Manif "secos e Molhados" foto de Ochôa-Expresso
Quem nos defende? Dos outros e de
nós.*
Nos últimos dias a pacatez alentejana
foi abalada por um conjunto de incidentes em que a violência empregue põe em
causa a calmaria que gostamos de exibir.
Um grupo de cidadãos forçou a entrada no
quartel dos bombeiros de Borba, perseguiu os bombeiros que ali pernoitam e
destruiu equipamento.
No dia seguinte, em Elvas, um outro
cidadão agrediu verbalmente e vandalizou uma viatura dos Bombeiros daquela
cidade.
Em Campo Maior, dois alunos da escola
local ambos com dezasseis anos, desentenderam-se e um deles agrediu com
violência a sua colega que transportada para o hospital distrital teve que ser
evacuada para um Hospital Central de Lisboa onde ainda se encontra numa
situação que inspira cuidados.
Três incidentes, todos eles com alguma
gravidade e que acabaram por “interessar” a comunicação social local e nacional
e passaram a ter presença “obrigatória” nas redes sociais.
Em todos os casos as forças de segurança
chamadas a intervir, fizeram-no com o zelo e a rapidez necessárias tendo os
seus autores sido identificados e os respectivos processos remetidos às
autoridades judiciais.
Tudo estaria então encerrado ou pelo
menos correctamente encaminhado não fosse o caso de nos dois primeiros incidentes
os alegados autores serem membros de minorias étnicas e o terceiro envolver
filhos de emigrantes, a vitima, e ter acontecido numa escola.
Os locais e os envolvidos, mais que os
actos de “banditismo e violência” despoletaram uma campanha de ódio, com
manifestações de xenofobia, racismo e intolerância extrema.
Ao “julgamento” popular onde a “sentença”
era a esperada condenação, sucederam-se as indicações de pena, cada uma delas
mais violenta do que o “crime cometido”: prisão perpétua, esbulho dos rendimentos,
expulsão do nosso (e deles) país, espancamento ou assassinato puro e duro… e,
pasme-se, não apenas para os alegados culpados mas para toda a sua comunidade.
O discurso do ódio saiu dos baús onde
alguns o têm guardado e invadiu as redes sociais e as nossas casas. Impôs-se
nas conversas de café e de comadres e colocou na agenda política a
“necessidade” de alimentar/reforçar os grupos políticos organizados que na
clandestinidade ou já com assento parlamentar sonham com novas “Noites de Cristal”
como a que ocorreu em Berlim a 9 de Novembro de 1938.
É óbvio que não pretendo branquear o que
aconteceu em cada um dos três casos aqui tratados ou nos muitos outros casos
que sem o conhecimento mediático vêm acontecendo diariamente em diversas
localidades do nosso distrito. Pretendo tão só recordar que os três casos aqui
trazidos e todos os outros que alimentam o discurso do ódio e da intolerância
são problemas de “bandidagem” e portanto casos de polícia. Têm a ver com
actividades criminosas de indivíduos e não dependem nem da cor da pele, nem da
origem étnica nem do local onde nasceu quem as comete.
Tem a ver, fundamentalmente, com a incapacidade
do Estado Português cumprir as suas obrigações e fazer cumprir as suas próprias
leis e deve-se às políticas de desinvestimento em meios humanos e materiais em
todo o sector público (saúde, ensino, justiça…) e, também, nas nossas forças de
segurança.
E o problema maior é que continua a
fingir que nada se passa enquanto alguns de nós continuamos a pactuar com estas
políticas e mobilizamo-nos depois não para as combater mas para alimentar quem
as possa perpectuar.
Resta-nos responder à questão com que
titulámos este texto.
Quem nos defende?
A resposta é fácil: o Estado de Direito,
a Democracia que construímos e de que devemos cuidar!
Diogo Júlio Serra
* publicado no Jornal Alto Alentejo de 20-11-2019