Não há mal que sempre dure…Nem fome que
não dê em fartura!*
Estas “sentenças populares” com que convivi desde
os meus tempos de menino, em Arronches e em contacto directo com os homens do
campo, vieram-me agora à lembrança ao tomar conhecimento da decisão tomada pelo
nosso município de iniciar um processo de classificação de algumas dezenas de
edifícios do concelho como Monumentos de interesse Municipal.
Decisão acertada, que só peca por tardia.
Na verdade alguns dos edifícios agora incluídos na
lista divulgada já estavam propostos para classificação no PDM de 2011 e outros
já se encontram em acelerado processo de degradação e, por isso, a necessitarem
de intervenção urgente. São os casos do antigo Mosteiro de S. Mamede e da
Capela de S. Pedro, ambos em ruínas. Decisão igualmente tardia para o Bairro da
Vilanova, o Clube de Ténis e o antigo Sanatório, também eles a precisarem de
cuidados urgentes.
Apesar de a lista ser extensa e incluir alguns de
duvidosa “qualidade” outros continuam a ficar de fora apesar de
reconhecidamente deverem estar incluídos. Recordo-vos só a título de exemplo o
edifício sede da Cooperativa Operária e a antiga sede da Sociedade União
Operária, propriedade do município e que este deixou degradar e que vai agora
ser ocupado por um “semillero de empresas” mais um, numa cidade que apesar dos
viveiros (muitos) teima em não ter actividade empresarial significante.
O primeiro, o edifício sede da Cooperativa
Operária, inaugurado em 1905, sete anos depois da fundação da Cooperativa, foi
ao longo de décadas suporte de todo o movimento associativo e operário. O
segundo, o edifício inaugurado também em 1905, para sede da Sociedade União
Operária – a primeira Associação não mutualista fundada em Portalegre.
Todavia esta decisão do Executivo Municipal que
mereceu a unanimidade dos seus membros e o aplauso generalizado da população,
em particular dos que se interessam pelas questões do património e da nossa
cultura, é apenas uma etapa, a primeira dum processo que por si só não garante
que o nosso património seja salvo da degradação.
É um caminho que a ser percorrido com a lentidão
habitual pode não chegar em tempo útil ou transformar-se em desculpa para não
serem efectuadas as intervenções de conservação e recuperação que a sua
importância e os portalegrenses merecem.
Para
muitos dos que estão em situação mais estável importa que a classificação não
fique só pelas paredes e inclua o recheio e a função. São os casos do Café
Alentejano e do Crisfal onde ao edificado deve juntar-se quer o seu recheio quer
a sua função.
O
Alentejano é muito mais que o edifício onde está instalado. Os painéis com as
ceifeiras, o mobiliário usado e o vermelho forte na sala de entrada. O
revestimento negro dos painéis de madeira no salão dos bilhares e a sua função
social e cultural fazem dele, como muito bem o definiu o Professor Martinó,
“não apenas um café mas um museu. O Alentejano é um museu vivo, que recupera
memórias de gentes e de acontecimentos”.
O
mesmo se pode afirmar do Crisfal. Este edifício ilustrativo da arquitectura do
salazarismo, foi inaugurado em 1956. Único cine-teatro na cidade está
intimamente ligado a várias gerações de portalegrenses.
Tendo
em conta o anunciado pela Câmara Municipal de que o objectivo da actual decisão
é a protecção e valorização dos imóveis agora seleccionados ficamos a “torcer”
para que desta vez, nos gabinetes municipais existam a vontade e os meios para travar
o desmoronamento da cidade e a destruição da sua e nossa memória.
Diogo
Júlio Serra
* publicado no jornal do Alto Alentejo de 15-7-2020
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