O PODER DO
MEDO!*
O medo é que guarda a vinha!
Cresci a ouvir dos mais velhos este ditado popular.
Através dele a “sabedoria popular” ensina-nos que é o receio das consequências
que inibe, ou não, o “ladrão” de cometer a acção.
Hoje, já no outono da minha presença nesta etapa da
vida, constato que o medo nos leva a muito mais que a inibição de “ir à vinha”.
O medo liberta sentimentos reprimidos pelas regras que as sociedades
organizadas nos colocam. Traz à tona o que de pior existe em cada um de nós e
tolda-nos a capacidade de, como humanos, sermos racionais.
Já conheço há muito que o medo, o desconhecido,
abre caminho ao preconceito e alimenta o ódio - racial e étnico – e os mais
disparatados sentimentos nacionalistas. Quem como eu dedicou algum tempo da sua
vida ao trabalho com diferentes etnias ou viveu de perto os problemas dos
trabalhadores migrantes (africanos nos estaleiros do Alqueva, trabalhadores
vindos dos países do Leste à procura de emprego em Portalegre, trabalhadores de
etnia cigana “temporeros” nos campos de tomate na Extremadura espanhola, não
precisa de frequentar as redes sociais para conhecer até onde o medo, o
preconceito e a irracionalidade podem arrastar o ser humano.
São os ciganos, os estrangeiros, agora os chineses…
os culpados de todo o mal que nos acontece, ou pensamos estar-nos a acontecer e
não é este ou aquele indivíduo, são todos.
Aprendi também fruto de uma vivência de décadas no
seio do movimento operário que essa expressão do medo que gera a intolerância
tem igualmente uma forte componente classista. Os ciganos são todos “bandidos”
mas só se não forem ricos ou famosos. Os africanos negros são todos preguiçosos,
quase bandidos, excepto se for o “tal” futebolista famoso, ou o “ricaço”
conhecido.
Mas não precisam de ter a cor da pele diferente,
ser de determinada etnia ou simplesmente estrangeiros. O ódio, este preconceito
classista, manifesta-se também contra os seus iguais: os trabalhadores que
lutam pelos seus direitos e, tantas vezes, pelos direitos de todos; os
funcionários públicos, porque são funcionários públicos, os trabalhadores do
privado porque são do privado; os estudantes, os desempregados os beneficiários
do rendimento social.
Igualmente se constata que o medo, esse medo que
tolhe a lucidez e a inteligência, é o combustível por onde corre o fogo ateado
por incendiários populistas que já nem escondem a vontade de destruir a
democracia e os direitos individuais e colectivos que esta nos trouxe.
É por isso que se nos impõe a luta sem tréguas nem
desânimos contra o medo, material combustível que alimenta a intolerância, a
xenofobia e o ódio que, também no nosso país, aspira a que o poder do medo leve
o medo ao Poder!
Diogo J. Serra
* publicado no Jornal do Alto Alentejo de 21-04-2020
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