Memórias de/em
Abril*
Em 2017
comemoraremos de novo Abril e afirmaremos Maio.
Para
muitos comemorar e afirmar estas datas é tão natural como viver. Uns porque
viveram os tempos anteriores e se empenharam, uns mais que outros, em construir
a mudança. Outros, felizmente já a maioria, porque nasceram em liberdade e as
datas são naturalmente evocadas, porque já era assim que faziam os seus pais e
avós.
Todavia
ainda há, pasme-se, quem se sinta “roubado” por Abril e pelos caminhos que
abriu.
Será com
esta multiplicidade de sentimentos como pano de fundo que comemorarei Abril
tendo como objectivo final, agora como desde 1974, que Abril se cumpra!
Continuo
a acreditar no poeta da “revolução” que não desistia de proclamar:
“ e se Abril ficar distante
desta terra e deste povo
nós temos força bastante
pra fazer um Abril novo,
Sem a
força do povo em armas, sim! Sem a unidade na acção que derrubou barreiras e
preconceitos, sim! Mas com a força da razão, o poder do saber e o querer da
juventude!
São já
muitos os que me murmuram não ser possível. Cresce o número dos que entendem
que já não há nada a fazer.
Questionam-me
companheiros de jornada e outros mais jovens se valeu a pena? Se valeu a pena a
resistência de muitos e muitas durante a longa noite? Se valeu a pena
abdicarmos ( os que o fizeram) de legitimas aspirações individuais, do sucesso
fácil e, tantas vezes da própria família, para colocar em primeiro lugar a
consolidação da democracia , a afirmação e defesa da Constituição de Abril com tudo o que oferece e obriga?
E usam,
uns e outros, argumentos de peso a susterem as suas dúvidas, o seu cansaço e
por vezes, infelizmente, a sua traição, que nos impõem o discernimento
necessário para não esquecermos que Abril, e Maio foram tão só o materializar
do sonho que “alimentou” as gerações que impuseram e alimentaram e defenderam a
primeira republica, que resistiram à mais longa ditadura fascista, que
construíram um país novo que queriam e queremos de prosperidade e de paz.
Compreendo
as hesitações e interrogações de quantos viveram o PREC, assim mesmo o PREC que
alguns gritam como se fosse um insulto mas que são, tão só as iniciais de um
tempo extraordinário que alguns tivemos o privilégio de viver.
O PREC –
Processo Revolucionário em Curso que levou os soldados a porem fim à guerra
colonial, os trabalhadores a retomarem para si os seus sindicatos e a imporem a
negociação colectiva dos seus contratos de trabalho, as mulheres a assumirem-se
como cidadãs de corpo inteiro e, neste território que é o nosso e os fora apelidaram
de Alem Tejo, os escravos da gleba a assumirem a gestão da terra que durante
algum (pouco tempo) deixou de ser instrumento de opressão e assumiu o seu papel
social.
Para mim
que tive o privilégio de experienciar Abril e continuo a acreditar que é
possível, que valeu e vale a pena, Abril é em cada ano e durante todo o ano, um
bem que importa preservar!
Se outras razões não existissem, e há mil
outras, tinha valido bem a pena o ter-mos “ouvido “ a criança que dizia,
dizia…quando for grande não vou combater!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal Fonte Nova de 24 de Abril de 2007