DECRETO-BURLA? OUTRA VEZ?
Decorria o sexagésimo oitavo dia de vida da República quando o Governo
Provisório promulgou um decreto que regulamentava o direito à cessação do
trabalho, o Direito à Greve.
Tratava-se de uma reivindicação do Movimento Operário, que justificara o
enorme surto grevista que se espalhara pelo país nos últimos anos da Monarquia
e criara as condições político-sociais que facilitaram a Revolução Republicana.
Haviam sido, também, as promessas dos republicanos de que as reivindicações operárias
e em particular a regulamentação do direito à greve, seriam realidades com a
mudança de regime que haviam garantido a enorme adesão popular ao
Republicanismo e à sua instalação e defesa.
Só que…
O diploma era muito mais de limitação do que de consagração do direito
à greve. Permitia e estimulava o Lockout, aplicava penas de prisão para quem
perturbasse a ordem pública, proibia o direito à greve aos funcionários,
empregados ou assalariados do Estado, impunha a obrigatoriedade de pré-aviso
com prazo muito alargado…
O decreto era tão distante das expectativas que, de imediato, foi
apelidado de “decreto-burla”, tendo a imprensa operária e em particular o
jornal “O Sindicalista” lançado uma intensa campanha contra ele e o seu autor:
o Ministro do Fomento, Brito Camacho.
E chegados aos dias de hoje, quinhentos e trinta meses depois de
aprovada a Constituição da República que, consagra o poder local com três
pilares – a freguesia, o concelho e a região administrativa, é noticiada a
promulgação de novo “decreto burla”?
É disso que trata o decreto de eleição indireta dos Presidentes das
CCDR, diz-se, já este ano?
Não e Sim!
Não, no que concerne a promessas formais inscritas nos programas de
governo (que não as houve) ou, a quaisquer, sinais de disponibilidade para
afrontarem os poderes que, continuam a opor-se ao cumprimento desse dever
constitucional, incluindo o actual Presidente da República.
Sim, no que respeita às expectativas existentes em muitos milhares de
portugueses e em particular no seio dos autarcas, de que seria agora o tempo de
cumprir a Constituição. Vontade bem expressa no último Congresso dos Municípios
Portugueses.
Sim, no que respeita às expectativas dos alentejanos e dos seus
autarcas que, têm vindo a desenvolver esforços para criarem condições que
permitam testar “vantagens e dificuldades” da instalação deste patamar do poder
local.
Sim, no que significa de mexer alguma coisa – a tal eleição indireta
dos Presidentes da CCDR, para deixar tudo na mesma – continuar o poder
discricionário do governo central ou pior, consolidar assim a mascarada de
falsa descentralização – descentralizando deveres e centralizando decisões –
que o Partido Socialista tem vindo a impor com o apoio claro ou camuflado do PSD.
O decreto-lei que tem vindo a ser “trabalhado em semi -clandestinidade”
e já foi promulgado pelo Presidente da República, aponta como “novidade” a
eleição dos Presidentes das Comissões de Coordenação Regionais por um colégio
eleitoral, constituído por autarcas de cada região plano. Mas, como sublinha o
próprio Presidente da República, “mantém integralmente a natureza jurídica das
CCDR como Administração Desconcentrada do Estado, mantém igualmente os poderes
de direção – ordens e instruções -, de supervisão e disciplinares por parte do
governo…”
Estamos pois, perante um diploma que visa fingir que democratiza o que
de facto mantém, sob o seu férreo controlo. Finge que descentraliza, quando se
limita a juntar melhor para melhor controlar e, neste aspeto, sim é um “novo
decreto-burla” como o “tal de há cento e doze anos atrás.
Mas, mais que “decreto-burla” é decreto-previdente. Acautela
zelosamente o poder “absolutista” do Governo Central.
Na nossa Região, o Alentejo, o colégio eleitoral para eleger o
Presidente da CCDRA será constituído por 1288 autarcas, dos quais o Partido do
Governo tem 612 o que garante à partida, ser uma personalidade do PS a ganhar a
corrida eleitoral. Mesmo assim, o decreto aprovado garante que será o governo
(no nosso caso de novo o PS) a indicar um dos vice-presidentes. Mas, e aqui
está a faceta de prevenção, o Governo pode sempre demitir o Presidente eleito
não aconteça que alguns dos seus autarcas se “esqueçam” de atender “o tal”
telefonema.
Não é nada assim e sou eu que estou a ser preconceituoso? Talvez, mas
não consigo esquecer quando os Presidentes da CCDR eram nomeados a partir de
nomes indicados pelo Conselho Regional e no Alentejo indicámos o nosso
conterrâneo Dr. João Transmontano Minguéns.
O governo de então – também do PS – gostou tanto da ideia que se
apressou a mudar a lei não fosse repetir-se a “gracinha”. Também aqui, é fácil
compararmos com a posição dos Republicanos que foram obrigados a deixar votar
uma mulher mas de imediato mudaram a lei para suprir a “lacuna” que tal havia
permitido.
Diogo Serra
Publicado no Jornal do Alto Alentejo de 17-06-2020