quarta-feira, 22 de junho de 2016

ALDEIA GRANDE OU CIDADE CAPITAL?


Diogo Júlio Serra*


   Portalegre, cidade e concelho, atravessam um momento de profunda debilidade. O século XXI acelerou as situações de fragilidade que se vinham sentido nas últimas décadas do anterior e se caracterizaram pelo desmantelar das indústrias existentes, pelo definhar do comércio e das pequenas oficinas que sempre animaram as ruas da cidades e, pior, pelo desânimo que atinge as nossas gentes e tolhe os nossos autarcas.
   O desemprego instalou-se, os mais jovens foram obrigados a partir, Portalegre transformou-se numa cidade envelhecida, cada dia menos povoada, menos limpa, mais desleixada.
   A cidade deixou de ser a capital industrial do Alentejo e deixou, também, de ser a cidade branca.
   É um caminho que tem que ser invertido!
   A cidade e o concelho têm potencialidades bastantes para ultrapassar o mau momento que vivemos.
Não é a primeira vez que Portalegre se vê confrontada com dificuldades motivadas por falências e encerramentos de empresas e dificuldades financeiras do município. Sempre soube ultrapassá-las.
   O colapso da industria de lanifícios nos finais do século XIX originou desemprego em massa e foi pioneira de situações de salários em atraso e falências que agora voltamos a viver.
   A situação foi superada com o enorme contributo dos Robinson e da sua corticeira, entretanto desaparecida mas que pode, de novo, ser o motor para retomarmos os caminhos do progresso e bem estar.
   Assumindo como pouco provável que consigamos em pouco tempo a reindustrialização que reivindicamos é fundamental que olhemos, todos, para as inúmeras potencialidades que ainda detemos mas que teimosamente não transformamos em produtos para o desenvolvimento sonhado.
Desde logo o riquíssimo património que nos foi deixado pela Portalegre industrial que fomos. Uma cultura industrial, um valioso espólio de arqueologia industrial de que se destaca o espaço Robinson e a Fundação que o gere mas também os “destroços” da Lanifícios e Invicar.
   Outras potencialidades de que a cidade e o concelho dispõem são o seu rico património arquitectónico e a existência na cidade das melhores tapeceiras do mundo e da Manufactura de Tapeçarias de Portalegre.
   O espaço Robinson , um espaço com 7 há no coração da cidade e onde se mantém de pé toda a estrutura da secular fábrica  poderia/deveria ver ali instalado um centro de investigação do montado e da cortiça em sã convivência com a musealização da Robinson e tendo por vizinhas as muitas associações que teimam em continuar portalegrenses.
   A Manufatura Tapeçarias de Portalegre e a sua Tapeçaria ímpar poderão/deverão alavancar todo a politica municipal de turismo e assumirem-se como foco de atracção para um segmento de turismo culto, com poder-de-compra, interessado  e predisposto a “fugir” à oferta de sol e mar ou ao frenesim do litoral e dos grandes centros.
   As inúmeras casas senhoriais, os mosteiros e conventos, as suas capelas e igrejas fazem desta cidade um museu a céu aberto, complementado por uma rede de museus de que se destacam o Museu Municipal, o Museu de Tapeçarias, a Casa Museu José Régio e o espaço museológico da Igreja de S. Francisco.
   Com tudo isto o que nos falta?
  Falta-nos a vontade. Nenhuma das muitas potencialidades que detemos nos poderá valer se a vontade dos portalegrenses não conseguir impor, a cada um de nós, aos cidadãos organizados em associações e partidos e aos vários patamares do Poder Local a capacidade para descobriram pontos de união para nos tirar do pântano onde nos deixaram.
   Importa que o Município de Portalegre e as forças políticas que o compõem canalizem a discussão para encontrar formas de a Fundação Robinson retomar os seus objectivos fundadores e dispor dos meios materiais necessários em vez de continuarem a fazer dela arma de arremesso ao sabor dos seus interesses politico-eleitorais.
   Importa que a Administração da Manufactura e os vários parceiros que preparam a sua candidatura a Património Cultural da Humanidade não esqueçam que a Tapeçaria de Portalegre é o que é porque contou com a invenção do famoso nó,  com a visão empresarial da família Fino, com os cartões de pintores famosos mas também com o empenhamento e saber daquelas que Jean Lurçart apelidou de melhores tecedeiras do mundo e essas, estão no desemprego, a exercerem mil e uma actividades que nada têm que ver com os seus saberes e a receberem “aos bochechos” os salários que não lhes foram pagos em tempo útil.
   É difícil? É! Mas tem que ser feito.


*publicado no Jornal Alto Alentejo de 22/02/16

quarta-feira, 1 de junho de 2016

"Era uma casa muito engraçada"

“era uma casa muito engraçada
Não tinha tecto, não tinha nada.”

     A “modinha” infantil aplicar-se-á ao edifício, propriedade do município, situado no Largo Serpa Pinto e há muito adquirido para ali se instalar o arquivo municipal?
     Não! Não é possível cantar enquanto se desmorona um edifício que é testemunho vivo da história recente da nossa cidade e um marco importantíssimo da história do movimento operário de Portalegre.
     Para os mais novos o edifício em ruínas existente no “ Largo da Boneca” será só mais um entre outros existentes na zona histórica da cidade. Outros recordá-lo-ão como sede do Estrela e lembrarão as tardes e noites ali passadas em sessão de fervor clubista ou praticando os inúmeros jogos de salão ali disponibilizados.
     Para os menos moços a recordação será a da Sociedade Vintém assim designada sem que muitos conhecessem a razão de tal denominação. Só os mais idosos e interessados conheceriam que a designação estava ligada ao custo da quota que os sócios disponibilizavam. Mas adiante, os estudiosos da história da nossa cidade, os estudiosos ou simples interessados da história do Movimento Operário e dos inícios da sua organização em Portalegre sabem que ali, dentro daquelas paredes agora em ruína total, se instalou em 1905, a primeira associação não mutualista nascida na nossa cidade, a Sociedade União Operária.
     Esta Associação, fundada em 1896 sob a égide de George Robinson e de seu cunhado Pedro Castro da Silveira, foi a primeira associação não mutualista a nascer em Portalegre e apresentava como objetivos  “o recreio, a confraternização, a instrução e a ilustração”[1].
     Os estatutos da Sociedade União Operária – S.U.O. permitiam a inscrição de associados de todas as classes sociais mas só aos operários era permitido serem sócios ordinários e votarem e serem eleitos para os órgãos sociais. Os restantes, sócios honorários, não tinham direito a voto nas assembleias gerais nem acesso aos órgãos sociais.
     A S.U.O. viria a ter uma enorme adesão da população operária de Portalegre e foi a partir das suas instalações que se organizaram as primeiras manifestações e desfiles comemorativos do 1º de Maio, ainda no século XIX.[2]
     Quando nos deparamos com a situação de ruína a que o edifício chegou não podemos deixar de condenar a nossa própria inércia perante o destruir das nossas memórias.
     É verdade que já houve intervenção do município para evitar o desabamento do telhado mas após essa intervenção não só não se conhecem quaisquer projectos para o edifício como se assiste (agora a céu aberto) à sua acelerada decomposição.
     O velhinho edifício sede da S.U.O. ( e também o antigo Teatro  Portalegrense) mereciam uma maior atenção dos Portalegrenses e em particular do seu município que, no caso da S.U.O. é igualmente o proprietário do imóvel.
     São conhecidos os constrangimentos financeiros por que passa a Câmara Municipal de Portalegre mas essa situação não pode justificar tudo e particularmente o alheamento dos portalegrenses.
     Em 1896 não foi o município quem assumiu a constituição da S.U.O., foram os operários de Portalegre e algumas das figuras tutelares da vida associativa.
     Um mês depois de constituída a associação já tinha 450 associados. O seu financiamento fazia-se “vintém a vintém”.
     E hoje?
   Cento e vinte anos depois da sua constituição não temos condições para nos quotizarmos (população, empresas, autarquias) e não deixarmos cair a sede da primeira Associação não Mutualista da cidade de Portalegre?

Diogo J. Serra

*Publicado no Jornal Fonte Nova de 31-05-16

[1]  António Ventura, Portalegre – Roteiros Republicanos, Ed QUIDNOVI,2010
[2] As Primeiras manifestações públicas ocorreram no Teatro Portalegrense mas, após a fundação da SUO passaram a ser organizadas na sua sede ou, no caso dos desfiles de rua, com partida e chegada às suas instalações.