Intervenção proferida na apresentação do livro “ SABORES COM
POEMAS” de António Murteira.
Dia 27 de Abril, no Mosteiro de S. Bernardo em Portalegre
Caras e caros amigas/os
e convidadas/os
Uma palavra sobre o
Autor.
Conheci o autor a 2 de
Fevereiro de 1974 na redação do Semanário a Rabeca.
Eu trabalhava no Jornal
e o António veio a Portalegre trazer o nosso redator Eduardo Basso que havia
sido preso pela Pide, em Évora, quando participava, no Café Arcadas, no
encontro comemorativo da revolta do 31 de Janeiro.
Trocámos apenas umas quantas
palavras. Viríamos a encontrar-nos mais tarde, muitas vezes, aqui em
Portalegre, empenhados na concretização do sonho que nos unia.
Uma palavra sobre o
Livro.
Comeres com poemas –
para viver um grande amor não é (só) um livro de poemas, não é (só) um livro de
comeres, nem é (só) um livro de viagens.
E isto apesar de nos
envolver como um poema, de nos transportar pelos odores, pelos sabores e pelas
técnicas da confeção dos nossos manjares, de nos envolver nas suas deambulações
pelo Alentejo, por diversas capitais europeias, por África ou por outras
paragens em que aportou.
Este livro é, como
refere Ana Paula Amendoeira um manual poético para chegar a essa festa dos
sabores e aromas em que a criatividade e necessidade dos alentejanos inventou
para a sua gastronomia mas é também, como o refere Francisco Sabino, um livro
de memórias gustativas, de estórias e de pensamentos… um compromisso de contar
para não esquecer.
Comeres com poemas é,
sobretudo, como o próprio autor o define, “Um livro de afetos. Mas é também um
repositório de inquietações, uma contínua procura da verdade, um laboratório
que procura descobrir e testar os caminhos possíveis para alcançar a
felicidade.
Quando nos fala do
contributo que o Alentejo pode dar para que possamos inverter a nossa gritante
dependência alimentar, quando regista de forma sofrida o êxodo das nossas
populações ou denuncia as politicas e os políticos que ao longo de 36 anos
levaram Portugal à bancarrota o Autor não se afasta da sua condição de
Alentejano, revolucionário, poeta, cidadão do mundo e muito menos se afasta da
capacidade sempre demonstrada de acreditar que é nos povos e na sua luta que se
hão-de encontrar as soluções.
A páginas tantas,
utiliza mesmo uma resposta dada por um outro alentejano, de Campo Maior, quando
questionado quando voltaríamos a ter festas do povo na vila raiana para
reafirmar a sua convicção de são sempre os povos a decidirem o futuro.
Diz-nos o Autor.
…a região e o país terão
reformas políticas para a criação de uma nova base económica, produtiva e
democrática, para o emprego, a fixação e rejuvenescimento da população, quando
o povo quiser.
O livro é também de
comeres.
O autor transporta-nos
numa imensidão de cheiros, sabores e cores pela riqueza da nossa gastronomia
das entradas aos pratos de caça, das sopas aos enchidos, dos peixes à doçaria.
Coloca-nos à mesa
embriaga-nos com os odores e os sabores da nossa terra independente de nos
falar de uma açorda de alhos comida em S. Manços ou do caril de camarão à
Índico feito pela bela Gutana num muceque da então Lourenço Marques.
Questiona-se e
questiona-nos com a mesma simplicidade com que os alentejanos usam a taberna e
o petisco para criarem a ambiência necessária à reflexão ou ao cante.
Mais que a apresentação
dos oitenta comeres aprendidos e testados em vários pontos do mundo, mais que
as afirmações de amizade e cumplicidade registadas e dos amores que se
adivinham, o livro é também uma extraordinária demonstração de lucidez e
capacidade de questionar os caminhos percorridos e um renovar do
comprometimento de que continua empenhado em contribuir para a mudança no
Alentejo e no Mundo
Ou não fosse o Autor um Poeta e, como tão bem
os definiu (definindo-se) Federico García Lorca
... Eu sou
revolucionário porque não há verdadeiro poeta que não seja revolucionário.
E porque os livros quando escritos deixam de pertencer aos seus
autores e passam a pertença dos leitores, aqui temos este "Comeres com Poemas" para degustar numa tarde de verão, bebericando um branco do Redondo ou de Reguengos
ou, numa noite de inverno à lareira, com um tinto de Pias ou de Portalegre, se
possível vivendo um grande amor.
E no que me toca, o desejo que também eu possa continuar a
percorrer esse caminho que o autor define neste seu livro como “ o agarrarmos
na picareta e ombro a ombro com os outros humanos, abrir caminhos em direcções
que os velhos do Restelo dizem não ser possíveis…
D. J. Serra
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