quarta-feira, 15 de julho de 2020

Não há mal que sempre dure…Nem fome que não dê em fartura!




Não há mal que sempre dure…Nem fome que não dê em fartura!*

Estas “sentenças populares” com que convivi desde os meus tempos de menino, em Arronches e em contacto directo com os homens do campo, vieram-me agora à lembrança ao tomar conhecimento da decisão tomada pelo nosso município de iniciar um processo de classificação de algumas dezenas de edifícios do concelho como Monumentos de interesse Municipal.

Decisão acertada, que só peca por tardia.

Na verdade alguns dos edifícios agora incluídos na lista divulgada já estavam propostos para classificação no PDM de 2011 e outros já se encontram em acelerado processo de degradação e, por isso, a necessitarem de intervenção urgente. São os casos do antigo Mosteiro de S. Mamede e da Capela de S. Pedro, ambos em ruínas. Decisão igualmente tardia para o Bairro da Vilanova, o Clube de Ténis e o antigo Sanatório, também eles a precisarem de cuidados urgentes.

Apesar de a lista ser extensa e incluir alguns de duvidosa “qualidade” outros continuam a ficar de fora apesar de reconhecidamente deverem estar incluídos. Recordo-vos só a título de exemplo o edifício sede da Cooperativa Operária e a antiga sede da Sociedade União Operária, propriedade do município e que este deixou degradar e que vai agora ser ocupado por um “semillero de empresas” mais um, numa cidade que apesar dos viveiros (muitos) teima em não ter actividade empresarial significante.

O primeiro, o edifício sede da Cooperativa Operária, inaugurado em 1905, sete anos depois da fundação da Cooperativa, foi ao longo de décadas suporte de todo o movimento associativo e operário. O segundo, o edifício inaugurado também em 1905, para sede da Sociedade União Operária – a primeira Associação não mutualista fundada em Portalegre.

Todavia esta decisão do Executivo Municipal que mereceu a unanimidade dos seus membros e o aplauso generalizado da população, em particular dos que se interessam pelas questões do património e da nossa cultura, é apenas uma etapa, a primeira dum processo que por si só não garante que o nosso património seja salvo da degradação.

É um caminho que a ser percorrido com a lentidão habitual pode não chegar em tempo útil ou transformar-se em desculpa para não serem efectuadas as intervenções de conservação e recuperação que a sua importância e os portalegrenses merecem.

Para muitos dos que estão em situação mais estável importa que a classificação não fique só pelas paredes e inclua o recheio e a função. São os casos do Café Alentejano e do Crisfal onde ao edificado deve juntar-se quer o seu recheio quer a sua função.

O Alentejano é muito mais que o edifício onde está instalado. Os painéis com as ceifeiras, o mobiliário usado e o vermelho forte na sala de entrada. O revestimento negro dos painéis de madeira no salão dos bilhares e a sua função social e cultural fazem dele, como muito bem o definiu o Professor Martinó, “não apenas um café mas um museu. O Alentejano é um museu vivo, que recupera memórias de gentes e de acontecimentos”.

O mesmo se pode afirmar do Crisfal. Este edifício ilustrativo da arquitectura do salazarismo, foi inaugurado em 1956. Único cine-teatro na cidade está intimamente ligado a várias gerações de portalegrenses.

Tendo em conta o anunciado pela Câmara Municipal de que o objectivo da actual decisão é a protecção e valorização dos imóveis agora seleccionados ficamos a “torcer” para que desta vez, nos gabinetes municipais existam a vontade e os meios para travar o desmoronamento da cidade e a destruição da sua e nossa memória.

Diogo Júlio Serra
* publicado no jornal do Alto Alentejo de 15-7-2020

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