sábado, 22 de fevereiro de 2025

NUM TEMPO (e num país) DO FAZ DE CONTA !

 

NUM TEMPO (e num país) DO FAZ DE CONTA !

“Portugal caiu nove lugares no Índice de Percepção da Corrupção 2024: ocupava a 34ª posição e está agora na 43ª, num total de 180 países analisados, com 57 pontos, o valor mais baixo de sempre.”

Esta a “notícia” que na passada semana abriu telejornais, fez machetes em jornais ditos de referência, ocupou políticos e opinadores e sobretudo, foi motivo avançado para abrir caminho ao intensificar do discurso alarmista e as portas aos sonhos da direita em normalizar o lobismo.

Só muito poucos se preocuparam em descodificar a bombástica noticia e rapidamente esta era “vendida” como se a corrupção em Portugal tivesse atirado o país para patamares só comparáveis a países do considerado terceiro mundo.

Mesmos na classe política e nos profissionais da comunicação social não se fizeram ouvir palavras e textos que colocassem a “notícia” no seu devido lugar. Ninguém ousou dizer-nos que afinal não tínhamos mais corrupção (a que existe realmente já é suficiente para nos deixar envergonhados) tínhamos isso sim, gente mais mal informada ou menos capaz de pensar pela sua própria cabeça. Que tinha aumentado, isso sim, a circulação de mentiras, a capacidade de uns quantos, chamemos-lhes “influencers” ou pantomineiros em semearem as notícias falsas e os “achismos”, em espalharem lama e ódio por vastos setores da sociedade.

Na verdade, tanto na corrupção como na segurança e insegurança ou nas questões de refugiados ou imigração, o que aumentou foi percepção que se constrói a partir das narrativas construídas sobre determinado tema, mesmo que, (quase sempre) baseada na repetição de mentiras e na ampliação desmedida de situações verdadeiramente existentes.

Em Portugal já devíamos estar imunes às narrativas e práticas de quantos usam e abusam das narrativas pensadas para enganar os incautos, para transformar cenários em realidade aceite, para nos levar a assumir as suas e dos seus mandantes verdades e vontades. E fazem-no desde há muito, mesmo muito antes de terem ao seu dispor, como hoje têm, as ferramentas que transforma em (quase) verdade a mais abjecta mentira.

Foi assim com a encenação da “matança da Páscoa” que justificou o golpe militar de Spínola, derrotado pela aliança Povo-MFA mas que provocou a morte de um militar no Ralis, voltou a sê-lo no verão de 75 e pelo ano de 76, para justificar a ação das redes terroristas e bombistas com que a direita trauliteira pôs Portugal a arder e semeou violência e morte de norte a sul do país.

Foram também as percepções semeadas que se apresentaram como suporte da destruição por Barretos, Portas e quejandos, da Revolução Social e agrária nos campos do Alentejo e Ribatejo e os espancamentos e assassínios de trabalhadores. Foi-o mais recentemente quando as percepções construídas permitiram as campanhas de ódio contra a Festa do Avante e alimentam hoje as campanhas de ódio contra imigrantes e minorias étnicas e religiosas.

Todas elas com objetivos e autores facilmente identificáveis. Todas elas a anos-luz da verdade. Todas elas servindo como lebre, às aspirações de quantos não conseguem adaptar-se às regras da democracia e à Constituição que as garante.

Diogo Júlio Serra

 

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