segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Fechou a Trabalho e Progresso




A Cooperativa fechou!

Para muitos arronchenses, mesmo para os que eram seus clientes, esse facto mesmo que lhes cause algum desgosto, não é mais que uma situação igual a tantas outras e que na nossa vila e concelho já levaram ao encerramento de inúmeras empresas e serviços.

E no entanto não é assim. Com a decisão tomada em Assembleia Geral no passado dia 27 de Dezembro o que agora encerra é muito mais que um pequeno supermercado que nos habituámos a frequentar ou apenas a ver. O que encerra é todo um ciclo do nosso viver colectivo, da história da nossa terra. Um ciclo que justificou e originou sonhos, debates, lutas, modos de vida e empregos.

O que a maioria de nós, os mais novos, sempre conheceram como a Loja da Cooperativa – um mini-mercado ou, os menos novos, como o Salão de Chá e/ou restaurante e que de Cooperativa só tinha os proprietários, tem por trás de si um passado que retrata a história recente do nosso concelho.

Nasceu como Sindicato Rural (era assim que no final da monarquia e durante a 1ª Republica se chamavam as organizações dos proprietários rurais) e passou a Grémio da Lavoura por força da lei nº 1957 de 20 de Março de 1937.

Nasceu e assim se manteve até 1974 como estrutura de representação politica e económica dos grandes proprietários rurais e, com a sua transformação em Grémio da Lavoura, como suporte político do Regime de Salazar.

Sediado no nº 52 da Rua 5 de Outubro, mantinha no r/c a sua secção comercial garantindo aos seus associados o fornecimento de produtos e máquinas necessários à vida agrícola. Em finais dos anos cinquenta do século passado muda-se para novas e modernas instalações na Rua Edmundo Curvelo, ocupando todo o edifício onde ainda hoje “mora”.

No primeiro andar funcionavam as estruturas de representação política da lavoura e os serviços administrativos mas também os serviços da FNPT – Federação Nacional de Produtores de Trigo e a Caixa Agrícola. Nas amplas instalações do r/c os armazéns de cereais, lã e adubos e a zona de comercialização de produtos à lavoura e parque de máquinas agrícolas cujos serviços eram prestados aos associados.

O Grémio era ainda proprietário de instalações no Moinho dos Santos (lagar de azeite e padarias) e na rua João Morais (oficina de reparação mecânica e armazém de peças e ferramentas).

Peça fundamental da organização política e económica do salazarismo, os Grémios da Lavoura viriam a merecer a atenção do poder político democrático saído do 25 de Abril.

Em Setembro de 1974 o Segundo Governo Provisório, através do decreto-lei (D/L nº 482/74) estipula a extinção dos Grémios da Lavoura e a transferência do seu património e funções, assegurando-se a colocação do pessoal.

Para o efeito são criadas Comissões Liquidatárias.

O Grémio da Lavoura de Arronches é também objeto desse processo. É nomeada uma Comissão Liquidatária e é ela quem dirige a passagem do Grémio da Lavoura à Cooperativa Agrícola denominada Cooperativa Agrícola Trabalho e Progresso e para a qual são transferidos o património, os trabalhadores e as funções.

Num tempo de intensa actividade politica e de grandes alterações no mundo rural a extinção dos Grémios da Lavoura e a constituição de Cooperativas para assumirem as suas funções não foi pacífica, como igualmente não foi a constituição das Comissões Liquidatárias.

Em Arronches este processo também não foi pacífico, embora a contestação a uma e outras situações não tenha atingido as dimensões vividas em outros concelhos e tal deveu-se, penso, ao facto de aqui quer na Comissão Liquidatária, quer na fundação e direcção da Cooperativa ter estado presente a maior empresa agrícola do concelho, a SAGREP – uma Sociedade Agrícola que reunia os maiores empresários agrícolas dos concelhos de Arronches e Campo Maior.

Também as Unidades Colectivas de Produção Agrícola entretanto constituídas participaram activamente na constituição da Cooperativa mas nunca participaram nos órgãos de direcção e a gestão executiva da Cooperativa continuou a ser assegurada pela mesma pessoa que assumira a gerência nos últimos anos do Grémio então extinto.

Apesar desta participação alargada a Cooperativa não recolheu a aprovação da totalidade dos seus destinatários. Num tempo em que nos campos alentejanos se degladiavam os antigos “terratenientes” – organizados na CAP, os pequenos agricultores e rendeiros – organizados nas Ligas de Pequenos e Médios Agricultores e os operários agrícolas organizados nas UCP’s/Cooperativas e em que a luta partidária era intensíssima, sectores profissionais ligados à CAP constituíram uma outra Cooperativa de Agricultores, sediada na “Regional” a CAESA – Cooperativa de Agricultores de Esperança e Arronches, que terminaria anos mais tarde, como forma de combater a Trabalho e Progresso e as políticas que esta corporizava.

A Cooperativa de Produção Agrícola assume então o património, os funcionários e as funções de apoio à lavoura e em particular aos pequenos e médios agricultores e às Unidades Coletivas de Produção entretanto constituídas e assume-se como “delegação” das instituições públicas de apoio ao desenvolvimento agrícola e continua a ser o “balcão de acesso “ dos agricultores ao CAE – Crédito Agrícola de Emergência, entretanto também acessível às UCPs/Cooperativas.

No período seguinte a Cooperativa cresce e garante alguns grandes investimentos. É desse tempo a instalação do mais moderno lagar de azeite de toda a região, instalado no porto manes para substituir o anterior sediado no Moinho dos Santos.

As alterações impostas no tecido económico do concelho, e da região, e particularmente a destruição da agricultura tradicional aceleraram a perda de importância económica e o definhamento da Cooperativa Trabalho e Progresso. As dificuldades financeiras crescem e a Cooperativa começa a ter sérias dificuldades em honrar os seus compromissos. É o tempo do abandono de várias atividades e da venda de grande parte do seu património.

Esgotado o caminho do apoio a uma agricultura que não existia os gestores da Cooperativa procuram novos caminhos abrindo um salão de chá e um restaurante e acrescentando ao fabrico de pão o fabrico e distribuição de bolos e alugando parte do seu edifício sede para sede da Caixa Agrícola.

A última fase da Cooperativa (a sua fase terminal) é já como mini-mercado. Após uma alteração de Estatutos passa a assumir-se como Cooperativa de Consumo e promove uma parceria com a COP Lisboa que lhe permitirá assumir-se como um moderno espaço comercial e, dessa forma garantir a manutenção dos postos de trabalho aos seus trabalhadores.

Não foi possível. O montante de vendas sempre ficou aquém das necessidades e a Cooperativa foi acumulando dívidas e perdendo património.

Ainda se arrastou alguns anos vivendo da “carolice” de dirigentes e trabalhadores até ter agora decidido em Assembleia Geral que estava chegada a hora de assumir o seu fim.

A Cooperativa acabou e com ela morre uma parte importante da nossa história recente.

Que não se percam as memórias!

Diogo Serra
Artigo publicado no Noticias de Arronches de Janeiro de 2019

Sem comentários: