A Cooperativa fechou!
Para muitos arronchenses, mesmo para os que eram
seus clientes, esse facto mesmo que lhes cause algum desgosto, não é mais que
uma situação igual a tantas outras e que na nossa vila e concelho já levaram ao
encerramento de inúmeras empresas e serviços.
E no entanto não é assim. Com a decisão tomada em
Assembleia Geral no passado dia 27 de Dezembro o que agora encerra é muito mais
que um pequeno supermercado que nos habituámos a frequentar ou apenas a ver. O
que encerra é todo um ciclo do nosso viver colectivo, da história da nossa
terra. Um ciclo que justificou e originou sonhos, debates, lutas, modos de vida
e empregos.
O que a maioria de nós, os mais novos, sempre
conheceram como a Loja da Cooperativa – um mini-mercado ou, os menos novos, como
o Salão de Chá e/ou restaurante e que de Cooperativa só tinha os proprietários,
tem por trás de si um passado que retrata a história recente do nosso concelho.
Nasceu como Sindicato Rural (era assim que no final
da monarquia e durante a 1ª Republica se chamavam as organizações dos
proprietários rurais) e passou a Grémio da Lavoura por força da lei nº 1957 de
20 de Março de 1937.
Nasceu e assim se manteve até 1974 como estrutura
de representação politica e económica dos grandes proprietários rurais e, com a
sua transformação em Grémio da Lavoura, como suporte político do Regime de Salazar.
Sediado no nº 52 da Rua 5 de Outubro, mantinha no
r/c a sua secção comercial garantindo aos seus associados o fornecimento de
produtos e máquinas necessários à vida agrícola. Em finais dos anos cinquenta
do século passado muda-se para novas e modernas instalações na Rua Edmundo
Curvelo, ocupando todo o edifício onde ainda hoje “mora”.
No primeiro andar funcionavam as estruturas de
representação política da lavoura e os serviços administrativos mas também os
serviços da FNPT – Federação Nacional de Produtores de Trigo e a Caixa
Agrícola. Nas amplas instalações do r/c os armazéns de cereais, lã e adubos e a
zona de comercialização de produtos à lavoura e parque de máquinas agrícolas
cujos serviços eram prestados aos associados.
O Grémio era ainda proprietário de instalações no
Moinho dos Santos (lagar de azeite e padarias) e na rua João Morais (oficina de
reparação mecânica e armazém de peças e ferramentas).
Peça fundamental da organização política e
económica do salazarismo, os Grémios da Lavoura viriam a merecer a atenção do
poder político democrático saído do 25 de Abril.
Em Setembro de 1974 o Segundo Governo Provisório,
através do decreto-lei (D/L nº 482/74) estipula a extinção dos Grémios da
Lavoura e a transferência do seu património e funções, assegurando-se a
colocação do pessoal.
Para o efeito são criadas Comissões Liquidatárias.
O Grémio da Lavoura de Arronches é também objeto
desse processo. É nomeada uma Comissão Liquidatária e é ela quem dirige a
passagem do Grémio da Lavoura à Cooperativa Agrícola denominada Cooperativa
Agrícola Trabalho e Progresso e para a qual são transferidos o património, os
trabalhadores e as funções.
Num tempo de intensa actividade politica e de
grandes alterações no mundo rural a extinção dos Grémios da Lavoura e a
constituição de Cooperativas para assumirem as suas funções não foi pacífica,
como igualmente não foi a constituição das Comissões Liquidatárias.
Em Arronches este processo também não foi pacífico,
embora a contestação a uma e outras situações não tenha atingido as dimensões
vividas em outros concelhos e tal deveu-se, penso, ao facto de aqui quer na
Comissão Liquidatária, quer na fundação e direcção da Cooperativa ter estado
presente a maior empresa agrícola do concelho, a SAGREP – uma Sociedade
Agrícola que reunia os maiores empresários agrícolas dos concelhos de Arronches
e Campo Maior.
Também as Unidades Colectivas de Produção Agrícola entretanto
constituídas participaram activamente na constituição da Cooperativa mas nunca
participaram nos órgãos de direcção e a gestão executiva da Cooperativa continuou
a ser assegurada pela mesma pessoa que assumira a gerência nos últimos anos do
Grémio então extinto.
Apesar desta participação alargada a Cooperativa
não recolheu a aprovação da totalidade dos seus destinatários. Num tempo em que
nos campos alentejanos se degladiavam os antigos “terratenientes” – organizados
na CAP, os pequenos agricultores e rendeiros – organizados nas Ligas de
Pequenos e Médios Agricultores e os operários agrícolas organizados nas
UCP’s/Cooperativas e em que a luta partidária era intensíssima, sectores
profissionais ligados à CAP constituíram uma outra Cooperativa de Agricultores,
sediada na “Regional” a CAESA – Cooperativa de Agricultores de Esperança e
Arronches, que terminaria anos mais tarde, como forma de combater a Trabalho e
Progresso e as políticas que esta corporizava.
A Cooperativa de Produção Agrícola assume então o
património, os funcionários e as funções de apoio à lavoura e em particular aos
pequenos e médios agricultores e às Unidades Coletivas de Produção entretanto
constituídas e assume-se como “delegação” das instituições públicas de apoio ao
desenvolvimento agrícola e continua a ser o “balcão de acesso “ dos
agricultores ao CAE – Crédito Agrícola de Emergência, entretanto também
acessível às UCPs/Cooperativas.
No período seguinte a Cooperativa cresce e garante
alguns grandes investimentos. É desse tempo a instalação do mais moderno lagar
de azeite de toda a região, instalado no porto manes para substituir o anterior
sediado no Moinho dos Santos.
As alterações impostas no tecido económico do
concelho, e da região, e particularmente a destruição da agricultura
tradicional aceleraram a perda de importância económica e o definhamento da
Cooperativa Trabalho e Progresso. As dificuldades financeiras crescem e a
Cooperativa começa a ter sérias dificuldades em honrar os seus compromissos. É
o tempo do abandono de várias atividades e da venda de grande parte do seu
património.
Esgotado o caminho do apoio a uma agricultura que
não existia os gestores da Cooperativa procuram novos caminhos abrindo um salão
de chá e um restaurante e acrescentando ao fabrico de pão o fabrico e
distribuição de bolos e alugando parte do seu edifício sede para sede da Caixa
Agrícola.
A última fase da Cooperativa (a sua fase terminal)
é já como mini-mercado. Após uma alteração de Estatutos passa a assumir-se como
Cooperativa de Consumo e promove uma parceria com a COP Lisboa que lhe
permitirá assumir-se como um moderno espaço comercial e, dessa forma garantir a
manutenção dos postos de trabalho aos seus trabalhadores.
Não foi possível. O montante de vendas sempre ficou
aquém das necessidades e a Cooperativa foi acumulando dívidas e perdendo
património.
Ainda se arrastou alguns anos vivendo da “carolice”
de dirigentes e trabalhadores até ter agora decidido em Assembleia Geral que
estava chegada a hora de assumir o seu fim.
A Cooperativa acabou e com ela morre uma parte
importante da nossa história recente.
Que não se percam as memórias!
Diogo Serra
Artigo publicado no Noticias de Arronches de Janeiro de 2019