem-estar que o distrito ambiciona e merece.
A luta pela Regionalização que o Alentejo reclama e a Constituição da Republica consagra tem sido, também, objecto da sua intervenção como o comprovam a sua adesão e participação em todos os fóruns e organizações que a reclamam. Participou em todos os Congressos do Alentejo que têm percorrido toda a Região, integrou todos os movimentos pela Região Alentejo, participou de forma empenhada “Pelo Sim à Regionalização” e à Região Alentejo e integra, o Movimento AMALENTEJO e a sua “luta” pela institucionalização da CRA-Comunidade Regional do Alentejo um instrumento que permita experienciar no Alentejo, as vantagens da Região Administrativa.
É esta organização de trabalhadores, jovem de 45 anos, que se prepara para disponibilizar à região e ao país as memórias da cidade operária que Portalegre já foi.
Previsivelmente até final do ano, recuperado o edifício que foi até há pouco a sede dos Corticeiros mas que foi desde 1912 a casa sindical de corticeiros, sapateiros, rurais e outros, abrir-se-á ao público o CDAMOS-Centro Documental e Arquivo do Movimento Operário e Sindical do Norte Alentejano.
A USNA/cgtp assinalará o seu 45º aniversário um dia antes, a 3 de Julho, na Zona Industrial de Portalegre com uma concentração em defesa dos direitos dos trabalhadores, direitos que têm sido fortemente atacados no tempo que atravessamos.
Comemorar o 45º aniversário em luta, na rua, simbolicamente frente a uma das empresas que é campeã na precariedade e nos despedimentos (mesmo que “embrulhados” com designação diferente) mostra que os 45 anos não lhes retiraram a juventude e que irá continuar o combate iniciado em julho de 1975.
Tenho disso absoluta certeza. Uma certeza alicerçada no conhecimento profundo que dela tem que ter quem, como eu, a acompanhou por dentro ao longo de 42 dos seus 45 anos de vida, 37 dos quais participando na sua direcção.
Parabéns à União dos Sindicatos, aos seus fundadores, a quem a mantém e dirige e aos trabalhadores do Distrito de Portalegre.
Diogo Serra
* publicado no Jornal Alto Alentejo de 1 de Julho 2020