domingo, 29 de abril de 2012


Intervenção proferida na apresentação do livro “ SABORES COM POEMAS” de António Murteira.

Dia 27 de Abril, no Mosteiro de S. Bernardo em Portalegre





Caras e caros amigas/os e convidadas/os

Uma palavra sobre o Autor.

Conheci o autor a 2 de Fevereiro de 1974 na redação do Semanário a Rabeca.

 Eu trabalhava no Jornal e o António veio a Portalegre trazer o nosso redator Eduardo Basso que havia sido preso pela Pide, em Évora, quando participava, no Café Arcadas, no encontro comemorativo da revolta do 31 de Janeiro.

Trocámos apenas umas quantas palavras. Viríamos a encontrar-nos mais tarde, muitas vezes, aqui em Portalegre, empenhados na concretização do sonho que nos unia.

Uma palavra sobre o Livro.

Comeres com poemas – para viver um grande amor não é (só) um livro de poemas, não é (só) um livro de comeres, nem é (só) um livro de viagens.

E isto apesar de nos envolver como um poema, de nos transportar pelos odores, pelos sabores e pelas técnicas da confeção dos nossos manjares, de nos envolver nas suas deambulações pelo Alentejo, por diversas capitais europeias, por África ou por outras paragens em que aportou.

Este livro é, como refere Ana Paula Amendoeira um manual poético para chegar a essa festa dos sabores e aromas em que a criatividade e necessidade dos alentejanos inventou para a sua gastronomia mas é também, como o refere Francisco Sabino, um livro de memórias gustativas, de estórias e de pensamentos… um compromisso de contar para não esquecer.

Comeres com poemas é, sobretudo, como o próprio autor o define, “Um livro de afetos. Mas é também um repositório de inquietações, uma contínua procura da verdade, um laboratório que procura descobrir e testar os caminhos possíveis para alcançar a felicidade.

Quando nos fala do contributo que o Alentejo pode dar para que possamos inverter a nossa gritante dependência alimentar, quando regista de forma sofrida o êxodo das nossas populações ou denuncia as politicas e os políticos que ao longo de 36 anos levaram Portugal à bancarrota o Autor não se afasta da sua condição de Alentejano, revolucionário, poeta, cidadão do mundo e muito menos se afasta da capacidade sempre demonstrada de acreditar que é nos povos e na sua luta que se hão-de encontrar as soluções.

A páginas tantas, utiliza mesmo uma resposta dada por um outro alentejano, de Campo Maior, quando questionado quando voltaríamos a ter festas do povo na vila raiana para reafirmar a sua convicção de são sempre os povos a decidirem o futuro.

Diz-nos o Autor.

…a região e o país terão reformas políticas para a criação de uma nova base económica, produtiva e democrática, para o emprego, a fixação e rejuvenescimento da população, quando o povo quiser.

O livro é também de comeres.

O autor transporta-nos numa imensidão de cheiros, sabores e cores pela riqueza da nossa gastronomia das entradas aos pratos de caça, das sopas aos enchidos, dos peixes à doçaria.

Coloca-nos à mesa embriaga-nos com os odores e os sabores da nossa terra independente de nos falar de uma açorda de alhos comida em S. Manços ou do caril de camarão à Índico feito pela bela Gutana num muceque da então Lourenço Marques.

Questiona-se e questiona-nos com a mesma simplicidade com que os alentejanos usam a taberna e o petisco para criarem a ambiência necessária à reflexão ou ao cante.

Mais que a apresentação dos oitenta comeres aprendidos e testados em vários pontos do mundo, mais que as afirmações de amizade e cumplicidade registadas e dos amores que se adivinham, o livro é também uma extraordinária demonstração de lucidez e capacidade de questionar os caminhos percorridos e um renovar do comprometimento de que continua empenhado em contribuir para a mudança no Alentejo e no  Mundo

 Ou não fosse o Autor um Poeta e, como tão bem os definiu (definindo-se) Federico García Lorca

... Eu sou revolucionário porque não há verdadeiro poeta que não seja revolucionário.


E porque os livros quando escritos deixam de pertencer aos seus autores e passam a pertença dos leitores, aqui temos este "Comeres com Poemas"  para degustar numa tarde de verão, bebericando um branco do Redondo ou de Reguengos ou, numa noite de inverno à lareira, com um tinto de Pias ou de Portalegre, se possível vivendo um grande amor.

E no que me toca, o desejo que também eu possa continuar a percorrer esse caminho que o autor define neste seu livro como “ o agarrarmos na picareta e ombro a ombro com os outros humanos, abrir caminhos em direcções que os velhos do Restelo dizem não ser possíveis…

D. J. Serra




sexta-feira, 13 de abril de 2012

Entre o verbo e a acção*


O Presidente do PSD e actual Primeiro-ministro (Chefe do Governo como faz questão de se afirmar) utilizou o discurso de encerramento do congresso do seu partido para mostrar ao país que conhece muitas das situações dramáticas vividas por um número cada vez maior de portugueses e portuguesas e que reconhece a necessidade de lhes ser dado combate.

Afirmou-se preocupado com o crescimento do desemprego – chamou-lhe chaga social, com a desertificação dos territórios de muito baixa densidade, com a necessidade de nessas regiões ( leia-se todo o interior), o Estado  não abandonar essas populações.

Gostei do que ouvi. Algumas daquelas afirmações não ficam longe das razões que aqui, no Norte Alentejano, vimos esgrimindo e foram bandeiras para a Greve Geral do passado dia 22 que também aqui foi cumprida.

O problema não está no discurso, apesar deste estar impregnado da ideologia do novo-riquismo que num dia esmaga os direitos e o emprego, para no dia seguinte se disponibilizar “caridosamente” a dar uma sopa aos espoliados. O problema está naquilo que o meu camarada Carlos Carvalhas designava com o colorido do seu sotaque beirão “ a distância entre o verbo e a acção”.

De facto quanto ao verbo estamos de acordo. O desemprego transformou-se numa chaga social que importa combater; os territórios de muito baixa densidade sofrem problemas graves de desertificação e as populações ficam cada vez mais afastadas dos serviços e dos bens que lhe são necessários; o estado não pode, também ele, abandonar essas regiões e essas populações…

O problema é a acção ou, a falta dela.

Recordemos o que tem sido a acção política do governo e os seus resultados no nosso território.

Quanto ao desemprego.

Nos últimos meses o desempregou disparou enquanto os desempregados viram ser-lhes retirados ou drasticamente reduzidos os apoios sociais que lhes são fundamentais. Hoje é o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) a confirmar que nos tempos de Passos Coelho o desemprego não parou de crescer. Em Fevereiro de 2012 o aumento em relação ao mês homólogo de 2011 foi de 7,9% e sabemo-lo, o número de desempregados no distrito aproxima-se hoje dos dez mil.

No mesmo período acelerou a destruição do aparelho produtivo, regressaram os salários em atraso, aumentaram as insolvências e a destruição de emprego.

Quanto às dificuldades nos territórios de baixa densidade e o seu abandono, ou não, pelo Estado.

No Norte Alentejano foram e continuam a ser encerradas escolas nas freguesias rurais e foram-lhes retirados os transportes públicos. Este governo, o governo “chefiado” por Passos Coelho deu continuidade e intensificou todas as malfeitorias anteriores tendo mesmo dado execução ao “assassinato” do transporte ferroviário com a extinção do serviço de passageiros entre Abrantes e a Fronteira e o fim do movimento no ramal de Cáceres.

Este mesmo governo encerrou serviços de saúde, diminuiu horários e valências e retirou o transporte aos mesmos doentes a quem empurrou para as urgências hospitalares e prepara-se agora para encerrarem juntas de freguesias e debilitarem todo o Poder Local Democrático enquanto estrangula o Ensino Superior e os focos de produção cultural sedeados no nosso distrito. É o responsável principal pelo acelerar da morte de muitos portugueses e portuguesas e também pelo acelerar da morte da nossa região.

Este governo que se move como gestor de interesses estrangeiros está a empurrar-nos para fora do nosso território e fá-lo perante a indiferença e o silêncio dos que eleitos por nós se afirmam não como representantes da região que os elegeu mas como capatazes do governo junto da população.

Durante muito tempo insurgi-me contra os que sabendo o que aqui se passava e tendo a obrigação de o denunciar trocavam tal obrigação por um lugar com visibilidade social e remuneração tentadora.

Tinha razão. Eles sabiam o que estava a acontecer.

O Presidente da Comissão Politica do PSD e “ Chefe do Governo” confirmou-o. Eles sabem, sempre o souberam, só não estão interessados em arrepiar caminho ou resolver quaisquer problemas que não sejam os seus.

O seu objectivo é, confirmamo-lo a cada dia, rigorosamente igual aos objectivos dos que os antecederam nas cadeiras do poder: gerir os benefícios que o poder lhes traz. Substituir boys rosa por boys laranja ou azul, distribuir benesses e lugares pelo aparelho partidário e posicionarem-se o melhor que podem para resistirem à mudança que um dia virá.

Por estas e por todas as inúmeras razões conhecidas a luta dos trabalhadores e da população é absolutamente necessária e acabará, como sempre, por os derrotar. 

Esperemos que o consiga em tempo útil para nós e para a nossa região.

Diogo Júlio Serra
* Artigo publicado no Jornal Alto Alentejo de 11-4-2012