quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

 


“ Como está Sr. Contente

Como vai Sr. Feliz

Diga à gente, diga à gente…”

 

Durante alguns minutos espreitei o debate, anunciado como duelo decisivo, com que todas as estações televisivas em canal aberto distorceram a democracia entrando na campanha para promoverem os principais partidos do centrão dos interesses.

Não querendo detalhar as razões que em minha opinião justificam o tratamento de favor feito a essas forças políticas gostaria de trazer ao debate público algumas reflexões sobre temáticas que para quem vive e trabalha na nossa cidade e região deverão estar no topo das nossas preocupações, tendo à cabeça o facto de um distrito como Portalegre eleger apenas dois deputados no conjunto dos 230 que compõem o Parlamento Português.

Atentemos nesta realidade olhando-a de forma mais abrangente e tomando como área de análise toda a Região Alentejo. Neste amplo território que representa 1/3 do território Nacional são eleitos 3,7 % dos deputados e quantas vezes mais preocupados com os interesses do seu grupo do que com as necessidades e aspirações dos cidadãos e territórios por onde foram eleitos.

Há depois e a acrescer a esta situação, um conjunto de meias verdades ou puras falsidades que penalizam e dificultam a saída destes territórios (o Alto Alentejo mais que os restantes) do fosso para onde (n)os atiraram: São os esforços sem olhar a meios para o fomentar da bipolarização procurando garantir que a opção dos portugueses seja entre o Sr. Contente e o Sr. Feliz e que estes se mantenham como fiéis representantes do centrão (da política e dos negócios) que nos tem empobrecido desde 1976.

Com a campanha centrada não no esclarecimento e nas propostas de cada força política mas no espectáculo e no espalhafato e com a comunicação social diminuída na sua independência, seja pela dependência económica, pela dependência hierárquica aos grandes grupos financeiros, pela impreparação dos seus quadros (cada vez mais constituídos por batalhões de precários) ou pelo somatório de todas essas condições, os eleitores ficam reféns da opinião de uns quantos comissários que, usando o título de comentadores nos entram em casa a dizer-nos que o que ouvimos não foi o que ouvimos mas sim o que eles dizem que devíamos ouvir.

E assim, nos impigem que as eleições são para eleger o Primeiro-ministro e nos põem a opinar sobre a bondade do Sr. Contente ou as falhas do Sr. Feliz porque dizem-nos, será um deles a ser eleito primeiro-ministro no próximo dia 30.

Esquecem-se, querem que o esqueçamos, que estas eleições são para eleger 230 deputados para a Assembleia da República e que será a sua composição que definirá quem irá ser Primeiro-ministro e formar governo e será depois a sua apreciação a definir, se esse governo será ou não viabilizado.

Esquecem-se e querem que o esqueçamos quando 2015 ainda ali está bem visível na nossa memória.

Mas para nós tão ou mais importante que o sabermos quem irá formar o próximo governo é o sermos capazes de garantir que no Parlamento tenhamos a voz que nos tem faltado. Que o distrito de Portalegre possa ter voz pela palavra e pela acção dos deputados por aqui eleitos.

Mais, ou tão importante, do que dizem em campanha é garantirmos que entre os apenas dois que este território elege esteja quem possa e queira ser a Voz de todo nós.

A campanha ainda não começou (no dia em que escrevo este texto) e já nos prometeram tudo. Mesmo aquilo que recusaram há poucos dias, casos dos montantes do salário mínimo, a redução do horário de trabalho ou as promessas ciclicamente prometidas e esquecidas como as estradas que continuamos a não ter, a linha do Leste a dezenas de quilómetros da cidade capital do distrito e a funcionar pouco melhor que quando foi estendida até Badajoz, e isso foi no dia 24 de Setembro de…1863, a Escola da GNR que já nos levou várias medalhas municipais que não obtiveram retorno, etc,etc, etc…

Agora o tempo é de não nos limitarmos a escutar as promessas mil vezes repetidas e exigir que todos os actores locais (políticos, económicos e sociais) exijam e se exijam dar Voz ao distrito de Portalegre.

No território e na Assembleia da República serem/sermos a VOZ de Todos nós!

Diogo Serra

(publicado no Jornal do Alto Alentejo de 19-01-22)

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

O (novo/a) REI SOL!

 


Le soleil c’ est moi!

A afirmação com que titulei o presente texto é atribuída a Luís XIV, rei de França do Século XVII e considerado pelos historiadores como o expoente máximo do absolutismo.

A frase veio-me à memória ao ler a declaração de voto apresentada pela Sra. Presidente da Câmara Municipal de Portalegre na reunião de 13 dezembro e a sua afirmação de que foi ela e não o partido por quem se apresentou e é dirigente, o PSD, quem ganhou as eleições que lhe garantiram a presidência que detém.

A frase não pode ser retirada do contexto, dir-me-ão. A Presidente de Câmara queria tão só ressaltar que não fora a CLIP (de quem procura apoio para governar) mas a Dra. Adelaide Teixeira quem perdeu (para ela) a Câmara Municipal da cidade capital do distrito.

Será assim? Posso acreditar, mas o que de imediato me veio à memória foram os “reinados” de outro “rei sol” que abandonou o barco quando este ameaçava naufragar e que fora, recorde-se, eleito pelo mesmo PPD que agora (parece) ser rejeitado pela Presidente de Câmara em exercício.

Mais, o que restou da gestão desse outro “Luís XIV” e da “regente” que deu seguimento a essa governação “absolutista” foi a total paralisação da cidade e do concelho, com a “natural” perda de gente e de qualidade de vida dos que teimam em ficar.

Foi também a razão da vontade de mudar que levou a que uma grande parte do eleitorado do concelho optasse por mudar embora, infelizmente (é a minha opinião) proporcionando uma volta de 360º e com tal atitude trocando a gestão PSD que substituíra a gestão PSD, por uma nova gestão do PSD.

Confuso? Talvez. Mas na verdade nos últimos 20 anos o Município de Portalegre foi presidido por um “Rei Sol”, um “Rei Sol – feminino) e agora, de novo no feminino, le soleil c’est MOI!

Mas, afirmou-o Manuel Alegre e cantou-o magistralmente o Adriano: Há sempre uma candeia, dentro da própria desgraça… e por isso insisto em acreditar que do absolutismo que se anuncia possamos ver nascer algum Versalhes. Possamos deixar de ter uma cidade em decadência e até, sonho dos sonhos, aspirar a que, a tão falada e necessária reindustrialização possa trazer até nós, alguns efeitos das bazucadas disparadas em Lisboa traduzidos em investimento produtivo, em capacidade de transformar o que de bom aqui produzimos, na possibilidade de mantermos os nossos jovens e atrairmos novas gentes.

Uma cidade que já ostentou o título de capital industrial do Alentejo, que viveu e cresceu a ouvir as sirenes da Robinson, da Fino’s e da Finicisa. Uma cidade que assistiu às metamorfoses desta última até chegar à actual Selenis, que viu nascer e partir a Johnson Control’s, pode e deve exigi-.

Uma cidade rica em produtos agroalimentares certificados que já teve no seu seio a mais importante marca no sector do Leite, a Serraleite entretanto sugada pelo capitalismo reinante, que criou e mantém as fabulosas Tapeçarias de Portalegre e as melhores tecedeiras do mundo e que mantém no seu ADN a cultura operária, pode e deve sonhar que é possível ultrapassar “este cabo das tormentas” e navegar com ventos e mar calmo até ao destino que merece.

E, também, como o escreveu o poeta e nos cantou Adriano, porque temos em nós a cultura operária, contra ventos e marés …há (haverá) sempre alguém que resiste, há (haverá) sempre alguém que diz não!

Diogo Júlio Serra

Publicado no Jornal do Alto Alentejo de 5-1-2022