quarta-feira, 24 de outubro de 2018







O pão que sobra à riqueza
Distribuído pela razão
Matava a fome à pobreza
E ainda sobrava pão.
(António Aleixo)

Combater a pobreza ou “fazer o mal e a caramunha” ?

As “forças vivas” da cidade e do distrito inundaram Praças e Largos, no nosso caso foi o Mercado Municipal, com a sua presença “solidária” e com a policromia dos inúmeros chapéus-de-chuva construídos pelas crianças.

Tratou-se, dizem-nos, de tomar posição contra a pobreza que se espalha e assinalarem, assim, o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza que desde há mais de uma década se assinala a cada 17 de Outubro.

Entretanto e animada pelo mesmo espírito, a comunicação social dava-nos conta dos números arrasadores do que se passa no mundo: A riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale à riqueza dos 99% restantes; quase dois milhões e meio de portugueses são pobres e entre estes mais de um milhão são trabalhadores que desenvolvem diariamente uma actividade profissional.

Apesar de reconhecer que algumas (muitas) participações têm mais a ver com pequenas vaidades pessoais do que com demonstrações de solidariedade e de que não será assim que alteraremos seja o que seja, não deixo de reconhecer que estas manifestações servem, pelo menos, para “desassossegar “consciências.

Situo-me entre os que entendem que a pobreza não se combate, evita-se! Evita-se garantindo uma justa repartição da riqueza produzida, que as conquistas técnico-científicas sirvam para reduzir a penosidade e a jornada de trabalho em vez de, como sucede, esmagar os salários e criar desemprego para continuar a engordar a ganância insanável dos detentores do capital.

O exemplo português á paradigmático. Nos últimos anos Portugal registou o aumento dos muito ricos e dos muito pobres e isso não é uma fatalidade ou uma qualquer lei divina. Esta situação é a consequência das opções políticas de quem está no poder ou neles manda.

A destruição do Direito do Trabalho com o fim dos mecanismos de protecção da parte mais fraca, o desmantelamento da garantia da contratação colectiva e dos mecanismos que a impulsionavam, a imposição de passar a legislação sobre direitos para uma nova versão da câmara corporativa, onde o governo e o patronato garantem a imposição da sua vontade, são as causas que originam a existência de 1,4 milhões de trabalhadores e trabalhadoras que trabalhando não conseguem garantir para si e para as respectivas famílias o mínimo necessário a viverem com dignidade.

É, também, o que se passa com o novo valor para o salário mínimo que, a serem cumpridos os pressupostos com que foi criado, estaria agora nos 1200 euros, a ser atirado para decisão da “câmara corporativa” onde governo e patrões sabem, irão confirmar a decisão de não o colocar nos 650 euros mensais, que os trabalhadores reclamam.

Constatar estas verdades não significa que não entenda como necessária a acção da grande maioria das instituições que estiveram na rua neste dia de “erradicação da pobreza”. Quem tem fome, e são cada vez mais, precisa de pão independentemente de quem o dá ou de como o dá e muitas dessas instituições têm esse papel junto dos que estão mais vulneráveis. Nesse dia, com a sua presença, dão continuidade e visibilidade ao que desenvolvem no dia-a-dia.

 Vergonhoso seria encontrarmos entre eles os deputados pelo distrito que votaram não ao aumento do salário mínimo para 650 euros mensais, que se opõem à reversão das normas mais gravosas do pacote laboral, impostas à boleia duma crise que o capital e os seus governos provocaram e da qual beneficiam.

Como o foi encontrar mo-nos nessas iniciativas com os que decidem, aplaudem e apoiam as políticas que nos impõem reformas e pensões de miséria, que nos “roubam” as escolas, as estações de correios, os serviços de saúde, as juntas de freguesia, as vias de comunicação e os transportes rodo-ferroviários.

A uns e outros o desafio que possamos trabalhar para combater não apenas a pobreza, mas as razões que a originam.


Publicado no Jornal Alto Alentejo de 24-10-18

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