quarta-feira, 22 de abril de 2020

O PODER DO MEDO!




O PODER DO MEDO!*

O medo é que guarda a vinha!

Cresci a ouvir dos mais velhos este ditado popular. Através dele a “sabedoria popular” ensina-nos que é o receio das consequências que inibe, ou não, o “ladrão” de cometer a acção.

Hoje, já no outono da minha presença nesta etapa da vida, constato que o medo nos leva a muito mais que a inibição de “ir à vinha”. O medo liberta sentimentos reprimidos pelas regras que as sociedades organizadas nos colocam. Traz à tona o que de pior existe em cada um de nós e tolda-nos a capacidade de, como humanos, sermos racionais.

Já conheço há muito que o medo, o desconhecido, abre caminho ao preconceito e alimenta o ódio - racial e étnico – e os mais disparatados sentimentos nacionalistas. Quem como eu dedicou algum tempo da sua vida ao trabalho com diferentes etnias ou viveu de perto os problemas dos trabalhadores migrantes (africanos nos estaleiros do Alqueva, trabalhadores vindos dos países do Leste à procura de emprego em Portalegre, trabalhadores de etnia cigana “temporeros” nos campos de tomate na Extremadura espanhola, não precisa de frequentar as redes sociais para conhecer até onde o medo, o preconceito e a irracionalidade podem arrastar o ser humano.

São os ciganos, os estrangeiros, agora os chineses… os culpados de todo o mal que nos acontece, ou pensamos estar-nos a acontecer e não é este ou aquele indivíduo, são todos.

Aprendi também fruto de uma vivência de décadas no seio do movimento operário que essa expressão do medo que gera a intolerância tem igualmente uma forte componente classista. Os ciganos são todos “bandidos” mas só se não forem ricos ou famosos. Os africanos negros são todos preguiçosos, quase bandidos, excepto se for o “tal” futebolista famoso, ou o “ricaço” conhecido.

Mas não precisam de ter a cor da pele diferente, ser de determinada etnia ou simplesmente estrangeiros. O ódio, este preconceito classista, manifesta-se também contra os seus iguais: os trabalhadores que lutam pelos seus direitos e, tantas vezes, pelos direitos de todos; os funcionários públicos, porque são funcionários públicos, os trabalhadores do privado porque são do privado; os estudantes, os desempregados os beneficiários do rendimento social.

Igualmente se constata que o medo, esse medo que tolhe a lucidez e a inteligência, é o combustível por onde corre o fogo ateado por incendiários populistas que já nem escondem a vontade de destruir a democracia e os direitos individuais e colectivos que esta nos trouxe.

É por isso que se nos impõe a luta sem tréguas nem desânimos contra o medo, material combustível que alimenta a intolerância, a xenofobia e o ódio que, também no nosso país, aspira a que o poder do medo leve o medo ao Poder!

Diogo J. Serra
* publicado no Jornal do Alto Alentejo de 21-04-2020

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Isto vai camaradas, Isto vai!




Isto vai camaradas, Isto vai!*

À data em que escrevo, 3 de Abril, não deveria estar por aqui, fechado em casa, mas em Estremoz, cidade que deveria estar a assumir-se como a capital do Alentejo e a receber os alentejanos das quatro sub-regiões e de toda a diáspora.

Na verdade, se o ciclo natural das nossas vidas não tivesse sido interrompido pela pandemia que nos mantém em sobressalto iniciar-se-ia hoje, naquela cidade, o Congresso dos Alentejanos.

Ali, no Congresso que a defesa da saúde de todos nos fez adiar, iríamos debater o futuro que queremos para a Região e em particular, a necessidade de encontrarmos caminhos que permitam testar as vantagens, ou não, que advirão do cumprimento do preceito constitucional e da vontade dos alentejanos, da criação das Regiões Administrativas.
Fá-lo-ia-mos um dia depois do 45º aniversário da Constituição da Republica Portuguesa, quando na Presidência da Republica está um deputado da Assembleia Constituinte e em vésperas de comemorarmos, com constrangimentos mas em liberdade os 46 anos da Revolução dos Cravos.

A grave situação que vivemos no país e no mundo, a necessidade de combatermos e vencermos a Covid 19 que já matou mais de um milhão de cidadãos, impôs-nos o adiamento desta importante iniciativa. Fá-la-emos mais adiante.

Agora é tempo de outras batalhas e apesar dos resultados mais nefastos da pandemia estarem, até agora, a poupar o nosso território a mobilização de todos é fundamental, como será fundamental esse mesmo empenhamento quando vencida a pandemia, for necessário recuperar a economia, o emprego, os direitos…e fazer o luto.

Para os trabalhadores, os micro e pequenos empresários de todos os ramos de actividade, o tempo é de resistência. Para os primeiros de resistência aos aproveitadores que a pretexto da crise pretendem impor o regresso da lei da selva às relações laborais. Para os segundos, de resistência à gula dos predadores que querem aproveitar-se da sua debilidade para os sacrificar ao “deus capital” e à sua insanável sede de lucros.

Quando pela primeira vez nos 45 anos de democracia que Abril nos trouxe o país vive sob os constrangimentos impostos pela proclamação do estado de emergência. Quando, também por aqui, se fazem ouvir, e sentir, os “apetites do grande capital e as acções dos seus governos, da sua comunicação social e das suas máquinas repressivas contra os trabalhadores, os seus direitos e as suas organizações é fundamental que saibamos impor, mesmo nesta situação de emergência o que o próprio Primeiro-ministro lembrou: “a democracia não está suspensa!”

Aos trabalhadores impõe-se hoje mais que ontem, que saibamos comemorar Abril defendendo os direitos alcançados e as suas organizações representativas!

Assim, estou certo, Abril Vencerá!

Diogo J. Serra
* publicado no Jornal do Alto Alentejo de 8 de Abril de 2020