domingo, 24 de junho de 2012

Jogo de Janelas um livro a não perder.


Apresentação do Livro Jogo de Janelas, de Francisco Ceia.


Arronches - Centro Cultural

O passado dia 22 de Junho foi um dia de grande carga emotiva.

O voltar a Arronches para participar numa iniciativa cultural, a responsabilidade que me foi atribuída pelo autor, de apresentar o seu livro, o voltar a estar presente como actor (modesto e de "fugida") nas festas de S.João.

Eu que participei activamente no seu relançamento, que, com outros e outras, nos batemos para que o Feriado Municipal e o S. João de Arronches tivessem a dignidade que a data a celebrar justificava e impunha, senti-me muito bem por estar de volta aos lugares e aos amigos com os quais havíamos vivido muitas aventuras e ganho muitos desafios.

Na mesa, rodeado pelo autor do livro, Francisco Ceia, pelo seu editor, Fernando Mão de Ferro, pelo Vice-Presidente, José Bigares, companheiro de tantas "batalhas" e que ali substituía a sua Presidente que tivera que se ausentar, senti-me retornar aos tempos em que a acção cultural desenvolvida a partir do Município era uma batalha diária, persistemente travada.

Falar do autor e do livro, razões que justificavam a nossa presença ali, ouvir emociano as palavras de alguns dos presentes, assistir a um espéctáculo de rara beleza e duma intensidade que chegava a doer, quando o autor e cantor Francisco Ceia, e o grupo das Pedrinhas de Arronches em palco davam largas à sua magia foram somatórios de momentos duma enorme felicidade.

As breves notas sobre o Autor e a Obra que tive oportunidade de partilhar com os presentes e que aqui vos deixo, foram tão só uma pequeníssima parte do que foi essa tarde de magia.




Breves notas sobre o Autor e a Obra.

Francisco Ceia cantor, actor, músico, escritor, é um cidadão empenhado, um alentejano do mundo e um portalegrense que há muito rompeu as barreiras que limitam a sua cidade, a sua região e o seu país, sem nunca deixar que esse estilhaçar de fronteiras afrouxassem a sua ligação às suas/nossas raízes.

Conhecemo-lo pela convivência diária, pela sua participação empenhada (alguns chamarão loucura) na criação de uma companhia profissional de Teatro numa pequena cidade do interior (a sua nossa Portalegre), pela sua carreira como cantor que manteve na música a sua postura cidadã: empenho, verdade, trabalho, cantando Régio, a sua cidade e a sua gente e não cedendo nunca às tentações do facilitismo e/ou do vedetismo balofos.

Francisco Ceia exibe sempre com orgulho e amor a sua condição de Portalegrense com meninice brincada nos campos de Portalegre à sombra protectora da Fabrica Robinson (mãe e madrasta de várias gerações de meninos/homens).

Filho de operários corticeiros nunca esqueceu o chão, os amigos, os valores que o rodearam desde o berço, até ter conquistado o seu próprio caminho.

O Francisco é, para além de tudo isto e muito mais, meu amigo.

Conhecemo-nos quando do seu regresso a Portalegre, já homem da cultura, numa qualquer noite de delicioso frenesim cultural que diariamente se vivia naquele lugar mágico em que o 25 de Abril e a vontade de jovens e menos jovens, transformara em fábrica de cultura - o Convento de Santa Clara.

Estivemos juntos em muitos e belos momentos que vivi e o Francisco fez sempre questão de marcar presença independentemente do preço que era preciso pagar. Foi assim quando, viola e canto, animava as sessões da minha candidatura à Câmara de Arronches ou quando colocava a voz e a sua capacidade de músico, de letrista e de organizador ao serviço da campanha pelo Sim à  Regionalização e o Sim à Região Alentejo.

Como escritor só o descobri há muito pouco tempo.

Soube do seu livro no dia 27 de Abril.  Em Portalegre, no Convento de S. Francisco, onde outro amigo, o António Murteira, me honrara com o convite para apresentar o seu “sabores com poemas”.

Descobri-o pela palavra do Professor Martinó, a 19 de Maio, no auditório do Museu da Tapeçaria num dia em que o Francisco nos brindou com outra maravilhosa surpresa: a música extraordinária que, também é, a sua filha mais nova.

Nesse dia em que ouvi o Prof. Martinó a procurar decifrar as histórias contidas num livro escrito como um poema mas que o não era bem. Quando desafiava o Francisco a abrir o seu livro e a entregar outras chaves que lhe permitissem entrar mais facilmente nos sonhos vividos pelo autor, estava longe de adivinhar que estaria hoje convosco a falar desse mesmo livro que o apresentador dizia precisar de chaves para abrir os labirintos que o autor se deliciava em fazer-nos percorrer.

Mas o Francisco requisitou-me e só havia uma resposta: Sim!

Um sim e um agradecimento por me proporcionar voltar à nossa terra e voltar a fruir de um momento cultural na companhia de amigos e amigas que se bateram e batem para que Arronches seja, também, uma terra de cultura.

Agora uma palavra sobre o livro que foi para isso que o Francisco me convidou.

Porque esta minha tarefa foi antecedida de muitas outras onde ilustres figuras fizeram a apresentação deste “Jogo de Janelas”, ela estará facilitada.

Se o tivesse que fazer em breves linhas bastar-me-ia tomar de empréstimo o que foi dito anteriormente:

Pelo Prof. Doutor Jorge de Oliveira cujo trabalho e amizade que dedica a esta terra é por todos os arronchenses reconhecida:

 “Não é um livro do momento é um livro de muitos momentos. Não é um livro da moda, é um livro intemporal. Tão real, ou irreal é hoje como o será daqui a muitos, muitos séculos. Não é um livro para esta, ou para aquela geração, ele é intemporal”

Ou o que escreveu  António Murteira, outro amigo, ele próprio com ligações a Arronches quando por aqui andou em acção revolucionária.

“Imaginem um teatro que dá a volta ao mundo. Se quiserem podem prolongá-lo até à lua, até onde a imaginação de cada um for capaz de alcançar. É nesse imenso palco que se desenrolam os acontecimentos que Francisco Ceia nos conta em Jogo de Janelas. São 22 Janelas abertas para mar e terra. 22 Janelas que nos convidam a observar o que pudermos e soubermos alcançar.”.

Mas deixemos os empréstimos e falemos do que eu vi.

O Francisco escreve com a beleza com que canta e a alma que põe na representação. Tendo como cúmplices o Pêpo e o computador a que Orat dá voz, conta-nos histórias olhadas do lado de cá do medo, com os olhos e o coração de quem combate a opressão, a ignomínia e a traição com armas tão eficazes como o amor, a paz e a igualdade.

Fazendo-se chegar numa qualquer caravela quinhentista coloca-nos através de Frei Avelindo perante o outro lado da nossa epopeia marítima e pela voz de Ti Bambulo ou pela fuga de Arcéu Milhano mostra-nos a face do “Santo Ofício”.

Mostra-nos a crueza da guerra e a violência dos danos colaterais colocando-nos na mesma rua onde uma bala assassina tira a vida à criança que o pai procura proteger com o seu próprio corpo, ou a acção “evangelizadora” dos descobrimentos colocando-nos na aldeia de Kimbo e Murumbi.

Desembarca na Raia, na terra onde o Francisco nasceu e bem conhece. E não é pelo facto desta distar mais de 200 km do mar que história tropeça.

Aqui nesta serra de São Mamede ou S. Mamed que é a nossa, num Castelo de uma vila que pode ser Alegrete, Marvão ou qualquer outra, mostra-nos um mundo recheado de personagens do nosso imaginário e um conjunto de acontecimentos que pela sua humanidade nos comovem ou pela sua canalhice nos levam a repudiar.

Pelos mandantes da época e pelos lacaios que os servem somos transportados para os dias de hoje e para os casos vividos pela arraia-miúda, revemo-nos num viver de dificuldades mas também na nossa capacidade de resistir e lutar, na solidariedade e na ternura com que então e agora enfrentamos as agruras e as traições.

Ao longo da história o autor mostra-nos um conjunto de personagens em que vislumbro muita da nossa gente de hoje e daqui. O ferreiro Manuel Tição e a sua combatividade e capacidade de trabalho, a disponibilidade da esposa Rosa Florinda, a coragem do filho José Cotovia - pastor e guerreiro, a solidariedade entre os pés-descalços, a unidade que opõe à razão da força a força da razão.

Recorda-nos a força do amor, capaz de opor as alianças de sangue às disputas de fronteira, quando nos dá a conhecer a filha de Maria de La Felicidad, espanhola e de José Cotovia, pastor português travestido de soldado.

E deixa-nos esperança num mundo melhor.

Podemos transportar-nos para aqui e agora.

Porque também aqui e agora …de todo o lado se ouve de novo o uivo dos chacais e de novo quem empurra fria e inexplicavelmente, os seus filhos para outras paragens …” os do costume…e mais, a molusca meia dúzia de acólitos, e pajens.
Esses vermes, sim… carcomem as vontades… vedam à vida, o arejo, Receiam o novo, o diferente, chafurdam no lodo, sem pingo de pejo!

Porque também aqui e agora é urgente “Abrir a terra de mel prometida, a derradeira,
Onde reinam nobres, a pomba e o ramo de oliveira"

Porque como disse o professor Jorge Oliveira “Não é um livro para esta, ou para aquela geração, ele é intemporal”

Para ti querido amigo, para aquelas a quem dedicas este livro: Adelina, Adriana e Carolina o desejo que possam ver como resultado do teu labor e coragem, essa terra de mel, sonhada e pela qual lutamos.

Diogo J. Serra

Arronches, 2012-06-22
(a foto de Emílio Moitas foi tomada de empréstimo do seu Blog)

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