quarta-feira, 1 de junho de 2016

"Era uma casa muito engraçada"

“era uma casa muito engraçada
Não tinha tecto, não tinha nada.”

     A “modinha” infantil aplicar-se-á ao edifício, propriedade do município, situado no Largo Serpa Pinto e há muito adquirido para ali se instalar o arquivo municipal?
     Não! Não é possível cantar enquanto se desmorona um edifício que é testemunho vivo da história recente da nossa cidade e um marco importantíssimo da história do movimento operário de Portalegre.
     Para os mais novos o edifício em ruínas existente no “ Largo da Boneca” será só mais um entre outros existentes na zona histórica da cidade. Outros recordá-lo-ão como sede do Estrela e lembrarão as tardes e noites ali passadas em sessão de fervor clubista ou praticando os inúmeros jogos de salão ali disponibilizados.
     Para os menos moços a recordação será a da Sociedade Vintém assim designada sem que muitos conhecessem a razão de tal denominação. Só os mais idosos e interessados conheceriam que a designação estava ligada ao custo da quota que os sócios disponibilizavam. Mas adiante, os estudiosos da história da nossa cidade, os estudiosos ou simples interessados da história do Movimento Operário e dos inícios da sua organização em Portalegre sabem que ali, dentro daquelas paredes agora em ruína total, se instalou em 1905, a primeira associação não mutualista nascida na nossa cidade, a Sociedade União Operária.
     Esta Associação, fundada em 1896 sob a égide de George Robinson e de seu cunhado Pedro Castro da Silveira, foi a primeira associação não mutualista a nascer em Portalegre e apresentava como objetivos  “o recreio, a confraternização, a instrução e a ilustração”[1].
     Os estatutos da Sociedade União Operária – S.U.O. permitiam a inscrição de associados de todas as classes sociais mas só aos operários era permitido serem sócios ordinários e votarem e serem eleitos para os órgãos sociais. Os restantes, sócios honorários, não tinham direito a voto nas assembleias gerais nem acesso aos órgãos sociais.
     A S.U.O. viria a ter uma enorme adesão da população operária de Portalegre e foi a partir das suas instalações que se organizaram as primeiras manifestações e desfiles comemorativos do 1º de Maio, ainda no século XIX.[2]
     Quando nos deparamos com a situação de ruína a que o edifício chegou não podemos deixar de condenar a nossa própria inércia perante o destruir das nossas memórias.
     É verdade que já houve intervenção do município para evitar o desabamento do telhado mas após essa intervenção não só não se conhecem quaisquer projectos para o edifício como se assiste (agora a céu aberto) à sua acelerada decomposição.
     O velhinho edifício sede da S.U.O. ( e também o antigo Teatro  Portalegrense) mereciam uma maior atenção dos Portalegrenses e em particular do seu município que, no caso da S.U.O. é igualmente o proprietário do imóvel.
     São conhecidos os constrangimentos financeiros por que passa a Câmara Municipal de Portalegre mas essa situação não pode justificar tudo e particularmente o alheamento dos portalegrenses.
     Em 1896 não foi o município quem assumiu a constituição da S.U.O., foram os operários de Portalegre e algumas das figuras tutelares da vida associativa.
     Um mês depois de constituída a associação já tinha 450 associados. O seu financiamento fazia-se “vintém a vintém”.
     E hoje?
   Cento e vinte anos depois da sua constituição não temos condições para nos quotizarmos (população, empresas, autarquias) e não deixarmos cair a sede da primeira Associação não Mutualista da cidade de Portalegre?

Diogo J. Serra

*Publicado no Jornal Fonte Nova de 31-05-16

[1]  António Ventura, Portalegre – Roteiros Republicanos, Ed QUIDNOVI,2010
[2] As Primeiras manifestações públicas ocorreram no Teatro Portalegrense mas, após a fundação da SUO passaram a ser organizadas na sua sede ou, no caso dos desfiles de rua, com partida e chegada às suas instalações.

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