Apresentação do Livro Jogo de Janelas, de Francisco Ceia.
Arronches - Centro Cultural
Falar do autor e do livro, razões que justificavam a nossa presença ali, ouvir emociano as palavras de alguns dos presentes, assistir a um espéctáculo de rara beleza e duma intensidade que chegava a doer, quando o autor e cantor Francisco Ceia, e o grupo das Pedrinhas de Arronches em palco davam largas à sua magia foram somatórios de momentos duma enorme felicidade.
As breves notas sobre o Autor e a
Obra que tive oportunidade de partilhar com os presentes e que aqui vos deixo, foram tão só uma pequeníssima parte do que foi essa tarde de magia.
Francisco Ceia cantor, actor,
músico, escritor, é um cidadão empenhado, um alentejano do mundo e um
portalegrense que há muito rompeu as barreiras que limitam a sua cidade, a sua
região e o seu país, sem nunca deixar que esse estilhaçar de fronteiras
afrouxassem a sua ligação às suas/nossas raízes.
Conhecemo-lo pela convivência
diária, pela sua participação empenhada (alguns chamarão loucura) na criação de
uma companhia profissional de Teatro numa pequena cidade do interior (a sua
nossa Portalegre), pela sua carreira como cantor que manteve na música a sua
postura cidadã: empenho, verdade, trabalho, cantando Régio, a sua cidade e a
sua gente e não cedendo nunca às tentações do facilitismo e/ou do vedetismo
balofos.
Francisco Ceia exibe sempre com
orgulho e amor a sua condição de Portalegrense com meninice brincada nos campos
de Portalegre à sombra protectora da Fabrica Robinson (mãe e madrasta de várias
gerações de meninos/homens).
Filho de operários corticeiros
nunca esqueceu o chão, os amigos, os valores que o rodearam desde o berço, até
ter conquistado o seu próprio caminho.
O Francisco é, para além de tudo
isto e muito mais, meu amigo.
Conhecemo-nos quando do seu
regresso a Portalegre, já homem da cultura, numa qualquer noite de delicioso
frenesim cultural que diariamente se vivia naquele lugar mágico em que o 25 de
Abril e a vontade de jovens e menos jovens, transformara em fábrica de cultura
- o Convento de Santa Clara.
Estivemos juntos em muitos e
belos momentos que vivi e o Francisco fez sempre questão de marcar presença
independentemente do preço que era preciso pagar. Foi assim quando, viola e
canto, animava as sessões da minha candidatura à Câmara de Arronches ou quando
colocava a voz e a sua capacidade de músico, de letrista e de organizador ao
serviço da campanha pelo Sim à
Regionalização e o Sim à Região Alentejo.
Como escritor só o descobri há
muito pouco tempo.
Soube do seu livro no dia 27 de
Abril. Em Portalegre, no Convento de S. Francisco,
onde outro amigo, o António Murteira, me honrara com o convite para apresentar
o seu “sabores com poemas”.
Descobri-o pela palavra do
Professor Martinó, a 19 de Maio, no auditório do Museu da Tapeçaria num dia em
que o Francisco nos brindou com outra maravilhosa surpresa: a música
extraordinária que, também é, a sua filha mais nova.
Nesse dia em que ouvi o Prof.
Martinó a procurar decifrar as histórias contidas num livro escrito como um
poema mas que o não era bem. Quando desafiava o Francisco a abrir o seu livro e
a entregar outras chaves que lhe permitissem entrar mais facilmente nos sonhos
vividos pelo autor, estava longe de adivinhar que estaria hoje convosco a falar
desse mesmo livro que o apresentador dizia precisar de chaves para abrir os
labirintos que o autor se deliciava em fazer-nos percorrer.
Mas o Francisco requisitou-me e
só havia uma resposta: Sim!
Um sim e um agradecimento por me
proporcionar voltar à nossa terra e voltar a fruir de um momento cultural na
companhia de amigos e amigas que se bateram e batem para que Arronches seja,
também, uma terra de cultura.
Agora uma palavra sobre o livro
que foi para isso que o Francisco me convidou.
Porque esta minha tarefa foi
antecedida de muitas outras onde ilustres figuras fizeram a apresentação deste
“Jogo de Janelas”, ela estará facilitada.
Se o tivesse que fazer em breves
linhas bastar-me-ia tomar de empréstimo o que foi dito anteriormente:
Pelo Prof. Doutor Jorge de
Oliveira cujo trabalho e amizade que dedica a esta terra é por todos os arronchenses
reconhecida:
“Não é um livro do momento é um
livro de muitos momentos. Não é um livro da moda, é um livro intemporal. Tão
real, ou irreal é hoje como o será daqui a muitos, muitos séculos. Não é um
livro para esta, ou para aquela geração, ele é intemporal”
Ou o que escreveu António
Murteira, outro amigo, ele próprio com ligações a Arronches quando por aqui andou em acção
revolucionária.
“Imaginem um teatro que dá a volta ao mundo. Se quiserem podem prolongá-lo
até à lua, até onde a imaginação de cada um for capaz de alcançar. É nesse
imenso palco que se desenrolam os acontecimentos que Francisco Ceia nos conta
em Jogo de Janelas. São 22 Janelas abertas para mar e terra. 22 Janelas que nos
convidam a observar o que pudermos e soubermos alcançar.”.
Mas deixemos os empréstimos e
falemos do que eu vi.
O Francisco escreve com a beleza
com que canta e a alma que põe na representação. Tendo como cúmplices o Pêpo e
o computador a que Orat dá voz, conta-nos histórias olhadas do lado de cá do
medo, com os olhos e o coração de quem combate a opressão, a ignomínia e a
traição com armas tão eficazes como o amor, a paz e a igualdade.
Fazendo-se chegar numa qualquer
caravela quinhentista coloca-nos através de Frei Avelindo perante o outro lado
da nossa epopeia marítima e pela voz de Ti Bambulo ou pela fuga de Arcéu
Milhano mostra-nos a face do “Santo Ofício”.
Mostra-nos a crueza da guerra e a
violência dos danos colaterais colocando-nos na mesma rua onde uma bala
assassina tira a vida à criança que o pai procura proteger com o seu próprio
corpo, ou a acção “evangelizadora” dos descobrimentos colocando-nos na aldeia
de Kimbo e Murumbi.
Desembarca na Raia, na terra onde
o Francisco nasceu e bem conhece. E não é pelo facto desta distar mais de 200 km do mar que história
tropeça.
Aqui nesta serra de São Mamede ou
S. Mamed que é a nossa, num Castelo de uma vila que pode ser Alegrete, Marvão
ou qualquer outra, mostra-nos um mundo recheado de personagens do nosso
imaginário e um conjunto de acontecimentos que pela sua humanidade nos comovem
ou pela sua canalhice nos levam a repudiar.
Pelos mandantes da época e pelos
lacaios que os servem somos transportados para os dias de hoje e para os casos
vividos pela arraia-miúda, revemo-nos num viver de dificuldades mas também na
nossa capacidade de resistir e lutar, na solidariedade e na ternura com que
então e agora enfrentamos as agruras e as traições.
Ao longo da história o autor
mostra-nos um conjunto de personagens em que vislumbro muita da nossa gente de
hoje e daqui. O ferreiro Manuel Tição e a sua combatividade e capacidade de
trabalho, a disponibilidade da esposa Rosa Florinda, a coragem do filho José
Cotovia - pastor e guerreiro, a solidariedade entre os pés-descalços, a unidade
que opõe à razão da força a força da razão.
Recorda-nos a força do amor,
capaz de opor as alianças de sangue às disputas de fronteira, quando nos dá a
conhecer a filha de Maria de La Felicidad, espanhola e de José Cotovia, pastor
português travestido de soldado.
E deixa-nos esperança num mundo
melhor.
Podemos transportar-nos para aqui
e agora.
Porque também aqui e agora …de
todo o lado se ouve de novo o uivo dos chacais e de novo quem empurra fria e inexplicavelmente,
os seus filhos para outras paragens …” os do costume…e mais, a molusca meia
dúzia de acólitos, e pajens.
Esses vermes, sim… carcomem as
vontades… vedam à vida, o arejo, Receiam o novo, o diferente, chafurdam no
lodo, sem pingo de pejo!
Porque também aqui e agora é urgente “Abrir a terra de mel
prometida, a derradeira,
Onde reinam nobres, a pomba e o ramo de oliveira"
Porque como disse o professor
Jorge Oliveira “Não é um livro para esta, ou para aquela geração, ele é
intemporal”
Para ti querido amigo, para
aquelas a quem dedicas este livro: Adelina, Adriana e Carolina o desejo que
possam ver como resultado do teu labor e coragem, essa terra de mel, sonhada e
pela qual lutamos.
Diogo J. Serra
Arronches, 2012-06-22
(a foto de Emílio Moitas foi tomada de empréstimo do seu Blog)