ERRADICAR A
POBREZA? POIS…
No passado dia 17 assinalou-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, num tempo em que esta não para de aumentar.
Desta vez, fruto da pandemia que nos atinge, não vimos por cá nenhuma daquelas manifestações propagandísticas com que alguns nos procuram hipnotizar e outros entendem poder expiar a sua própria culpa.
Entretanto são diversas as instituições a denunciarem as desigualdades crescentes:
A FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura denuncia que 690 milhões de pessoas (1 em cada 10 pessoas que habitam o nosso planeta) padeciam de fome em 2019 e que este ano se lhes juntarão mais 130 milhões, estudos recentes evidenciam que a fortuna dos muitos ricos cresceu apesar da crise sanitária à escala global.
No país a construção/aprovação do Orçamento de Estado tem lugar num tempo em que a pandemia infecta e mata a cada dia que passa enquanto diminui drasticamente, fruto do desemprego, da diminuição dos salários e pensões e da destruição dos pequenos negócios, o rendimento dos trabalhadores e das famílias com as estatísticas a revelarem que 1 em cada 10 trabalhadores empobrecem a trabalhar.
A nossa região e o nosso concelho são, por características próprias, dos mais atingidos pela perda de rendimentos e pelo empobrecimento.
Conforme tem vindo a ser denunciado pelos responsáveis sindicais e de diferentes entidades de solidariedade, os números do desemprego registado não param de crescer, o trabalho precário e mal pago, as reduções de horário e de vencimento, o regresso dos salários em atraso atingem fortemente as famílias, levando a um aumento muito significativo dos pedido de ajuda de bens alimentares e de apoio para pagamento da renda e dos seus consumos.
Nesta situação de alastramento da pobreza para a maioria são ainda mais condenáveis quer os aproveitamentos dos que dela se servem para aumentar fortunas mas também as posturas dos que podendo, nada ou pouco fazem para minorar o empobrecimento.
Atendamos às posturas, diferentes, com que a pobreza (que todos dizem querer erradicar) é encarada.
A nível global só a voz do Papa Francisco consegue fazer-se ouvir "Persistem hoje no mundo inúmeras formas de injustiça, alimentadas por visões antropológicas redutivas e por um modelo económico fundado no lucro, que não hesita em explorar, descartar e até matar o homem. Enquanto uma parte da humanidade vive na opulência, outra parte vê a própria dignidade não reconhecida, desprezada ou espezinhada e os seus direitos fundamentais ignorados ou violados". (Carta Encíclica Fratelli Tutti)
No país e quando o governo de António Costa se afadiga no convencimento aos partidos à sua esquerda da imprescindibilidade de ser aprovado o Orçamento, o que deste se conhece é que ao contrario do propalado é um orçamento de austeridade. “Um O.E. que aumenta os impostos em 2.839 milhões€, que congela pensões superiores a 659€ e que aumenta as de valor inferior apenas entre 2,6€ e 4,2€ por mês e só para entrar em vigor em 1/8/2020, que congela novamente os salários dos trabalhadores da função pública, que reduz a despesa com a educação e não reforça as transferências para o SNS, em que o investimento público é insuficiente pois é pouco superior ao consumo de capital fixo, é certamente um orçamento de austeridade. (Eugénio Rosa, economista)
Na nossa cidade e concelho, onde desta vez não foi possível o show off com árvores vestidas de malha ou quaisquer outras “invenções”, a situação é ainda mais gritante com o aumento do desemprego, a precariedade e diminuição dos salários, a perda de rendimentos dos pequenos comerciantes e prestadores de serviços obrigados a encerrar ou que viram diminuir drasticamente as vendas e rendimento.
Uma situação que veio agravar e muito, as precárias situações de muitos portalegrenses.
Esperar-se-ia que o Governo do Concelho reagisse criando as condições de apoio necessárias ao minimizar de tão graves situações.
Não foi assim. O Executivo CLIP mais, (muitas vezes) o ombro amigo que o ampara, não só não avançaram com medidas como foram sistematicamente chumbando as propostas para alivio das famílias, ali levadas por vereadores da oposição: a suspensão da cobrança de água ou do estacionamento de superfície, a implementação de subsídios de risco para funções essenciais (como a recolha de lixo, a limpeza urbana, os transportes públicos, ou a manutenção do espaço público, entre outras...), os apoios às associações culturais e desportivas, os apoios escolares em computadores para o ensino à distância ou na aquisição de livros de fichas no regresso às salas de aula, etc...
Não há dinheiro, costuma dizer-se. Não é o caso!
Na primeira reunião de Outubro o saldo de tesouraria era de 3 milhões e, conforme tem sido amplamente denunciado a Câmara de Portalegre decidiu adquirir três imóveis por mais de 200 mil euros para “alugadar” a uma empresa da cidade a quem desde 2005 vem pagando a renda de armazéns que esta ocupa.
Para que nem sequer aceitou distribuir à população mascaras sociais ou prescindir de qualquer parcela dos impostos em benefício dos portalegrenses, apoiar em quase meio milhão de euros uma só empresa é ilustrativo de quem o faz.
Isto surpreende-me? Não. É a luta de classes!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal Alto Alentejo de 21-10-2020