quarta-feira, 17 de junho de 2020

DECRETO-BURLA? OUTRA VEZ?



DECRETO-BURLA? OUTRA VEZ?
Decorria o sexagésimo oitavo dia de vida da República quando o Governo Provisório promulgou um decreto que regulamentava o direito à cessação do trabalho, o Direito à Greve.
Tratava-se de uma reivindicação do Movimento Operário, que justificara o enorme surto grevista que se espalhara pelo país nos últimos anos da Monarquia e criara as condições político-sociais que facilitaram a Revolução Republicana. Haviam sido, também, as promessas dos republicanos de que as reivindicações operárias e em particular a regulamentação do direito à greve, seriam realidades com a mudança de regime que haviam garantido a enorme adesão popular ao Republicanismo e à sua instalação e defesa.
Só que…
O diploma era muito mais de limitação do que de consagração do direito à greve. Permitia e estimulava o Lockout, aplicava penas de prisão para quem perturbasse a ordem pública, proibia o direito à greve aos funcionários, empregados ou assalariados do Estado, impunha a obrigatoriedade de pré-aviso com prazo muito alargado…
O decreto era tão distante das expectativas que, de imediato, foi apelidado de “decreto-burla”, tendo a imprensa operária e em particular o jornal “O Sindicalista” lançado uma intensa campanha contra ele e o seu autor: o Ministro do Fomento, Brito Camacho.
E chegados aos dias de hoje, quinhentos e trinta meses depois de aprovada a Constituição da República que, consagra o poder local com três pilares – a freguesia, o concelho e a região administrativa, é noticiada a promulgação de novo “decreto burla”?
É disso que trata o decreto de eleição indireta dos Presidentes das CCDR, diz-se, já este ano?
Não e Sim!
Não, no que concerne a promessas formais inscritas nos programas de governo (que não as houve) ou, a quaisquer, sinais de disponibilidade para afrontarem os poderes que, continuam a opor-se ao cumprimento desse dever constitucional, incluindo o actual Presidente da República.
Sim, no que respeita às expectativas existentes em muitos milhares de portugueses e em particular no seio dos autarcas, de que seria agora o tempo de cumprir a Constituição. Vontade bem expressa no último Congresso dos Municípios Portugueses.
Sim, no que respeita às expectativas dos alentejanos e dos seus autarcas que, têm vindo a desenvolver esforços para criarem condições que permitam testar “vantagens e dificuldades” da instalação deste patamar do poder local.
Sim, no que significa de mexer alguma coisa – a tal eleição indireta dos Presidentes da CCDR, para deixar tudo na mesma – continuar o poder discricionário do governo central ou pior, consolidar assim a mascarada de falsa descentralização – descentralizando deveres e centralizando decisões – que o Partido Socialista tem vindo a impor com o apoio claro ou camuflado do PSD.
O decreto-lei que tem vindo a ser “trabalhado em semi -clandestinidade” e já foi promulgado pelo Presidente da República, aponta como “novidade” a eleição dos Presidentes das Comissões de Coordenação Regionais por um colégio eleitoral, constituído por autarcas de cada região plano. Mas, como sublinha o próprio Presidente da República, “mantém integralmente a natureza jurídica das CCDR como Administração Desconcentrada do Estado, mantém igualmente os poderes de direção – ordens e instruções -, de supervisão e disciplinares por parte do governo…”
Estamos pois, perante um diploma que visa fingir que democratiza o que de facto mantém, sob o seu férreo controlo. Finge que descentraliza, quando se limita a juntar melhor para melhor controlar e, neste aspeto, sim é um “novo decreto-burla” como o “tal de há cento e doze anos atrás.
Mas, mais que “decreto-burla” é decreto-previdente. Acautela zelosamente o poder “absolutista” do Governo Central.
Na nossa Região, o Alentejo, o colégio eleitoral para eleger o Presidente da CCDRA será constituído por 1288 autarcas, dos quais o Partido do Governo tem 612 o que garante à partida, ser uma personalidade do PS a ganhar a corrida eleitoral. Mesmo assim, o decreto aprovado garante que será o governo (no nosso caso de novo o PS) a indicar um dos vice-presidentes. Mas, e aqui está a faceta de prevenção, o Governo pode sempre demitir o Presidente eleito não aconteça que alguns dos seus autarcas se “esqueçam” de atender “o tal” telefonema.
Não é nada assim e sou eu que estou a ser preconceituoso? Talvez, mas não consigo esquecer quando os Presidentes da CCDR eram nomeados a partir de nomes indicados pelo Conselho Regional e no Alentejo indicámos o nosso conterrâneo Dr. João Transmontano Minguéns.
O governo de então – também do PS – gostou tanto da ideia que se apressou a mudar a lei não fosse repetir-se a “gracinha”. Também aqui, é fácil compararmos com a posição dos Republicanos que foram obrigados a deixar votar uma mulher mas de imediato mudaram a lei para suprir a “lacuna” que tal havia permitido.
Diogo Serra
Publicado no Jornal do Alto Alentejo de 17-06-2020

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