quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Um homem não Chora?




UM HOMEM NÃO CHORA…

Cresci a ouvir esta “sentença” sempre que no frenesim da brincadeira ocorriam quedas e esfolões, quando numa ou noutra disputa mais entusiástica com os companheiros a discussão virava briga, quando porque contrariado nas minhas vontades partia para o amuo e para a “birra”.
Tornou-se, por isso, uma “verdade absoluta” que só muito mais tarde começou a ser contrariada mas, ainda assim, em momentos e situações muito, muito especiais.
Foi-o quando uma lágrima teimosa insistiu em aparecer, no Hospital Dr. José Maria Grande, no momento em que uma enfermeira e amiga me colocou nas mãos “um rolinho” que já decidíramos chamar-se Guida, a minha primeira filha.
Voltou a sê-lo quando mais de 20 anos passados, na nossa Sé Catedral, trajado de gala e rodeado de amigos levei, de novo a Guida, pelo braço e em passo solene, a caminho do altar para a “entregar” ao Paulo, que naquele dia de 22 de Abril de 2006, passaria a ser o seu marido.
Na passada sexta-feira, no auditório a Máquina, situado no espaço Robinson, realizou-se o XI Congresso da União dos Sindicatos do Norte Alentejano e ali, na presença de várias dezenas de delegados eleitos por todo o distrito e em todos os sectores de actividade, com o testemunho solidário de inúmeras organizações e personalidades.
Representações partidárias do Partido Socialista, do Partido Comunista, do Partido Ecologista os Verdes; de representantes do Secretariado do AMAlentejo, da Entidade Regional de Turismo, da Escola de Hotelaria, da União de Freguesias da Sé e São Lourenço e da Sra. Presidente da Câmara Municipal de Portalegre.
Delegações fraternais das Uniões Sindicais Distritais de Beja, Castelo Branco, Évora e Setúbal. A representação das Comissiones Obreras da Extremadura e da CGTP-Intersindical esta chefiada pelo seu Secretário-Geral que acompanhou todos os trabalhos e fez a intervenção de encerramento.
Por ali foram desfilando os problemas, os anseios e as lutas dos trabalhadores e da população do distrito. Presentes à discussão e aprovados quer o Relatório quer o Plano de Acção para os próximos quatro anos.
Por deferência dos meus camaradas da União foi-me atribuída a honrosa tarefa de presidir três das quatro sessões do Congresso e nessa função, receber e saudar os delegados e convidados ao congresso. Todavia seria a quarta e última sessão a abalar a convicção que na infância me fora inculcada.
Quando a coordenadora da Direcção cessante citou os cinco dirigentes que naquele congresso deixaram as suas funções de direcção da USNA e particularizou a minha situação historiando o meu percurso sindical e o congresso aplaudindo em pé me fizeram sentir “o dono do mundo” a comoção ultrapassou em muito o que “gostaria” que tivesse acontecido.
Um homem não chora? Pois, podem continuar a pensá-lo. Vocês não estiveram no Congresso.
Diogo Júlio Serra
Publicado no Jornal Alto Alentejo de 27-2-2019

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Vê moinhos, são moinhos! Vê gigantes, são gigantes!





GREVE CIRÚRGICA ou GUERRILHA URBANA?

Vê moinhos, são moinhos!
Vê gigantes, são gigantes!

A “auto-proclamada” greve de uns quantos enfermeiros e a decisão do governo em declarar a requisição civil tem merecido os mais díspares comentários de (quase) todos os sectores da sociedade.
Compreensão para com as razões da greve (mesmo quando não concordam com os meios utilizados) por parte de grande número de enfermeiros e de outros sectores em luta;
Aplauso entusiástico e apoio sem reservas por parte da direita politica e dos negócios incluindo franjas de outras áreas politicas enfeudadas aos negócios da saúde;
 Repudio generalizado e acção política intensa contra a luta que vem sendo desencadeada não pela forma mas, pasme-se, por entenderem que aqueles profissionais, os enfermeiros que trabalham no sector público, “ganham de mais”.
Por último apareceram, nos últimos dias em maior número, os apoiantes do partido do governo a aplaudirem a decisão da requisição civil.
Os primeiros, nos quais me incluo, compreendem o descontentamento da classe, toda a classe, e da sua luta mas recusam aceitar que a direita, a comunicação social a ela enfeudada e muitos dos consumidores da propaganda ventilada nas redes sociais, persistam em chamar greve a uma acção de guerrilha contra o Serviço Nacional de Saúde e o arranjo politico que expulsou a direita do poder e permitiu uma forma governativa estável e eficaz.
Os segundos, os que não conseguiam sequer disfarçar que o seu apoio entusiástico tinha muito mais a ver com os seus objectivos de derrota daquilo a que apelidam de geringonça do que com as aspirações dos enfermeiros afadigam-se agora “na defesa” dos direitos de quem trabalha e de um direito que sempre combateram - o direito à greve.
Os últimos, os que se movem não pela razão mas pelos interesses partidários ou simplesmente para agradar ao poder constituído, veêm agora quer naquela versão feminina do que de pior encerrava o cavaquismo quer nos grupos de amarelos que se intitulam sindicato e que em muitos casos por omissão ou por acção ajudaram a nascer, um perigo para a democracia e para os cidadãos.
Quase todos, excepção (talvez) para os que integram o primeiro grupo, estão-se nas tintas para os enfermeiros e para as suas necessidades e aspirações, para os doentes, para as populações e para os direitos constitucionais fundamentais sejam o direito à saúde ou o direito à greve.
Os mandantes da guerrilha apelidada de greve cirúrgica afadigam-se para tentar manter em alta a contestação à forma governativa que odeiam por lhes ter provado que existem alternativas às políticas de empobrecimento e destruição de Abril que preconizaram e impuseram e apostam no confronto com o Poder, no continuar da paralisação dos hospitais, no impedimento da retoma normal das cirurgias necessárias.
Os governantes e seus apoiantes fingem desconhecer as justas reivindicações dos enfermeiros e restantes sectores da saúde: dotação de meios humanos que faltam em todos os serviços, condições que garantam a integração de médicos, enfermeiros e outros técnicos nos quadros em vez de delapidar os meios financeiros, escassos, para alimentarem a gula de empresas alugadoras dos profissionais necessários.
E pelo caminho, uns e outros, procuram tornar natural o que são as violentas acções contra o direito constitucional à greve como o são a requisição civil contra os grevistas, a descredibilização de toda uma classe profissional apesar de apenas uma ínfima parte estar envolvida na acção guerrilheira.
Persistem na tentativa de ganhar a opinião pública para a descredibilização dos sindicatos apesar de se saber que o sindicato representativo dos enfermeiros – o SEP – Sindicatos dos Enfermeiros Portugueses nunca ter estimulado ou apoiado esta acção desencadeada e alimentada por duas estruturas de pouca representatividade criadas e alimentadas por quantos desde há muito sonham com o partir da espinha à Intersindical e em que a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros se tem empenhado de forma avassaladora.
Os próximos capítulos desta “novela” mostrar-nos-ão de que lado está a razão. Se dos que se afadigam em lançar gasolina para a fogueira seja com apelos à insurreição dos enfermeiros seja com a declaração da requisição civil para acabar com a “greve” ou, dos que como a CGTP-IN se mobilizam para estimular o diálogo entre os vários sectores da saúde pública de forma a serem supridas as carências há muito identificadas e a fortalecer-se o Serviço Nacional de Saúde universal e público.
Diogo Júlio Serra
Artigo publicado no Jornal Alto Alentejo de 13-02-2019


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Fechou a Trabalho e Progresso




A Cooperativa fechou!

Para muitos arronchenses, mesmo para os que eram seus clientes, esse facto mesmo que lhes cause algum desgosto, não é mais que uma situação igual a tantas outras e que na nossa vila e concelho já levaram ao encerramento de inúmeras empresas e serviços.

E no entanto não é assim. Com a decisão tomada em Assembleia Geral no passado dia 27 de Dezembro o que agora encerra é muito mais que um pequeno supermercado que nos habituámos a frequentar ou apenas a ver. O que encerra é todo um ciclo do nosso viver colectivo, da história da nossa terra. Um ciclo que justificou e originou sonhos, debates, lutas, modos de vida e empregos.

O que a maioria de nós, os mais novos, sempre conheceram como a Loja da Cooperativa – um mini-mercado ou, os menos novos, como o Salão de Chá e/ou restaurante e que de Cooperativa só tinha os proprietários, tem por trás de si um passado que retrata a história recente do nosso concelho.

Nasceu como Sindicato Rural (era assim que no final da monarquia e durante a 1ª Republica se chamavam as organizações dos proprietários rurais) e passou a Grémio da Lavoura por força da lei nº 1957 de 20 de Março de 1937.

Nasceu e assim se manteve até 1974 como estrutura de representação politica e económica dos grandes proprietários rurais e, com a sua transformação em Grémio da Lavoura, como suporte político do Regime de Salazar.

Sediado no nº 52 da Rua 5 de Outubro, mantinha no r/c a sua secção comercial garantindo aos seus associados o fornecimento de produtos e máquinas necessários à vida agrícola. Em finais dos anos cinquenta do século passado muda-se para novas e modernas instalações na Rua Edmundo Curvelo, ocupando todo o edifício onde ainda hoje “mora”.

No primeiro andar funcionavam as estruturas de representação política da lavoura e os serviços administrativos mas também os serviços da FNPT – Federação Nacional de Produtores de Trigo e a Caixa Agrícola. Nas amplas instalações do r/c os armazéns de cereais, lã e adubos e a zona de comercialização de produtos à lavoura e parque de máquinas agrícolas cujos serviços eram prestados aos associados.

O Grémio era ainda proprietário de instalações no Moinho dos Santos (lagar de azeite e padarias) e na rua João Morais (oficina de reparação mecânica e armazém de peças e ferramentas).

Peça fundamental da organização política e económica do salazarismo, os Grémios da Lavoura viriam a merecer a atenção do poder político democrático saído do 25 de Abril.

Em Setembro de 1974 o Segundo Governo Provisório, através do decreto-lei (D/L nº 482/74) estipula a extinção dos Grémios da Lavoura e a transferência do seu património e funções, assegurando-se a colocação do pessoal.

Para o efeito são criadas Comissões Liquidatárias.

O Grémio da Lavoura de Arronches é também objeto desse processo. É nomeada uma Comissão Liquidatária e é ela quem dirige a passagem do Grémio da Lavoura à Cooperativa Agrícola denominada Cooperativa Agrícola Trabalho e Progresso e para a qual são transferidos o património, os trabalhadores e as funções.

Num tempo de intensa actividade politica e de grandes alterações no mundo rural a extinção dos Grémios da Lavoura e a constituição de Cooperativas para assumirem as suas funções não foi pacífica, como igualmente não foi a constituição das Comissões Liquidatárias.

Em Arronches este processo também não foi pacífico, embora a contestação a uma e outras situações não tenha atingido as dimensões vividas em outros concelhos e tal deveu-se, penso, ao facto de aqui quer na Comissão Liquidatária, quer na fundação e direcção da Cooperativa ter estado presente a maior empresa agrícola do concelho, a SAGREP – uma Sociedade Agrícola que reunia os maiores empresários agrícolas dos concelhos de Arronches e Campo Maior.

Também as Unidades Colectivas de Produção Agrícola entretanto constituídas participaram activamente na constituição da Cooperativa mas nunca participaram nos órgãos de direcção e a gestão executiva da Cooperativa continuou a ser assegurada pela mesma pessoa que assumira a gerência nos últimos anos do Grémio então extinto.

Apesar desta participação alargada a Cooperativa não recolheu a aprovação da totalidade dos seus destinatários. Num tempo em que nos campos alentejanos se degladiavam os antigos “terratenientes” – organizados na CAP, os pequenos agricultores e rendeiros – organizados nas Ligas de Pequenos e Médios Agricultores e os operários agrícolas organizados nas UCP’s/Cooperativas e em que a luta partidária era intensíssima, sectores profissionais ligados à CAP constituíram uma outra Cooperativa de Agricultores, sediada na “Regional” a CAESA – Cooperativa de Agricultores de Esperança e Arronches, que terminaria anos mais tarde, como forma de combater a Trabalho e Progresso e as políticas que esta corporizava.

A Cooperativa de Produção Agrícola assume então o património, os funcionários e as funções de apoio à lavoura e em particular aos pequenos e médios agricultores e às Unidades Coletivas de Produção entretanto constituídas e assume-se como “delegação” das instituições públicas de apoio ao desenvolvimento agrícola e continua a ser o “balcão de acesso “ dos agricultores ao CAE – Crédito Agrícola de Emergência, entretanto também acessível às UCPs/Cooperativas.

No período seguinte a Cooperativa cresce e garante alguns grandes investimentos. É desse tempo a instalação do mais moderno lagar de azeite de toda a região, instalado no porto manes para substituir o anterior sediado no Moinho dos Santos.

As alterações impostas no tecido económico do concelho, e da região, e particularmente a destruição da agricultura tradicional aceleraram a perda de importância económica e o definhamento da Cooperativa Trabalho e Progresso. As dificuldades financeiras crescem e a Cooperativa começa a ter sérias dificuldades em honrar os seus compromissos. É o tempo do abandono de várias atividades e da venda de grande parte do seu património.

Esgotado o caminho do apoio a uma agricultura que não existia os gestores da Cooperativa procuram novos caminhos abrindo um salão de chá e um restaurante e acrescentando ao fabrico de pão o fabrico e distribuição de bolos e alugando parte do seu edifício sede para sede da Caixa Agrícola.

A última fase da Cooperativa (a sua fase terminal) é já como mini-mercado. Após uma alteração de Estatutos passa a assumir-se como Cooperativa de Consumo e promove uma parceria com a COP Lisboa que lhe permitirá assumir-se como um moderno espaço comercial e, dessa forma garantir a manutenção dos postos de trabalho aos seus trabalhadores.

Não foi possível. O montante de vendas sempre ficou aquém das necessidades e a Cooperativa foi acumulando dívidas e perdendo património.

Ainda se arrastou alguns anos vivendo da “carolice” de dirigentes e trabalhadores até ter agora decidido em Assembleia Geral que estava chegada a hora de assumir o seu fim.

A Cooperativa acabou e com ela morre uma parte importante da nossa história recente.

Que não se percam as memórias!

Diogo Serra
Artigo publicado no Noticias de Arronches de Janeiro de 2019