sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Elas trabalham mas não recebem salário...


As melhores tapeceiras do mundo, para usar a expressão de Jean Luçart , voltaram à situação dos salários em atraso.
Não é uma situação desconhecida. Há bem pouco tempo o não pagamento dos salários obrigou-as a suspenderem os contratos de trabalho e a recorrerem aos apoios que o estado garante aos trabalhadores desempregados.
Os menos familiarizados com o Norte Alentejano ou desatentos às “coisas” da arte entenderão que a situação vivida pela Manufactura Tapeçarias de Portalegre e a suas tapeceiras é tão só uma questão igual a tantas outras vividas pelas empresas de norte a sul de Portugal.
Todavia é muito mais que uma mera dificuldade pontual de uma qualquer empresa. Desde logo porque se trata de um risco enorme para o nosso património cultural.
A Manufactura Tapeçarias de Portalegre e as suas tapeceiras produzem desde 1947/48, ARTE embalada em tapeçarias.
Instalada pelos seus fundadores, Guy Fino e Celestino Peixeiro no Convento de S. Sebastião, antigo colégio dos jesuítas e actual sede do Município de Portalegre a Manufactura desenvolve a tradicional forma de trabalhar a lã na Serra da Estrela e o “ponto de Portalegre” inventado por Manuel do Carmo Peixeiro enquanto estudante em Roubaix – França .
A primeira tapeçaria saída das mãos das tapeceiras de Portalegre foi feita a partir de um cartão do portalegrense João Tavares. A partir daí a manufactura não mais deixou de cumprir o “sonho” de Guy Fino – reproduzir em tapeçaria genuinamente portuguesa e do modo mais fiel possível os quadros de artistas famosos.
Guilherme Camarinha, Almada Negreiros, Graça Morais, José de Guimarães, Manuel Cargaleiro, Júlio Pomar, Vieira da Silva e Amadeu Sousa Cardoso são alguns de entre cerca de duas centenas de pintores que têm trabalhos seus passados a tapeçaria pelas mãos das tapeceiras de Portalegre.
Únicas em Portugal e no mundo as tapeçarias de Portalegre estão espalhadas pelo cinco continentes e são o melhor cartão de visita de Portalegre e do país.
Essa condição, aliada ao seu inegável valor fazem das Tapeçarias e das tapeceiras de Portalegre o principal recurso de uma cidade e de uma região que parecem apostar na actividade turística como uma das suas principais linhas de desenvolvimento.
É neste contexto que as crises de financeiras que ciclicamente põem à prova a resistência das tapeceiras e da própria empresa não parecem ter justificação.
É verdade que se trata de produção de arte e que o seu custo é elevado. É certo que a crise que actualmente se abate sobre o sistema capitalista não é propiciadora de investimentos em bens de alto valor mesmo que, como muitos defendem, o investimento em arte seja de fácil retorno. Mas, não é menos verdade que a importância cultural, e turística, da Manufactura e das Tapeçarias, justificam que não deixemos apenas nas mãos dos proprietários da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre a resolução das dificuldades com que se debate a continuação deste importante veículo promocional de Portalegre e da Região.
Se queremos continuar a dispor deste importante recurso não podemos continuar a “brincar”, ou a fingir que não percebemos que os produtos culturais e turísticos não nascem de gestação espontânea e que não perduram no tempo se não forem acarinhados.
Não basta dizer que temos um museu porque à boa vontade juntámos meia dúzia de obras e, contamos com a boa vontade de quem possa emprestar-nos algumas outras; não chega orgulharmo-nos por termos sedeada no nosso território a Manufactura e serem lagóias as sua tapeceiras; não serve dizermo-nos solidários quando surge uma nova crise e deixar para os outros, ou para o mercado, a resolução da quebra acentuada de vendas, dos salários em atraso, da não renovação do quadro de tapeceiras.
Na cidade e na região tem vindo a crescer o número dos que entendem que o desenvolvimento do turismo pode ser um eixo importante para o desenvolvimento ambicionado e, tem vindo a crescer igualmente o número dos que acreditam que o desenvolvimento de tal eixo tem que passar pelo aproveitamento e manutenção do que de melhor temos para oferecer e entre o melhor estão inegavelmente as Tapeçarias de Portalegre.
Alguns, entre os quais me incluo, já perceberam que é nas tapeçarias e na sua singularidade que ganhamos a diferença entre as regiões que connosco “concorrem. Mas é imprescindível que essa percepção chegue a outros porque para levar a bom porto esta “ideia” é necessário investimento, de capitais e de inteligência, é necessário trabalho de equipa, é necessário que todos, lagóias, governos local e nacional se disponibilizem para cumprir a sua parte.
A “salvação” das Tapeçarias de Portalegre passa pela “construção de Um Museu (a sério) da Tapeçaria de Portalegre. Um Museu que seja, como deve ser, uma colecção de obras, situado num espaço construído de raiz, que seja apelativo e com condições para expor as obras e mostrar como se criam, que mantenha com a Manufactura Tapeçarias de Portalegre uma relação de proximidade e colaboração e seja, por si só, factor de atractividade capaz de colocar Portalegre e a sua região nos roteiros internacionais do Turismo Cultural.
Se for possível trilhar este caminho assegurando o presente e o futuro das Tapeçarias, da Manufactura e de Portalegre estaremos em condições de garantir que as Melhores Tapeceiras do Mundo possam continuar a produzir arte, tenham garantido o primeiro direito de quem trabalha que é o direito ao salário.

Diogo Serra
Artigo publicado na Revista Alentejo

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