O pão que sobra à riqueza
Distribuído pela razão
Matava a fome à pobreza
E ainda sobrava pão.
(António Aleixo)
Combater a pobreza ou “fazer o mal e a caramunha” ?
As “forças vivas” da cidade
e do distrito inundaram Praças e Largos, no nosso caso foi o Mercado Municipal,
com a sua presença “solidária” e com a policromia dos inúmeros chapéus-de-chuva
construídos pelas crianças.
Tratou-se, dizem-nos, de
tomar posição contra a pobreza que se espalha e assinalarem, assim, o Dia
Internacional para a Erradicação da Pobreza que desde há mais de uma década se
assinala a cada 17 de Outubro.
Entretanto e animada pelo
mesmo espírito, a comunicação social dava-nos conta dos números arrasadores do
que se passa no mundo: A riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população
mundial agora equivale à riqueza dos 99% restantes; quase dois milhões e meio
de portugueses são pobres e entre estes mais de um milhão são trabalhadores que
desenvolvem diariamente uma actividade profissional.
Apesar de reconhecer que
algumas (muitas) participações têm mais a ver com pequenas vaidades pessoais do
que com demonstrações de solidariedade e de que não será assim que alteraremos
seja o que seja, não deixo de reconhecer que estas manifestações servem, pelo
menos, para “desassossegar “consciências.
Situo-me entre os que
entendem que a pobreza não se combate, evita-se! Evita-se garantindo uma justa
repartição da riqueza produzida, que as conquistas técnico-científicas sirvam
para reduzir a penosidade e a jornada de trabalho em vez de, como sucede,
esmagar os salários e criar desemprego para continuar a engordar a ganância
insanável dos detentores do capital.
O exemplo português á
paradigmático. Nos últimos anos Portugal registou o aumento dos muito ricos e
dos muito pobres e isso não é uma fatalidade ou uma qualquer lei divina. Esta
situação é a consequência das opções políticas de quem está no poder ou neles
manda.
A destruição do Direito do Trabalho
com o fim dos mecanismos de protecção da parte mais fraca, o desmantelamento da
garantia da contratação colectiva e dos mecanismos que a impulsionavam, a
imposição de passar a legislação sobre direitos para uma nova versão da câmara
corporativa, onde o governo e o patronato garantem a imposição da sua vontade,
são as causas que originam a existência de 1,4 milhões de trabalhadores e
trabalhadoras que trabalhando não conseguem garantir para si e para as
respectivas famílias o mínimo necessário a viverem com dignidade.
É, também, o que se passa com
o novo valor para o salário mínimo que, a serem cumpridos os pressupostos com
que foi criado, estaria agora nos 1200 euros, a ser atirado para decisão da
“câmara corporativa” onde governo e patrões sabem, irão confirmar a decisão de
não o colocar nos 650 euros mensais, que os trabalhadores reclamam.
Constatar estas verdades não
significa que não entenda como necessária a acção da grande maioria das
instituições que estiveram na rua neste dia de “erradicação da pobreza”. Quem
tem fome, e são cada vez mais, precisa de pão independentemente de quem o dá ou
de como o dá e muitas dessas instituições têm esse papel junto dos que estão
mais vulneráveis. Nesse dia, com a sua presença, dão continuidade e
visibilidade ao que desenvolvem no dia-a-dia.
Vergonhoso seria encontrarmos entre eles os
deputados pelo distrito que votaram não ao aumento do salário mínimo para 650
euros mensais, que se opõem à reversão das normas mais gravosas do pacote
laboral, impostas à boleia duma crise que o capital e os seus governos
provocaram e da qual beneficiam.
Como o foi encontrar mo-nos
nessas iniciativas com os que decidem, aplaudem e apoiam as políticas que nos
impõem reformas e pensões de miséria, que nos “roubam” as escolas, as estações
de correios, os serviços de saúde, as juntas de freguesia, as vias de
comunicação e os transportes rodo-ferroviários.
A uns e outros o desafio que
possamos trabalhar para combater não apenas a pobreza, mas as razões que a originam.
Publicado no Jornal Alto Alentejo de 24-10-18