Caras e caros amigos.
Estamos aqui para assinalar o
centenário do 1º Congresso dos Trabalhadores Rurais e da constituição da
Federação dos Sindicatos Rurais, momento alto da luta sindical e da organização
dos trabalhadores rurais que teve por palco a cidade de Évora.
Convém recordar o contexto em que
ocorreu o Congresso.
O Movimento associativo entre as classes
trabalhadoras portuguesas começou a tomar forma em 1839 com a constituição da Associação
dos Artistas Lisbonenses mas, só em 1852 surge a primeira associação
não mutualista – A Associação do Trabalho para os Fabricantes de Seda.
A partir de 1870 o movimento
associativo começa a ganhar forma mas somente nos maiores centros industriais:
Lisboa, Porto, Setúbal e Covilhã.
O Mundo rural – a maioria
esmagadora do país – permanece distante quer do associativismo mutualista quer,
do associativismo de classe.
Em 1903 (dados fornecidos por
Campos Lima- citado por A.V. em o Sindicalismo no Alentejo) existiam em
Portugal 118 associações. No Alentejo 2
e entre elas a única associação de trabalhadores rurais, a Associação dos
Trabalhadores Rurais de Beja[1].
Em 1908 com a publicação do
Jornal a Greve, dirigido por Alexandre Vieira e outros, são dados passos de gigante
na propaganda sindicalista.
Nesse ano, em Junho, Elias Matias
– manufato de calçado ( cuja memória saudamos através dos seus familiares aqui
presentes), Sertório Fragoso – operário tipográfico e outros fundam em Évora o
Grupo Anarquista Avante! E iniciam uma intensa ação difusora e propagandista da
ação sindical.
Em 1909 realizou-se o Congresso
Sindical e Cooperativista e a partir dele até à implantação da República
somaram-se as lutas e greves envolvendo já (embora em número reduzido) os
trabalhadores rurais. Mas é com a implantação da República que a luta dos
trabalhadores se intensifica.
No ano de 1910 realizaram-se atá ao 5 de Outubro 35 greves e
só uma delas, de trabalhadores rurais. De 5 de Outubro e até final do ano
realizaram-se 79 greves, 4 das quais de trabalhadores rurais: rurais de Portel,
Moura, Setúbal e Cabeço de Vide.
Em 1911 reúne o 2º Congresso Sindical e decide enviar uma
comissão do Congresso como propagandistas do Sindicalismo nos campos.
No dia 1 de Janeiro de 1911 é inaugurado na Rua do Raimundo,
o Sindicato dos Rurais de Évora, com 490 associados e no final de Abril estavam
criados 52 sindicatos rurais.
A 18 de Maio realiza-se em Évora uma reunião magna dos
sindicatos rurais que apresenta um conjunto de reivindicações aos proprietários.
Estes respondem com a recusa a todas elas o que origina nova reunião magna a 28
de Maio, de novo em Évora.
Os 55 sindicatos
presentes proclamam a greve geral para
dia 31 de Maio de 1911e elegem um Comité de Greve composto por: Joaquim
Candieira, José Cebola, Vital José e Tiago Varela – rurais, pelo Pastor Monzes
– de Évora e pelos membros do Grupo Anarquista Avante – Sertório Fragoso,
António Nicolau e Elias Matias .
A greve paralisa os campos e junta milhares de trabalhadores
em Évora. Ao 4º dia de Greve os proprietários cedem em toda a linha.
A primeira greve geral dos rurais fora ganha.
Em Dezembro os lavradores
negam-se a cumprir o que acordaram em Junho e os trabalhadores voltam à greve a
1 de Janeiro de 1911.
Agora a repressão foi brutal, O
poder republicano manda encerrar as sedes sindicais, espancar, prender e
espingardear os grevistas: um trabalhador foi morto e centenas de outros foram
feridos, no Largo Severim de Faria.
A greve geral alastra a todo o
Alentejo e a Lisboa e Setúbal. Em Portalegre são presos 12 trabalhadores que se
manifestavam contra a repressão sobre os grevistas e em Lisboa é encerrada a
Casa Sindical e presos mais de 500 trabalhadores. Na Moita os populares
lincharam o Administrador do Concelho.
A Greve é derrotada, persistem as
prisões e os sindicatos continuam encerrados. Os trabalhadores das várias
classes profissionais resolvem arrendar uma casa na Rua da Freiria de cima, nº
21 e aí instalar todos os sindicatos.
Estava criada Casa Sindical de
Évora e a União Local dos Sindicatos.
A casa sindical de Évora, diz o
relatório da Comissão de propaganda na província do Alentejo, é uma espaçosa
habitação, co jardim e aula. Nela estão instalados os Sindicatos dos rurais, co
1800 sindicados, o dos carpinteiros civis com 70, o dos manufatores de calçado
com 150, o da construção civil e artes auxiliares com 120, o dos corticeiros
com 500. Os sindicatos dos caixeiros com 80 e o dos pedreiros com 90 são
igualmente aderentes da União Local e é provável que venham a habitar na Casa
Sindical[2].
Foi neste contexto que a 25 e 26 de agosto se reúne neste
local na cidade de Évora o Congresso Corporativo dos Trabalhadores Rurais.
O Congresso teve lugar na sede da União Local de Évora sedeada
no nº 21 da Rua da Freiria de Cima, onde nos encontramos, tendo como principal
objetivo a constituição da Federação Nacional dos Trabalhadores Rurais.
No Congresso participaram 39 sindicatos representando 12525
trabalhadores rurais de Alcáçovas, Alpiarça, Amieira, Arraiolos, Aviz, Azaruja,
Beja, Campo Grande, Castelo de Vide, Coruche, Cuba, Egrejinha, Évora, Évora-monte,
Ferreira do Alentejo, Monte de Trigo, Machede, Montoito, Odemira, Portalegre, Portel,
S. Manços, S. Miguel de Machede, S. Tiago do Escoural, Terrugem, Torrão, Torre
de Coelheiros, Val Pereiro, Vendinha, e Vil’Alva.
Às 16,30 horas do dia 25 de agosto de 1912 tiveram início os trabalhos do Congresso que
nesse primeiro dia foram presididos por Manuel Ferreira Quartel – delegado da
Associação dos Rurais de Coruche, secretariado por Carlos Rates – delegado da
Comissão Executiva do Congresso Sindicalista e João Bernardo Alcalena –
delegado da União dos Sindicatos de Évora.
Estava aberto o caminho. Os rurais entravam definitivamente na
luta sindical.
Hoje aqui e agora cumpre-nos reafirmar que a luta de ontem,
de hoje e de amanhã continuará até conseguirmos os objetivos sonhados pelos que
aqui estiveram há cem anos: uma terra sem amos, A Internacional!